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Médicos Veterinários

Oncologia Veterinária 2.022 – Revisão da evolução nas últimas duas décadas

Oncologia Veterinária 2.022 - Revisão da evolução nas últimas duas décadas

Recordo-me quando há pouco mais de 20 anos, após terminar o curso, com pouca ou nenhuma experiência clínica, fui trabalhar para o Instituto Médico Veterinário (IMV), em Lisboa. Nessa altura, os tumores faziam já parte dos casos clínicos diários.

Os carcinomas de mama na cadela e gata (as pílulas estavam generalizadas, ao contrário da esterilização), os sarcomas de injeção nos gatos, o sarcoma de Sticker e o linfoma eram dos mais frequentes.

 

Além da cirurgia nos sarcomas de injeção e tumores de mama, a vincristina para os Stickers ou a associação com cortisona para os linfomas, pouco mais ou nada se podia oferecer, na época, em Lisboa, para tratar estes ou outros tumores. A Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa adquiriria poucos anos mais tarde a primeira tomografia do País!

Sentia uma frustração enorme na gestão destes casos, pela limitação terapêutica e fracos resultados clínicos. Valia o elevado sucesso terapêutico com a vincristina para os sarcomas de Sticker (a dose era empírica, segundo o tamanho do cão e sem quaisquer cuidados de biossegurança).

 

Apareceu na minha vida um gato, de seu nome Corisco que apresentava um Lipossarcoma no tarso. Foram várias as cirurgias, devido às recidivas, a que foi submetido, terminando por sucumbir à doença. O esforço inglório perante este animal e a sua doença, marcou-me profundamente. Não saber o que fazer, como ajudá-lo, como corresponder ao esforço e motivação dos tutores para o salvarem…

 

Em 20 anos a medicina veterinária evoluiu muito!

Atualmente, os animais têm um papel muito importante na sociedade o que se traduz na procura de cuidados de saúde veterinários à altura do seu estatuto e importância social e emocional.

 

Hoje, Portugal tem uma oferta de serviços veterinários muito diversificada. As clínicas e hospitais estão, em muitos casos, bem equipados, com recursos humanos multidisciplinares e diferenciados e equipamento de diagnóstico e terapêutica adequados para fazer face às necessidades.

Associado a este desenvolvimento técnico-científico, alia-se nos últimos anos a efervescência do mercado da saúde animal com a entrada dos grandes grupos de serviços veterinários que, a médio prazo, trará com certeza, uma mudança positiva na forma e conceito da medicina veterinária em Portugal. Esta mudança deverá ser acompanhada de um investimento fundamental nos recursos humanos, consolidando e reforçando os centros de referência com equipas multidisciplinares e apostando na sua formação contínua. O valor da medicina veterinária são as pessoas!

A oncologia veterinária acompanhou esta evolução, em alguns pontos, de forma exponencial. Não só se desenvolveu, como se tornou uma disciplina fundamental nos serviços médicos veterinários, cada vez com mais procura.

Recentemente, o Grupo de Oncologia da World Small Animal Veterinary Association (WSAVA) publicou os resultados de um inquérito que teve como objetivo avaliar a perceção dos médicos veterinários sobre o seu conhecimento em oncologia. Numa escala de 1 a 10, os veterinários reconhecem ter um nível de conhecimento médio nesta disciplina e admitem que os casos oncológicos chegam a ser cerca de 75% da sua casuística. Estes dados demonstram o quanto é necessário apostar, ainda mais, na formação universitária nesta área, seja ela graduada ou pós-graduada, assim como, no desenvolvimento e implementação de serviços nesta disciplina.

Com este artigo, dou início a uma colaboração bimestral com a VETERINÁRIA ATUAL (VA) a quem agradeço na pessoa da sua editora, Joana Vieira, o convite.

Começo, neste primeiro artigo, por apresentar as inovações que considero mais importantes na oncologia veterinária ao longo das últimas duas décadas. Tentarei fazê-lo de forma generalista, sem tentar ser demasiado técnico mas, ao mesmo tempo, permitindo dar referências, para quem quiser, poder obter mais informações.

As referências bibliográficas estão disponíveis por pedido.

Ponto de situação:

Segundo a American Veterinary Medical Association (AVMA), um em cada quatro cães desenvolve um cancro ao longo da vida e cerca de 50% dos cães com mais de 10 anos irão desenvolver um tumor. Estes números são surpreendentes e revelam a importância da oncologia na medicina veterinária. Acredito que os dados para os gatos sejam semelhantes ou ligeiramente superiores se tivermos em conta o risco acrescido de cancro associado à infeção pelos retrovírus felinos.

Portugal tem 6,7 milhões de animais de companhia. De entre estes, 38% são cães, seguindo-se os gatos (20%), os pássaros (9%), os peixes e outros (4%).

Se tivermos em conta unicamente o número anual de cães em risco de desenvolver cancro (25% da população), no mínimo serão 636 500 animais. Nos gatos, se usarmos a mesma proporção, serão 335 000. Estas estimativas perfazem um total anual de cerca de de 1 milhão de cães e gatos em risco de desenvolver cancro em Portugal. Estes números não contabilizam o risco acrescido dos animais com mais de 10 anos.

Como mencionado anteriormente, os  animais de companhia foram dotados, nos últimos anos, de uma grande importância social e emocional. São hoje considerados membros da família. As famílias ou tutores únicos investem emocionalmente e financeiramente no diagnóstico e terapêutica oncológica. Ainda, as redes sociais e o acesso fácil a informação de qualidade aumentam o nível de exigência e conhecimentos dos cuidadores dos animais. Atualmente, o médico veterinário vê-se constantemente confrontado com clientes que já leram sobre a doença do animal, estão informados e têm questões pertinentes sobre a mesma, ou que querem consultar uma segunda opinião ou um especialista.

Com esta evolução, houve também necessidade de aumentar a esperança e a qualidade de vida dos animais, daí emergindo uma aposta nos cuidados paliativos. Ou seja, o mercado está mais exigente e o médico veterinário deve e tem que o acompanhar.

A referência para colegas diferenciados ou especialistas deve ser otimizada permitindo, assim, o desenvolvimento de unidades dedicadas, que podem investir nos recursos humanos e equipamento diferenciado. Diminuiria, assim também, a competição de serviços entre CAMVs, aumentando a diferenciação dos CAMVs e a sua rentabilidade. Está, ainda, demonstrado que as pessoas e animais com cancro tratados em centros de referência têm um aumento significativo da sobrevivência e, consequentemente, melhor prognóstico. O cancro é uma doença complexa, com uma biologia e fisiologia particulares e com uma evolução constante em conceitos e terapia.

Formação:

Em Portugal existem desde 2021 sete faculdades de medicina veterinária. O nosso País não consegue absorver tantos profissionais, situação que preocupa a classe. No entanto, face a uma oferta tão grande, o caminho é a diferenciação e a aposta numa formação sólida, culminando numa especialidade ou num reconhecimento e provas públicas interpares. Portugal deveria acompanhar o resto dos outros países europeus e reconhecer a diferenciação profissional, através de títulos nacionais. A  promoção e aumento da diferenciação gera diversidade no mercado, melhora as saídas profissionais e aumenta o poder de negociação salarial.

Atualmente, na Europa, existem 58 diplomados dos Colégios Europeus e Americanos de Oncologia e 15 centros de formação com programas de residência. Que seja do meu conhecimento, temos um único diplomado português, a Drª. Sofia Carvalho, que não exerce em Portugal. A assimetria de especialistas nos países europeus é enorme, com países como Portugal sem especialistas na área a exercer fisicamente no País. Ao contrário de vários países europeus, onde a falta de especialistas foi colmatada com a atribuição de títulos nacionais de especialidade, criando programas de formação e consequente acreditação. A Ordem dos Médicos Veterinários encontra-se há vários anos num processo de análise e decisão sobre este assunto. Esta ausência de certificação diferenciada leva, na minha opinião, a que o cliente não consiga reconhecer o veterinário com currículo, conhecimentos e experiência validados quando procura cuidados diferenciados.

Sociedades, Colégios e afins…

O Colégio Europeu de Oncologia Veterinária (ECVIM-Onc) teve início em 2004,  derivado do Colégio de Medicina Interna (ECVIM). Estes Colégios, foram ambos iniciados por diplomados “de facto”, profissionais com currículo reconhecido, que não tiveram que realizar residências ou exames e que são os membros fundadores de cada Colégio.

A primeira sociedade veterinária dedicada exclusivamente à oncologia surgiu nos Estados Unidos da América, em 1976, a Veterinary Cancer Society (VCS) seguida da European Society of Veterinary Oncology (ESVONC), criada em 1992. Mais tarde, surgiu o Veterinary Cooperative Oncology Group (VCOG), em 2005, que tem sido responsável pela elaboração de várias guidelines internacionais. Em 2018, criou-se a Veterinary Society of Surgical Oncology (VSSO) que agrega os médicos veterinários com interesse na cirurgia oncológica. Mais recentemente, em Portugal, surgiu a rede de Registo Oncológico Veterinário – Vet Onconet – que, desde janeiro de 2020, tem desenvolvido um trabalho importante no registo epidemiológico nacional e colaboração com congéneres internacionais.

Biologia, diagnóstico, terapêutica e prognóstico

O aprofundar dos conhecimentos em Biologia Molecular e Imunologia contribuíram para uma melhor compreensão dos mecanismos de oncobiologia. Foi feito um aprofundamento enorme sobre os mecanismos genéticos e moleculares do cancro e da biologia tumoral que levaram a uma mudança de paradigma: passou-se da oncologia “cito-cêntrica” – focada na célula tumoral – para o microambiente tumoral- “tumor-cêntrica”.

No presente, os mecanismos de oncogénese, comunicação celular, invasão e metastização, estão elencados numa lista de “hallmarks” transversais a todos os tumores e que permitem olhar para o cancro como um “alter-ego” com biologia própria. Estes “hallmarks”, atualizados em 2022, constituem a “pedra roseta” para compreender o complexo mundo tumoral.

Várias outras disciplinas como a histologia, a patologia clínica, a imagiologia, a medicina interna, a Cirurgia, a radioterapia, a nutrição, os cuidados intensivos, entre outras, sofreram, também, uma forte evolução impactando positivamente o diagnóstico e terapêutica em oncologia.

O diagnóstico histológico, além das tradicionais colorações, foi enriquecido com o desenvolvimento e aplicação de anticorpos monoclonais que permitem identificar particularidades celulares e realizar um diagnóstico mais preciso e obter informação prognóstica. Como exemplo, temos em tumores anaplásicos, o estudo de expressão de Vimentina, Citoqueratinas e Sinaptofisina ou Cromogranina-A, permite determinar uma origem sarcomatosa, epitelial ou neuro-endócrina, respetivamente. A imunofenotipagem dos tumores de células redondas para CD20, CD3, MUM-1, ou S-100 e Melan-A, permite distinguir respetivamente, linfomas (e dentro dos linfomas fenótipo B e T), plasmocitomas e melanomas.

Na área da citologia, apareceram técnicas de diagnóstico baseadas na imunocitoquímica ou na citometria de fluxo. Esta última, permite, atualmente, uma caracterização por tamanho e complexidade celulares e a imunofenotipagem rápida de tumores líquidos, nomeadamente linfomas e leucemias ou aspirados ganglionares ou líquidos de derrame. Além da caracterização fenotípica, pode ainda, obter-se informação sobre fatores de prognóstico associados ao tumor como a expressão e quantificação de Ki-67, perda ou ganho de expressão de certos marcadores celulares (CD’s), entre outros.

Na biologia molecular, a técnica de Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) veio aumentar a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico nas proliferações hematopoiéticas, determinando a presença de clonalidade e ajudando a diferenciar entre populações linfocitárias reativas e neoplásicas. O seu valor para o diagnóstico do Linfoma digestivo de baixo grau no gato, em conjunto com a histologia e a imunohistoquímica, é amplamente reconhecido. No cão, a descoberta da mutação do gene BRAF V595E permite identificar a presença de Carcinoma das Células de Transição no cão em 80% dos casos através de uma análise de urina ou citologia exfoliativa por algaliação traumática. Nos Mastocitomas vimos aparecer a descrição da presença de mutações, entre outras, ao nível do exão 11 do gene que codifica a tirosinaquinase c-kit. Estas mutações estão associadas a um pior prognóstico, mas, por outro lado, a sua identificação, levou ao desenvolvimento de terapia especifica (inibidores de c-kit).

clonal

Relativamente à Patologia Clínica, vários laboratórios comerciais disponibilizam atualmente a identificação de diversos marcadores tumorais, como a Timidina-kinase-1, permitindo um complemento ao diagnóstico ou o acompanhando da resposta terapêutica.

Uma maior compreensão do cancro como doença genética levou à introdução de testes designados de “biópsia líquida”, permitindo a deteção de alterações genómicas em fragmentos de ADN livres, oriundos de células neoplásicas, no sangue circulante.

Muitas das descobertas recentes nas áreas da genómica proporcionaram uma compreensão mais profunda das origens moleculares e da evolução do cancro nos animais e das semelhanças com o cancro no Homem, permitindo uma abordagem “One Health” que está na base da oncologia Comparativa trazendo benefícios enormes para os doentes humanos e veterinários.

A radiografia embora continue útil e largamente utilizada, na oncologia, foi substituída pela tomografia, nomeadamente para a pesquisa de doença metastática, e planeamento cirúrgico. A tomografia computorizada está particularmente indicada para o estudo de tumores localizados na cabeça e pescoço quando o osso está afectado. A ressonância magnética (RM) devido ao detalhe que permite na avaliação dos tecidos moles é utilizada numa primeira abordagem nos tumores intracranianos, da medula espinal e da cavidade nasal. No caso particular dos tumores intracranianos, devido à morbilidade associada às biópsias, o padrão imagiológico na RM pode dar informações relativamente sensíveis para previsão do tipo de tumor. A ecografia, cada vez mais disponível, e com aparelhos de maior precisão, permite avaliar os órgãos abdominais, coração e nódulos subcutâneos e realizar procedimentos diagnósticos como biópsias ou citologias ecoguiadas ou, ainda, terapêutica intra-lesional ecoguiada.

Estes avanços no diagnóstico deverão ser acompanhados por uma mudança de mentalidade dos profissionais que, em muitos casos, ainda acreditam que não faz sentido tratar animais com cancro pois isso implica sofrimento desnecessário. Além disso, incluir a neoplasia nos diagnósticos diferenciais permite realizar citologias ou biópsias em fases iniciais da doença e melhorar significativamente o prognóstico do animal, nomeadamente uma possível cura.

Terapia:

O arsenal terapêutico disponível aumentou consideravelmente nos últimos 20 anos. Lembro-me da dificuldade (diria quase impossibilidade) de ter acesso a fármacos citotóxicos, que não fossem a Ciclofosfamida ou a Vincristina. Hoje, em Portugal, existe bastante facilidade na aquisição de citotóxicos. Por outro lado, o preço de alguns medicamentos aumentou consideravelmente, como é o caso do Clorambucilo, cuja embalagem custava pouco mais de 3 euros e hoje custa quase 40 vezes mais. Este aumento de preço irá verificar-se, noutras moléculas, prevendo-se que as próximas sejam a Lomustina e a Asparaginase.

Os inibidores de recetores de tirosinaquinases (iRTK’s), como o Masitinib e o Toceranib, são uma nova classe terapêutica  que surgiu no mercado e  que vieram revolucionar o tratamento dos mastocitomas e trazer opção terapêutica para os tumores neuro-endócrinos. Recentemente, foi publicado um estudo que demonstrou a evidência de utilização de Toceranib para tumores neuro-endócrinos, carcinomas perianais ou tumores do estroma intestinal (Gastrointestinal Stromal Tumours-GIST). O último desenvolvimento em termos de pequenas moléculas citotóxicas, vem da comercialização dos inibidores específicos de Exportinas (Verdinexor) ou Análogos de Nucleótidos (Rabacfosidina), que se mostraram-se promissores na terapia dos linfomas e, atualmente, ainda não são comercializados na Europa.

A quimioterapia acompanhou o aparecimento destes medicamentos, seja na avaliação e implementação de protocolos combinando a utilização de quimioterapia+iRTK’s (Mastocitoma, Osteossarcoma), ou quimio-imunoterapia (Melanoma, Linfoma) e ainda novas aplicações por via intra-lesional ou intra-arterial, como a quimio-embolização. Entre 1990 e 2000, consequente ao conhecimento sobre o micro-ambiente tumoral, surgiu um novo conceito de quimioterapia – a Quimioterapia Metronómica – sendo um dos esquemas de terapêutica médica mais usado, sobretudo no plano paliativo ou anti-metastático. Esta terapêutica atua através de mecanismos anti-angiogénicos e imunomoduladores, entre outros. Com a pandemia da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciou um projeto mundial para o estudo e aplicação de moléculas existentes no mercado, mas que não sendo a sua indicação terapêutica a oncologia, demonstraram in vitro e in vivo, atividade anti-tumoral. É exemplo, entre centenas de outras moléculas,  a Metformina que, com ação hipoglicemiante, usada para tratar diabetes não insulino dependente, tem atividade anti-tumoral, inibindo mecanismos mediados pelas quinases Akt, mTOR, MEK/ERK. Esta terapêutica designada de Reposicionamento Terapêutico (Repurposing Drugs, do inglês), fundamenta-se nos conhecimentos adquiridos sobre o microambiente tumoral e processo de invasão e metástases e pode ser usada contemporaneamente com outras modalidades terapêuticas.

O desenvolvimento e introdução no mercado de um antiemético de ação central –Maropitant – que bloqueia o receptor NK-1, permite um controlo excelente da náusea e emése associadas à terapêutica citotóxica, melhorando a qualidade de vida dos cães e gatos em tratamento com quimioterapia.

A descoberta da implicação da Glicoproteína-p no transporte de determinados fármacos citotóxicos e a possibilidade de identificar animais com mutação do gene que a codifica, anteriormente designado de MDR-1, atualmente de ABCB1, permite prever a suscetibilidade das raças de cães em risco, relativamente à sua homo ou heterozigotia e adaptação do protocolo terapêutico, evitando toxicidade grave que poderia levar à morte do animal.

A disponibilidade de equipamentos de eletroporação, de pequenas dimensões e a custo acessível, permitiu a implementação e o desenvolvimento da Electroquimioterapia. Esta tecnologia permite tratar tumores de pele (Carcinoma Espinocelular, Mastocitoma, Sarcomas, etc) em casos selecionados, de forma minimamente invasiva e com eficácia demonstrada. O sucesso e indicações para esta modalidade terapêutica, disponível em Portugal, depende da natureza, tamanho e localização das lesões, assim como de uma criteriosa seleção dos doentes e das zonas anatómicas a tratar.

Quanto à Radioterapia, ainda não disponível em Portugal, nomeadamente na sua versão estereotáctica e IMRT (Intensity Modulated Radiation Therapy) foram os avanços de maior destaque. É hoje possível tratar tumores em animais, com equipamentos que, não só distribuem a radiação de forma tridimensional, como esta é dirigida e modulada para o tumor, aumentando a sua eficácia terapêutica e diminuindo os efeitos secundários nos tecidos saudáveis. É bem provável que esta modalidade terapêutica anti-tumoral venha a ser disponibilizada no âmbito da veterinária em Portugal nos próximos anos, o que implicará um investimento significativo em recursos humanos e materiais.

A Imunoterapia foi igualmente uma área com muitos desenvolvimentos. Desde os finais da década de 90 do século passado que existe uma imunoterapia – Oncept® Canine Melanoma Vaccine – dirigida para o melanoma no cão, disponível por importação e sujeita a Autorização de Utilização Especial (AUE). Embora a sua eficácia seja controversa demonstrou, em alguns estudos, aumentar a sobrevivência nos cães com Melanoma em contexto microscópico ou doença metastática. O seu sucesso é condicionado por uma correta utilização, sendo necessária uma abordagem de estadiamento e cirurgia adequadas. Outros estudos promissores sobre a aplicação de imunoterapia no Osteossarcoma e Melanoma caninos, utilizando a eletroporação, têm, também, sido publicados. Uma tecnologia que deverá estar disponível em breve em alguns centros de referência.

Casos particulares

Os linfomas que, durante muitos anos foram considerados como uma doença única, após a aplicação em 2011 da Classificação da OMS, passaram a ser considerados entidades separadas com comportamento biológico, tratamento e prognóstico diferentes. Esta uniformização permite comparar com exatidão respostas à terapia e consequente comportamento clínico. O primeiro protocolo descrito utilizava uma combinação de Vincristina, Ciclofosfamida e Prednisolona (COP) com uma fase de manutenção que, embora continue a promover uma resposta clínica, evoluiu para protocolos mais eficazes e complexos como o CHOP, ou o LOPP nos linfomas T, sem fase de manutenção, ou ainda adjuvado pela imunoterapia (APAVAC®) ou terapêutica com inibidores moleculares, nomeadamente Rabacfosadina ou Verdinexor.

Os mastocitomas, sendo tumores muito heterogéneos  têm comportamentos clínicos diferentes. O sistema de classificação histológica (Patnaik) desenvolvido no início dos anos 80, definia três graus histológicos. Os graus I e III, na sua maioria, apresentavam comportamento clínico concertante com o grau, mas a maioria dos tumores eram classificados como grau II, e o comportamento clínico mais difícil de prever. Um novo esquema de classificação, que elimina o grau intermédio e classifica os mastocitomas em alto e baixo grau foi desenvolvido por Kiupel, em 2011, e permite uma estratificação de comportamento biológico, sobretudo nos de alto grau, mais precisa. As recomendações continuam a ser que os patologistas devem incluir no seu relatório as classificações de Paitnak e Kiupel. A descoberta de novos marcadores prognósticos permitiu uma estratificação prognóstica (ki-67, índice mitótico, AgNOR, padrão de expressão celular c-kit, etc). No entanto, a literatura relativa à dicotomização baseada no índice mitótico ou contagem de ki-67 é ambígua e os laboratórios não utilizam todos as mesmas técnicas para a sua contagem. A publicação recente do score HN de metastização linfática dos mastocitomas veio acrescentar acuidade no estadiamento e prognóstico destas neoplasias. O tratamento médico continua desafiante, para os mastocitomas de alto grau, uma vez que não existe um protocolo que tenha demonstrado ser mais eficaz que os restantes. A cirurgia continua a ser a indicação terapêutica principal para o mastocitoma, com quimioterapia ou radioterapia adjuvantes ou neo-adjuvantes em casos selecionados de alto grau.

Na cirurgia, embora a recomendação ainda seja a remoção dos sarcomas dos tecidos moles dos cães sempre que possível com 3 cm de margens laterais e um plano fascial profundo, a evidência é de que a maior parte destes tumores são de grau intermédio abaixo e que, quando esta não é possível, pela localização anatómica, a cirurgia marginal associada a terapêutica adjuvante como a radioterapia, eletroquimioterapia ou quimioterapia metronómica podem controlar a doença de forma satisfatória. Muitos doentes, quando estes tumores se encontravam localizados em zonas anatómicas onde a exerése com margens largas não era possível, eram amputados ou não tratados. Os sarcomas de injeção dos gatos são outro tumor onde se observaram grandes evoluções na prevenção e terapêutica. A prova da associação destes sarcomas à resposta inflamatória local a alguns adjuvantes vacinais, obrigou à elaboração de vacinas não adjuvadas ou melhoradas e de orientações sobre os locais de vacinação nos gatos. Em virtude da evidência que sendo um tumor maioritariamente invasivo localmente, uma remoção em bloco, segundo as dimensões com margens entre 3 a 5 cm e um ou dois planos fasciais é o indicado. A correta realização da primeira cirurgia, com uma planificação por imagem e escolha criteriosa do doente, é fulcral. Uma falha na exerése completa e a contaminação cicatricial na primeira cirurgia contribuem para recidivas rápidas e prognóstico reservado. A radioterapia neoadjuvante ou adjuvante, assim como a quimioterapia podem ser utilizadas em combinação com a cirurgia para aumentar a eficácia terapêutica e controlo ou cura destes tumores.

Independentemente do arsenal terapêutico disponível, o atual conhecimento profundo da oncobiologia e a escolha personalizada da terapêutica marcam o sucesso do tratamento, evitando falhas terapêuticas ou efeitos secundários que podem culminar na morte do animal.

O futuro da oncologia veterinária consistirá em proporcionar terapêutica personalizada, tal como já se faz na medicina humana, através de prática médico-cirúrgica em unidades de referência, dotadas de meios humanos, com know-how e experiência e com infraestruturas equipadas de tecnologia apropriada.

Este trabalho conjunto entre unidades de referência e referenciadores, permitirá mudar a paisagem da oncologia veterinária em Portugal, dignificar a classe médico- veterinária e vir ao encontro das expectativas dos clientes.

*Joaquim Henriques – Médico veterinário (oncovet@gmail.com)

*Artigo publicado originalmente na edição n.º 157  da revista VETERINÁRIA ATUAL, de fevereiro de 2022.

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