Pedro Polido, médico veterinário na clínica Dierenkliniek Het Zicht e no Hospital Veterinário Evidensia Dierenziekenhuis Den Haag, Haia, Países Baixos
Qual é a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área é a clínica de animais de companhia e desde que comecei a trabalhar nos Países Baixos também dei início à clínica de animais exóticos. A primeira foi uma escolha com base nas áreas que tive oportunidade de contactar durante o meu percurso. No caso da clínica de animais exóticos acabou por ser um extra ao integrar a equipa com quem trabalho atualmente e tem sido uma experiência excecional.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
A decisão de sair de Portugal em direção aos Países Baixos surgiu antes mesmo de saber se seria possível exercer medicina veterinária neste país. Foi uma conjugação de fatores pessoais e profissionais, sendo o descontentamento profissional e a oportunidade oferecida por um ente querido em me dar suporte, durante os primeiros meses, os mais determinantes. Parti em plena ascensão da pandemia, no final de 2020. Quando cheguei tentei encontrar emprego nas mais diversas áreas, desde pet sitter, assistente veterinário e até auxiliar de cozinha em restaurantes. A pandemia não ajudou. Ao mesmo tempo processava o registo como médico veterinário. Assim que obtive o registo alterei o foco para o que realmente interessava e em poucos dias estava a fazer entrevistas. Ao ter duas propostas concretas fiz a minha escolha e integrei uma equipa fantástica, com a qual ainda permaneço a maior parte do tempo. Esta minha escolha baseou-se no forte interesse dos managers no meu perfil pessoal e profissional e pelo projeto profissional muito conciso que me apresentaram.
Neste momento trabalho em Haia, numa empresa que tem vários clusters de clínicas. A maior parte da minha atividade é numa clínica fixa, mas circulo por outras conforme solicitado. Realizo também turnos de emergência e internamento no hospital veterinário da mesma empresa.
  “Senti com frequência [em Portugal] portas a fechar independentemente da energia despendida e, neste momento, tenho portas a abrir ao ritmo da minha dedicação, conhecimento e evolução.”
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Os principais motivos nem estão relacionados apenas com questões relativas à medicina veterinária: essencialmente as condições de trabalho em geral e o acesso a oportunidades de carreira, nomeadamente em concursos públicos ou fundos para empreendedores que considero desiguais em Portugal e tenho experiências concretas. Lutei imenso para conquistar o meu espaço, tive alguns momentos altos e oportunidade de trabalhar com excelentes colegas, que ainda são amigos, mas no somatório de tudo prevaleceu a ideia que não existe uma cultura de meritocracia em Portugal, antes pelo contrário… Senti com frequência portas a fechar independentemente da energia despendida e, neste momento, tenho portas a abrir ao ritmo da minha dedicação, conhecimento e evolução.
Depois, existem outras questões mais específicas que se prendem com o modo como os animais ainda são vistos em Portugal, apesar de alguns avanços recentes, e com a descredibilização da classe veterinária por parte da sociedade, da qual não estamos isentos de culpas.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Em termos técnicos posso dar um exemplo de uma diferença que encontro que é o modo de utilização dos antibióticos. O uso destes agentes terapêuticos está muito mais regulado e até mesmo condicionado. Apesar de tudo sempre tive a opinião que em Portugal o problema maior em relação ao uso indevido de antibióticos não está relacionado com os profissionais de veterinária, mas com o fácil acesso a estes produtos pela população em geral. O mesmo se aplica a outros medicamentos. Aqui é praticamente impensável a venda de medicamentos sem prescrição médica, incluindo mesmo alguns tipos de desparasitantes, por exemplo. O ato médico veterinário é algo que ainda não vi ser posto em causa seriamente e, em Portugal, ainda acontece o oposto.
Em termos laborais noto que muitos colegas optam por trabalhar em part-time, aproveitando o tempo disponível para desenvolver outras atividades que podem ser profissionais, de lazer ou mesmo para terem mais tempo para dedicar aos filhos.
Atualmente tenho um horário de 4 dias úteis por semana. A maior parte destes dias numa clínica, já com muita história, na cidade de Haia. Aqui desenvolvo múltiplas atividades e é onde tenho acesso a uma elevada casuística em clínica de animais exóticos. Geralmente as manhãs são dedicadas às cirurgias, uma valência que sempre tive interesse e que aqui tenho possibilidade de desenvolver. Durante todo o dia realizamos consultas com possibilidade de utilização de vários meios de diagnóstico. Nos turnos adicionais que realizo no hospital veterinário, a minha atividade centra-se mais nas consultas de urgência e no internamento.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Sinto-me completamente integrado neste país, mas nem tudo são tulipas! Existem muitas dificuldades que temos de ultrapassar. Não é apenas a língua e o clima (que não é assim tão mau), há sempre aquele choque sociocultural. Uma boa estratégia de integração passa por pegar na bicicleta e pedalar por aí! É maravilhoso circular numa cidade enorme e ficar constantemente com a sensação de estar numa pequena cidade do interior − a menor densidade de trânsito com combustíveis fosseis e de prédios ou arranha-céus assim o permitem. Os Países Baixos são um país tolerante e multicultural e aqui sinto-me realmente um cidadão do mundo. Haia e o seu peso ao nível da diplomacia mundial refletem tudo isto.
Como é que está a situação de pandemia covid-19 neste momento e como é que isso afeta o seu trabalho?
Os Países Baixos foram o primeiro país europeu a implementar um novo lockdown na quinta vaga pandémica, mas esta e outras questões serão mais de índole política ou de estratégias de combate à pandemia. Comparando as duas realidades que conheço bem, no que diz respeito ao trabalho e às medidas de segurança, considero parecidas com as tomadas em Portugal. Onde noto alguma diferença é na aceitação destas medidas por parte da população em geral. Aqui há um maior ceticismo em relação, por exemplo, às vacinas e uma maior relutância ao uso de máscara. Os portugueses serão um pouco mais disciplinados e consensuais nestes aspetos e penso que a estatística, em ambos os países, vai ao encontro da minha opinião.
Do que mais tem saudades de Portugal?
Obviamente da família e dos amigos. Sinto falta de outras coisas do meu querido País, mas quando saímos da zona de conforto temos que estar preparados para essas “ausências”. Para um português há sempre que ter em conta o clima e a gastronomia. Lembro-me perfeitamente, na primeira semana de trabalho, de uma colega veterinária que tinha feito um percurso profissional por Espanha e Portugal me ter perguntado: como vais sobreviver aqui sem uma refeição quente ao almoço?! Para os neerlandeses uma sanduíche de queijo já serve de almoço, depois têm a sua refeição quente ao jantar por volta das 17h/18h!
“Existem outras questões mais específicas que se prendem com o modo como os animais ainda são vistos em Portugal − apesar de alguns avanços recentes − e com a descredibilização da classe veterinária por parte da sociedade, da qual não estamos isentos de culpas.”
Quais os seus planos para o futuro? Equaciona voltar a Portugal?
A curto e médio prazo pretendo continuar a minha carreira aqui. Estou numa curva de ascensão que sinto não ser possível em Portugal. Fiz uma aposta forte neste projeto e sinto o mesmo da parte da equipa. Estou a aprender a língua e a evoluir nas valências profissionais que são do meu interesse.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
A decisão de optar por uma carreira no estrangeiro deverá ser encarada de forma determinada. Os recrutadores, nestes casos, querem pessoas cheias de certezas e com poucas dúvidas ou receios, não querendo perder tempo com pessoas que andam só a “palpar terreno” para decidir depois. No meu caso, a intenção de trabalhar no estrangeiro era mais que evidente, visto já ter feito a mudança de forma prévia. É importante ter em mente que esta mudança implica transformações profundas na nossa vida. Algumas já referi, como a língua e a cultura do local para onde se vai emigrar.
Pessoalmente e no caso dos Países Baixos sinto-me mais valorizado como profissional tanto pelo meu empregador como pela sociedade em geral. As entidades empregadoras assumem a responsabilidade pela formação dos seus ativos. No caso da minha empresa, cada médico veterinário tem um plafond para gastar em formação. Existe também um acordo coletivo de trabalho nos Países Baixos para a classe veterinária, que em Portugal nem em miragens surge.
Apesar de ter tido desde sempre vontade de ter uma experiência no estrangeiro, aquele último passo foi sendo adiado por diferentes motivos, mas estou agora em condições de afirmar que nem é precipitado ir “cedo demais”, nem existe um “tarde de mais” para o fazer. Por isso mesmo, tudo se aplica não só a recém-licenciados como a colegas mais experientes que sintam frustração profissional. E há sempre a possibilidade de voltar a Portugal ou tentar outras paragens se por algum motivo correr mal a adaptação ao país de destino.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
A nível mundial penso ser essencial implementar o conceito “uma só saúde” e tudo o que ele acarreta. A atual pandemia poderá catapultar a importância deste conceito de matriz científica, mas dependente de decisões políticas.
Em Portugal acho fundamental fomentar a credibilização da classe veterinária. Tem que partir de dentro para fora. Vejo alguns avanços positivos, mas também um longo caminho a percorrer numa classe que considero ainda demasiado fracionada.
*Entrevista publicada originalmente na edição n.º 158 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de março de 2022.