Um título manhoso para substituir o que quereria ter escrito: “A arte de vender”. No entanto, o médico veterinário não gosta de “vender”, não faz parte da sua natureza, do seu espírito, da sua essência enquanto profissional da área veterinária. Então que, pelo menos, ajude o cliente a comprar…
Os gestores e proprietários têm muito mais noção da importância da “venda” de produtos e serviços num CAMV, pois são eles que pagam as contas das suas empresas. E num setor onde a rentabilidade líquida do negócio não ultrapassa os 5%, há que definir-se estratégias de venda cruzada, mas nunca colocando em causa os níveis de fidelização e satisfação dos clientes.
Vendas cruzadas e vendas adicionais. Assim se definem o cross selling e o up selling, respetivamente. São duas estratégias de marketing relacional que podem incrementar as vendas do CAMV e, consequentemente, dar-lhe maior dimensão. A competitividade do setor veterinário obriga a que inevitavelmente os gestores dos CAMV tenham que educar as suas equipas para a venda cruzada e adicional de produtos e serviços.
O cross selling consiste na oferta aos clientes de produtos e serviços complementares àqueles que consomem ou pretendem consumir. Mais eficaz nas empresas de pequena e média dimensão, como é o caso dos CAMV, esta estratégia permite fidelizar clientes, otimizar receitas e custos, adicionar valor à venda da empresa, criar uma diferenciação no mercado e distinguir-se da concorrência. O cross selling foca-se na relação com o cliente, já que vender produtos ou serviços a um cliente existente é menos dispendioso que fazê-lo a um novo cliente.
O up selling é uma estratégia que consiste em conseguir que os seus clientes aumentem o consumo dos produtos e serviços que já utilizam, consumam produtos ou serviços adicionais ou consumam produtos de maior valor que os habituais. Esta técnica comercial permite oferecer a um cliente um produto de gama superior que satisfaça as suas necessidades. Um exemplo básico de up selling num CAMV é convencer o cliente a levar os desparasitantes para todo o ano (em vez de apenas um), beneficiando de uma campanha especial, ou então vender um desparasitante de qualidade e preço superiores.
Não obstante, há alguns pontos críticos que devemos considerar a respeito da venda cruzada de produtos e serviços:
- O cross selling só começa quando se fecha a venda do serviço principal, ou seja, em nenhum caso deve tentar fazê-lo antes;
- É verdade que um profissional com sentido comercial tem maior probabilidade de vender mais, contudo o cross selling apenas deverá ser realizado se se comprovar que é benéfico para o tutor e o seu animal e que realmente aporta valor acrescido. Não nos podemos esquecer que o objetivo estratégico consiste em fazer com que o cliente regresse num futuro próximo;
- Da mesma forma que não devemos “impingir” nenhum produto ou serviço, devemos estar claramente cientes das suas características e benefícios para satisfazer as necessidades entretanto identificadas. Um bom cross selling obriga a que o profissional domine questões técnicas inerentes aos produtos e serviços e que os conheça muito bem;
- Um bom cross selling começa no planeamento da visita do cliente. Sempre que possível, o médico veterinário deverá analisar o que o seu cliente adquiriu nos últimos 12 meses, de forma a que possa propor-lhe na visita, de forma pedagógica e assertiva, um conjunto de produtos e serviços adequados às necessidades do animal. Um “trabalho de casa” bem feito merecerá o reconhecimento do seu cliente e terá efeitos bastante positivos do ponto de vista relacional;
- Aplicar o cross selling com lógica e bom senso. A ideia não é vender por vender. Li uma vez num artigo que “o cliente só se deixa “roubar” uma vez… duas, nunca!”;
- Não insista na promoção de outros produtos e serviços se o cliente não manifestar efetivamente qualquer interesse nos mesmos;
- Para concretizar uma venda cruzada com sucesso, relate experiências passadas vivenciadas por si, por um colega ou por algum cliente. A componente empírica é fundamental para credibilizar o seu argumento de venda;
- Utilize a técnica do bundling, tradicionalmente conhecida por pacotes de produtos e serviços. Se por um lado poderá estar a escoar produtos que tenham menor rotação, por outro lado poderá potenciar a venda incluindo produtos e/ou serviços que tenham uma enorme perceção de valor, a um preço mais competitivo. Como, por exemplo, a venda conjunta da vacina e microchip a um preço mais convidativo.
Se no senso comum as vantagens do cross selling são inequívocas, então por que razão muitos colaboradores nos CAMV não são capazes de implementar estratégias de cross selling?
- Desde logo porque pensamos mais no bolso do cliente do que ele próprio! As nossas boas intenções e o nosso altruísmo passam, assim, e por incrível que pareça, a roçar o egoísmo… Cabe ao profissional do CAMV apresentar a melhor solução ao cliente, devendo este decidir se deseja avançar com o proposto ou não. O profissional deverá ter sempre um “plano B”, mais económico, para poder satisfazer as necessidades do seu cliente, nunca abdicando do bem-estar do animal. Mas como o próprio nome indica, é um “plano B”, pois o que deveremos apresentar sempre é o “plano A”;
- A palavra “venda” nunca foi muito bem-encarada na veterinária. Lamentavelmente, há ainda muitos profissionais que não perceberam que o CAMV é uma entidade com fins lucrativos. Que o seu salário e restantes benefícios advêm da capacidade de gerar vendas no CAMV. Este receio de ser “vendedor” é facilmente ultrapassado quando temos a capacidade de apresentar ao cliente os benefícios dos produtos e serviços e não tão somente as suas características. Reside aqui uma enorme diferença, e saber comunicar ainda é uma arte ao alcance de poucos;
- A sala de espera cheia de pacientes é claramente um dos motivos mais evocados pelos profissionais de um CAMV para não fazerem mais cross selling. Assim sendo, temos que refletir e apurar a razão para os elevados tempos de espera: demoras injustificadas nos consultórios, falta de motivação da equipa, falta de capacidade comercial da equipa, má gestão da agenda ou simplesmente falta de pessoal?
É verdade que há profissionais que têm nos seus genes a capacidade de comunicar e vender melhor, mas não é menos verdade que as técnicas de vendas podem (e devem) ser trabalhadas, em conformidade com os objetivos estratégicos do CAMV.
*Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 147 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de março de 2021.