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Animais de Companhia

Parasitas: a regra é prevenir

A parasitologia por região: saiba quais os parasitas mais frequentes no país

As ameaças são vastas, mesmo em animais indoor e, por isso, investigadores e médicos veterinários colocam a tónica na prevenção da infeção ou da infestação. Afinal podem estar em causa doenças crónicas, ou mesmo fatais, nos animais de companhia e que, em alguns casos, também podem afetar os humanos.

A desparasitação é uma preocupação que costuma crescer nesta altura do ano, quando pessoas e animais de companhia começam a passar mais tempo ao ar livre, depois de meses mais fechados em casa por causa dos dias invernosos.

 

E para o médico veterinário diplomado pelo Colégio Europeu de Parasitologia Veterinária (EVPC) e especialista veterinário europeu em Parasitologia (EBVS), Luís Cardoso, há razões que fundamentam essa preocupação. Em primeiro lugar, porque “as doenças parasitárias podem causar um espetro variado de alterações nos animais de companhia infetados por parasitas internos, ou infestados por parasitas externos, desde um simples mal-estar até à mortalidade”. Depois, porque esses agentes de doenças parasitárias podem ser direta ou indiretamente transmitidos a outros animais e também porque muitos desses mesmos agentes podem igualmente ser transmitidos aos seres humanos. “Portanto, conhecer melhor é contribuir para a prevenção e para o controlo”, acrescenta Luís Cardoso.

Contudo, reconhece o também docente de Parasitologia e Doenças Parasitárias do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro à VETERINÁRIA ATUAL, “é difícil quantificar com rigor quais as doenças parasitárias mais frequentes dos animais de companhia em Portugal, pois não há estudos que tenham abrangido todo o País”.

 

Efetivamente, números relativos à incidência e à prevalência das várias doenças parasitárias nos animais de companhia em Portugal não estão contabilizados em nenhum estudo científico nacional e abrangente, mas quer os veterinários, quer os investigadores têm, por experiência empírica, alguma noção do que vai sendo mais comum aparecer nos consultórios dos centros de atendimento médico veterinário (CAMV) e nas várias investigações a que estão ligados.

“No trabalho de campo que realizo e na área de investigação na qual trabalho, diria que as infestações por pulgas – quer em gatos, quer em cães – e por carraças em cães, continuam a ser comuns, assim como as doenças causadas pelos agentes infeciosos – bactérias, parasitas – transmitidos por vetores como carraças, flebótomos, mosquitos, pulgas e piolhos”, diz a investigadora auxiliar na Unidade de Parasitologia Médica, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), Carla Maia.

 

Relativamente aos parasitas internos, nos últimos trabalhos que a também diplomada pelo EPVC realizou em cães e gatos, os agentes que lhe merecem mais destaque são “o céstode Dipylidium caninum, os nemátodes – ascarídeos e ancilostomatídeos – e os protozoários intestinais: Giardia duodenalis e coccidias”.

As pulgas e as carraças também encabeçam a lista de achados de Julieta Rousseau. A estudante de doutoramento em Ciências Biomédicas, na especialidade de Parasitologia, do IHMT elege estes agentes externos como os “mais prevalentes nos animais de companhia em Portugal”, causadores de doenças nos animais e no ser humano. “No caso das pulgas, podem transmitir, entre outros, o céstode Dipylidium caninum e a bactéria Bartonella spp., agentes etiológicos da dipilidose e da doença do arranhão de gato, respetivamente, que são também doenças zoonóticas”, acrescenta a especialista, lembrando também que é muito comum a dermatite alérgica associada à picada da pulga, sendo mesmo uma das principais queixas dermatológicas.

 

Outra patologia relativamente frequente nos canídeos e felídeos são as otites externas causadas por ácaros, nomeadamente Octodectes cynotis e, ainda nos parasitas externos, Julieta Rousseau sublinha que “será importante referir o papel vetorial dos flebótomos e mosquitos, que transmitem, entre outros agentes, Leishmania, e Dirofilaria, respetivamente”.

Em matéria de parasitas internos, a estudante de doutoramento nomeia como os mais comuns “os nemátodes intestinais, ascarídeos e ancilostomatídeos, e não-intestinais, como é o caso de Dirofilaria immitis, e céstodes dos géneros Echinococcus e Taenia”.

“Diria que as infestações por pulgas − quer em gatos, quer em cães − e por carraças em cães, continuam a ser comuns, assim como as doenças causadas pelos agentes infeciosos − bactérias, parasitas − transmitidos por vetores como carraças, flebótomos, mosquitos, pulgas e piolhos”, Carla Maia, investigadora auxiliar no IHMT

Além desta perspetiva dos investigadores, em ambiente de consultório Isabel Maia reconhece que na área de influência do Grupo Hospital Veterinário de Viseu (HVV) pouco tem mudado em termos de prevalência das parasitoses que vão aparecendo em consulta. A diretora clínica do HVV diz à VETERINÁRIA ATUAL que pelas zonas de Viseu, Seia e Oliveira de Frades a leishmaniose, a pulicose  e a babesiose continuam a ser as três doenças parasitárias mais frequentes.

Desparasitação deve ser individualizada

O que a médica veterinária tem vindo a notar ao longo das mais de duas décadas de profissão é o crescente cuidado dos tutores para com a saúde dos animais de companhia. E, nessa medida, são poucos, ou mesmo nenhuns, os mitos ou as resistências dos tutores à definição de um plano de desparasitação individualizado e adaptado a cada animal.

Eventualmente, conta Isabel Maia, os “tutores de gatos indoor são os menos recetivos, dizem que o animal não sai muito, mas se explicarmos que a parte comportamental dos animais – que se lavam no ânus, por exemplo – faz com que eles próprios perpetuem os parasitas e que o contacto com o exterior em varandas, onde os pássaros pousam, acarreta cuidados, ficam recetivos a um plano de desparasitação”.

Aliás, o exemplo referido serve para demonstrar que todo o plano de desparasitação deve ser ajustado ao animal e à família tutora. Normalmente, num gato adulto é recomendada a desparasitação interna de três em três meses, “mas se for exclusivamente um gato indoor podemos fazer a desparasitação de quatro em quatro meses, ou mesmo de seis em seis meses”, refere a médica veterinária, reforçando que a desparasitação deve ser sempre adaptada “ao estilo de vida, à faixa etária do animal, ao comportamento do mesmo e às viagens da família”.

Estas famílias interespécie, em que os animais de companhia são vistos, acompanhados e integrados como mais um elemento do núcleo, tem feito aumentar a atenção que os planos de desparasitação merecem por parte dos tutores. E por terem saído dos quintais e dos jardins para entrarem em casa, muitos deles até dividirem a cama com os tutores, os animais de companhia também levaram com eles alguns riscos.

Julieta Rousseau lembra que “muitas destas doenças são zoonóticas, ou seja, transmissíveis ao ser humano e, assim, a circulação destes parasitas ou de agentes transmitidos por parasitas nos animais de companhia gera um risco para os tutores, que podem ser infetados quer diretamente pelo contacto com o animal, por exemplo após mordeduras ou arranhões, ou indiretamente, por exemplo por contaminação do ambiente com ovos ou formas larvares, ou através de um vetor”, sendo que o risco será sempre muito superior em indivíduos imunodeprimidos ou com o sistema imunitário mais frágil, como é o caso das crianças e dos idosos.

Isabel Maia reconhece o risco, sobretudo nestes grupos de risco de pessoas imunocomprometidas e das crianças, que costumam ser menos cumpridoras das regras de higiene e segurança. Contudo, a médica veterinária tem uma visão mais otimista e considera que “é capaz de haver algum exagero” nestes receios de contaminação dos seres humanos. E explica que tanto os ectoparasitas, como os endoparasitas, têm um tropismo que encontra um ambiente mais favorável na temperatura basal dos animais de companhia, o que deixa os humanos um pouco mais protegidos, embora não totalmente.

Ainda assim, “não há nenhuma situação de alarme de os parasitas passarem de imediato para os humanos”, refere a médica veterinária, que, no entanto, acaba por deixar um alerta: “Devemos desparasitar os animais de companhia a pensar no bem-estar deles e não porque nos podem transmitir alguma doença”.

Mais vale prevenir que tratar

E neste campo da desparasitação, a ideia é proteger o animal prevenindo a infeção que poderá causar uma doença crónica, de difícil e prolongado tratamento, dispendiosa para os tutores, que, em casos extremos, pode até causar a morte.

Em termos gerais, Isabel Maia considera que “não existe um produto com efeito repelente de pulga e de carraça, mas se [o animal de companhia] estiver bem protegido [o parasita] não se vai fixar”.

“Muitas destas doenças são zoonóticas, ou seja, transmissíveis ao ser humano e, assim, a circulação destes parasitas ou de agentes transmitidos por parasitas nos animais de companhia gera um risco para os tutores”, Julieta Rousseau, estudante de doutoramento no IHMT

Ou seja, a profilaxia continua a ser considerada fundamental, como também reconhece Luís Cardoso. Segundo o especialista, “para alguns protozoários e também vermes – céstodes e nemátodes – e até mesmo artrópodes – carraças, ácaros e insetos – cujo contacto com os animais de companhia é difícil de evitar, funciona bem o chamado tratamento profilático, ou seja, a administração regular de um antiparasitário, de diversos modos e segundo ritmos de administração adaptáveis. Este procedimento impedirá que os parasitas que já atingiram o hospedeiro se desenvolvam e venham a originar consequências graves e irreversíveis”.

Sob o efeito do tratamento profilático, a sobrevivência destes parasitas externos e internos ficará comprometida e a saúde dos animais de companhia hospedeiros protegida, na medida em que os mesmos não chegam a adoecer de forma aparente. “No caso de parasitas transmitidos indiretamente por vetores – insetos e carraças – é possível evitar infeções através do controlo desses mesmos vetores com inseticidas/acaricidas aplicados aos animais de companhia e renovados com regularidade”, acrescenta Luís Cardoso.

Já no tratamento dos animais que se encontram doentes, há também respostas bem-sucedidas para muitas doenças parasitárias. “Não obstante, há várias doenças para as quais o tratamento ainda não é totalmente eficaz para todos os animais tratados, no sentido de se alcançar uma recuperação total desses mesmos animais”, diz o especialista, nomeando como exemplo a leishmaniose canina, para a qual existe profilaxia e tratamento, “embora haja alguns casos de menor sucesso no controlo, sobretudo no que respeita ao tratamento” em animais com insuficiente resposta imunitária. “Portanto, será necessário desenvolver e aplicar novos fármacos que, além de atingirem os parasitas, também estimulem a resposta imunitária dos hospedeiros”, reconhece, assim como “também aumentar o número de animais que recebem tratamento, mas sobretudo profilaxia”.

Isabel Maia reconhece que a investigação tem trabalhado não só para oferecer uma “gama bastante completa” de desparasitantes nas moléculas disponíveis, como também nas diversas apresentações que tentam ir ao encontro das necessidades dos tutores e, sobretudo, da conveniência dos animais de companhia. Entre comprimidos, o método spot on e as coleiras, as possibilidades de escolha são variadas para que a desparasitação possa ser adaptada “ao que o animal gosta mais ou tolera melhor”. Com uma ressalva feita pela diretora clínica do HVV: “É importante não usar sempre as mesmas moléculas para evitar resistências”.

No campo da farmacologia, Carla Maia considera que “o risco do aparecimento de resistências ou diminuição da suscetibilidade dos parasitas aos fármacos existentes” é um dos maiores desafios que os médicos veterinários enfrentam e, nesse sentido, a especialista defende “a aplicação e administração de forma correta e periódica dos desparasitantes por parte dos tutores, que previna e/ou elimine todas as formas parasitárias que possam existir no animal e no meio ambiente que o rodeia”.

A não-adesão aos esquemas de desparasitação é um entrave apontado por Julieta Rousseau que identifica entre as possíveis causas o custo dos desparasitantes ou o esquecimento dos tutores e que pode deixar os animais “desprotegidos por alguns períodos”. Aqui será importante adaptar o esquema de desparasitação optando por produtos com uma eficácia mais duradoura”.

Nova legislação pode baralhar tutores

O novo articulado da prescrição médico-veterinária pode trazer nos tempos mais imediatos momentos mais confusos aos tutores.

O motivo prende-se com a disponibilização e acesso livre aos desparasitantes. Até à publicação da legislação que transpõe a diretiva europeia sobre medicamentos veterinários, os tutores podiam comprar de forma livre os desparasitantes em qualquer grande superfície. Este cenário, revela Isabel Maia, levantava alguns problemas, com os tutores a revelarem “dificuldades em saber a frequência da aplicação, como fazer essa mesma aplicação, de como tirar vantagem do produto ou quais os cuidados a ter”. Coisas tão simples como “saber que a coleira tem de estar justa ao pescoço”, ou situações mais complicadas como “a aplicação de produtos para cão em gatos e vice-versa, o que é extremamente tóxico e envolve mesmo risco de morte”.

“Devemos desparasitar os animais de companhia a pensar no bem-estar deles e não porque nos podem transmitir alguma doença”, Isabel Maia, médica veterinária.

Neste momento a legislação ainda está numa fase de transição, mas, em princípio, até ao final do ano “para adquirir estes desparasitantes internos e externos passa a ser necessária prescrição médico-veterinária”, explica a diretora clínica do HVV.

Por trás da diretiva comunitária está o objetivo de controlar o uso indiscriminado destas substâncias que pode resultar no desenvolvimento de resistências e de falhas na eficácia e, por esse motivo, os tutores só poderão passar a aceder a estes produtos farmacêuticos através da prescrição de um médico-veterinário, que só poderá ser levantada em farmácias, postos de venda autorizados ou nos CAMV.

Isabel Maia acredita que esta exigência “vai trazer mais segurança e mais rigor, por isso mesmo será mais vantajoso, embora numa primeira fase possa gerar alguma confusão nos tutores”. Ainda assim, acredita a médica veterinária, “os tutores estão cada vez mais preocupados em cumprir as indicações médico-veterinárias” e irão adaptar-se às novas exigências a curto prazo, sempre com o bem-estar do animal de companhia como primeira preocupação.

Já Luís Cardoso insiste que “deve ser passada a mensagem aos tutores de que há medidas de prevenção disponíveis e que as mesmas são um investimento na saúde dos animais de companhia, mas também de outros animais, dos próprios tutores e até de outras pessoas”, sendo que a melhor fonte de informação para os tutores serão os médicos veterinários assistentes dos seus animais de companhia já que “o mundo dos parasitas, doenças parasitárias e estratégias para o seu controlo é complexo e exige uma abordagem especializada, sendo o médico veterinário um interveniente insubstituível neste processo”.

Incertezas condicionam conceito One Health

Pensar em prevenir a infeção e a infestação dos animais “é contribuir para a saúde dos mesmos e também das pessoas” o que encaixa na perfeição no conceito de One Health “a saúde dos animais e do ambiente é também a saúde das pessoas”, como sublinha Luís Cardoso.

Nesta matéria, além da utilização pouco assertiva dos medicamentos veterinários, outros fatores podem pôr em causa este conceito, talvez o mais preocupante e incontrolável seja o aquecimento global e todas as alterações climáticas em curso.

Carla Maia considera que “embora, de um modo geral, se associe as alterações climáticas, nomeadamente o aumento da temperatura, à expansão geográfica de vetores – os quais poderão levar ao aparecimento de novos focos endémicos – em alguns casos o aumento da temperatura média ou a diminuição da humidade relativa poderá impedir que alguns parasitas e/ou vetores completem o seu ciclo de vida”.

Na realidade ainda há muita incerteza sobre o impacto das alterações do clima na vida dos parasitas. Todos os cenários são plausíveis, isto é, o aumento, a diminuição, ou a manutenção da prevalência destas doenças dependerá do parasita, do vetor, dos seus ciclos de vida, assim como da aplicação correta de medidas profiláticas”, explica Carla Maia, que acrescenta: “Uma vez que muitas das parasitoses que afetam os animais de companhia têm a capacidade de infetar e causar doenças nos humanos, será importante o desenvolvimento de medidas integradas entre a saúde humana, saúde animal e a saúde ambiental, seguindo a abordagem One Health, que visem a sua prevenção e controlo”.

Outra preocupação para a investigadora é “a atual facilidade de movimentação de animais domésticos, entre países e mesmo entre continentes” que ocorre pelas mais diversas razões, desde viagem dos tutores, resgates ou trocas comerciais, que na perspetiva de Carla Maia, “poderá possibilitar a introdução em Portugal de novos agentes infeciosos, o que certamente dificultará o seu diagnóstico e tratamento precoces”.

Reconhecendo a crescente proximidade entre animais de companhia e humanos, não só o cão e o gato, mas também os chamados “novos animais de companhia”, Julieta Rousseau considera “fundamental que os tutores dos animais estejam devidamente informados dos riscos que correm e das medidas que devem tomar para os evitar e o médico veterinário tem, por isso, um papel muito importante para a literacia em saúde”.

Nesta perspetiva One Health “será cada vez mais relevante perceber todo o contexto familiar quer numa consulta de medicina veterinária, como de medicina humana e, inclusivamente, haver troca de informação entre as duas «medicinas»”, refere a estudante de doutoramento, explicando que, desta forma, “alguns diagnósticos, tratamentos, e medidas preventivas poderiam ser aperfeiçoados e personalizados caso a caso”.

Ainda neste conceito, uma das preocupações citadas diz respeito ao aumento da popularidade das dietas à base de carne crua preparadas em casa ou compradas. “Estas apresentam alguns riscos higiossanitários”, frisa Julieta Rousseau, explicando que “no que diz respeito aos parasitas, a carne crua ou malcozinhada pode transportar, entre outros, quistos de Toxoplasma gondii, formas imaturas de Toxocara spp e Echinococcus granulosus, representando um risco para os tutores”.

O mesmo problema é mencionado por Isabel Maia. “É preciso ter em atenção as condições em que esses alimentos são mantidos e oferecidos porque há todo um conjunto de parâmetros que temos de ter em conta”, refere a veterinária, para quem as rações continuam a ser a opção “mais segura” e capaz de manter o equilíbrio nutricional do animal de estimação.

*Artigo publicado originalmente na edição n.º 160 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de maio de 2022.

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