Joana Cardoso
Médica veterinária de pequenos animais na Escócia
Qual é a sua área de especialidade e porque é que escolheu essa área?
A minha área é clínica de pequenos animais, com especial interesse em exóticos, área que tenho vindo a desenvolver com o tempo. Sempre foi uma área que achei interessante, mas em Portugal nunca achei fácil encontrar formação. A maioria dos colegas que exerciam medicina de animais exóticos tinha feito formação fora de Portugal.
Onde trabalha neste momento?
Neste momento trabalho na Escócia, numa terra chamada Dumbarton, muito perto das Highlands.
O que é que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Na altura que decidi partir para uma nova aventura, o nível de desemprego na área de veterinária era bastante alto. A maioria dos empregos que apareciam eram estágios profissionais. Muitas horas de trabalho, a receber muito pouco dinheiro, sem grandes férias e sem perspetivas de passar a efetivo. Muitos colegas na mesma situação que eu (a fazer estágio profissional) decidiram desistir de exercer e dedicaram-se a áreas de trabalho completamente diferentes, muitos tiraram outro curso. O clima geral em relação ao trabalho era bastante depressivo. Um esforço tremendo para tirar um curso, que no fim só dava trabalho temporário. Ao fim de algum tempo, pensei que ou fazia como muitos e procurava algo noutra área, ou teria de procurar algo lá fora. Na altura já havia muitos veterinários fora de Portugal e diziam que as condições de trabalho eram muito melhores. Decidi arriscar.
Como é que é um dia de trabalho normal para si?
Um dia de trabalho normal começa por volta das 8h30, a preparar tudo para começar as cirurgias que estão marcadas para a manhã. Os enfermeiros preparam medicações, verificam pesos, colocam cateteres nos animais e tiram sangue para análises clínicas. Faço as cirurgias que estão marcadas e, após terminar, é hora de almoço. Depois de uma hora de almoço, começam as consultas de 15 minutos, que duram até às 19h. Não vou mentir, muitas vezes o ritmo é um pouco stressante, principalmente se houver muitas emergências.
Na sua opinião, o que é que a medicina veterinária portuguesa tem a aprender com o que se faz lá fora?
Acho que em Portugal a classe devia ser mais unida. Felizmente parece que está a melhorar, mas acho que ainda há muita concorrência desleal e muita crítica em decisões clínicas feitas por outros colegas. No Reino Unido a classe é muito unida, protegemo-nos uns aos outros. Também há muita entreajuda. Se há um caso mais complicado, podemos referenciar o animal para um especialista ou falar com o especialista pelo telefone ou e-mail, e nunca perdemos o rasto do animal. É enviado um relatório com tudo o que foi encontrado nos exames complementares realizados e o animal volta para nós para os tratamentos. Em Portugal, ainda há muito “Eu vi primeiro, não vou enviar para um colega porque nunca mais vejo este cliente de volta e é possível que ainda diga mal do meu tratamento até agora”. Felizmente as coisas parecem estar a mudar, pelo que me dizem.
Legalmente, também há muita ajuda por aqui. Quando as coisas não correm bem e há queixas por parte de clientes em relação a pagamentos ou ao tratamento que o animal recebeu, temos quem nos ajude legalmente. Infelizmente em Portugal, a nossa Ordem também ajuda pouco em casos de clientes menos bons, que deixam dívidas enormes ou em queixas de maus tratos. O veterinário não vive do ar, tem contas para pagar.
Em que projetos/objetivos a atingir se encontra a trabalhar neste momento?
Neste momento estou a tentar desenvolver ao máximo a minha formação em animais exóticos. Gostaria de fazer um certificado na mesma área porque não há muitos colegas especialistas e há cada vez mais clientes com animais exóticos, como répteis, pequenos mamíferos e aves.
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
Não vou mentir e dizer que foi tudo maravilhoso assim que comecei a trabalhar! Custou-me imenso começar a fazer consultas de apenas 15 minutos. Sentia que não tinha tempo suficiente para um exame clínico completo, passar medicação e explicar tudo ao proprietário. Muito menos fazer exames complementares simples, como análises clínicas. O ritmo de trabalho também é completamente diferente. Vejo imensos animais por dia e imensas emergências. Muitas vezes começo o dia de trabalho às 8h30 e acabo às 19h sem qualquer pausa. Há dias alucinantes! Mas, em compensação, os clientes são completamente diferentes. Aceitam a nossa opinião e a profissão é respeitada. Mais às vezes que os médicos de medicina humana.
Quais os seus planos para o futuro? Equaciona regressar a Portugal?
De momento, voltar para Portugal não é opção. Gosto demasiado do meu trabalho por aqui e sinto que ainda tenho muito para aprender. Claro que no futuro gostaria de voltar. Tenho saudades da família, da comida, de Portugal. Não há nada como o nosso País!
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho em Portugal?
Arrisquem. Se puderem sair do País, não pensem duas vezes. Se correr mal, podem sempre voltar, mas ao menos tentaram. Se quiserem ficar em Portugal, apostem em formação. Quanto mais formação especializada, melhor. Não desistam. O esforço não foi em vão, é uma profissão tão bonita. Lembrem-se porque é que escolheram este curso. Quando os tempos ficam mais difíceis, temos tendência e esquecer o que nos fez ser veterinários.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Estou fora de Portugal há algum tempo, não sei se serei a melhor pessoa para me pronunciar sobre o assunto. Pelo que alguns colegas me dizem, ser veterinário em Portugal ainda é complicado. Muitos clientes difíceis, muitas dívidas, demasiados veterinários formados para um País tão pequeno e falta de emprego. Mas também há sinais positivos. Muitos apostaram em formações e trabalham em hospitais e dizem que gostam muito, que fizeram bem em não emigrar. A nível de cuidados prestados aos animais, o nível de conhecimento parece-me ser igual em Portugal e aqui. Em Portugal só há menos dinheiro da parte dos clientes para meter os conhecimentos em prática. Não acho que os veterinários do resto do mundo sejam melhores do que os portugueses, nós até somos mais desenrascados.
*Artigo publicado originalmente na edição de abril de 2020 da revista VETERINÁRIA ATUAL.