A propósito da nota informativa divulgada pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) no dia 30 de janeiro, que estabelece os novos procedimentos relativos à campanha nacional de vacinação antirrábica para 2020, a VETERINÁRIA ATUAL falou com Duarte Diz Lopes, médico veterinário e presidente do Conselho de Contas do Sindicato Nacional de Médicos Veterinários (SNMV), que assume uma postura crítica da iniciativa.
Apesar de os casos mais próximos de raiva transmitida a humanos terem ocorrido em Espanha, por gatos, a campanha nacional de vacinação antirrábica para este ano em Portugal destina-se “exclusivamente a cães, estando excluídos os gatos e os furões”, de acordo com a nota informativa da DGAV.
Ao abrigo desta nova iniciativa, o custo da identificação eletrónica e vacina antirrábica está fixado em dez euros. “O ato de identificação eletrónica não é cobrado (aplicação do “transponder”) no contexto desta campanha, pelo que, sempre que o MVRC [médico veterinário responsável pela campanha] identifique e vacine um cão, apenas cobra ao respetivo detentor o montante de 10 euros”, avisa a DGAV. A este custo, acrescem 2,5 euros para registo no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC), caso o cão ainda não tenha sido registado. Mais: segundo a DGAV, o ato deve ser realizado antes da vacinação e só pode ocorrer quando associado a esta em animais ainda não identificados. “Não se tratando de uma campanha de identificação, não é possível praticar esta intervenção de forma exclusiva”, informa a entidade.
Para o médico veterinário Duarte Diz Lopes, a limitação da campanha apenas a canídeos “não faz qualquer sentido”, bem como a organização da mesma por parte da DGAV e não do poder local. E, falando deste, a VETERINÁRIA ATUAL questionou o médico veterinário sobre a proposta do Grupo Parlamentar do PS – que será votada hoje e que prevê a manutenção da taxa de licenciamento animal nas juntas de freguesias. Embora com algumas alterações bem-vindas – incluindo a isenção do pagamento para titulares de canídeos em situação de insuficiência económica e de detentores que tenham recolhido os seus cães em CRO -, o SNMV já veio promover o chumbo da proposta, declarando-a “manifestamente inconstitucional”.
Esta campanha antirrábica cinge-se apenas a campanhas realizadas nos veterinários municipais?
Esta campanha de vacinação oficial é realizada por norma pelos médicos veterinários municipais (MVM), podendo, no entanto, a DGAV nomear outros colegas para a realizar na ausência de MVM (por exemplo, o avençado do município).
Numa altura em que a colocação de identificação eletrónica se tornou obrigatória para os gatos, faz sentido que esta campanha se limite apenas a cães?
Claro que não faz qualquer sentido! Esta campanha apresenta-se só com uma campanha de vacinação de canídeos, isentando até de pagamento de identificação eletrónica (microchip), sem qualquer justificação, criando uma situação de clara concorrência desleal para com os colegas clínicos privados. Aliás, o valor desce de 18 euros em 2019 (13 microchip + 5 vacina) para 10 euros. Não é aceitável que os recursos financeiros da DGAV, que deveriam ser alocados à defesa da sanidade animal e da saúde pública, sejam desbaratados na aplicação gratuita de microchips, independentemente dos rendimentos dos detentores dos animais.
Qual é, então, a sua argumentação contra estes novos procedimentos de campanha antirrábica?
Esta campanha, na minha opinião, é de todo anacrónica, indiciadora de um Estado centralista, que não percebeu que hoje vivemos outro tempo. Temos mais de 1700 CAMV a nível nacional, todo o território está coberto por médicos veterinários, mesmo em contexto rural, além dos CAMV que também fazem domicílios, temos os médicos veterinários que efetuam clínica de campo e os que trabalham nas OPP [organizações de produtores pecuários], que diariamente estão junto dos produtores e das populações rurais e que também podem identificar e vacinar os cães e gatos, no âmbito das diferentes ações sanitárias que realizam.
Além do mais, os municípios, no âmbito da legislação atual, já podem hoje promover campanhas de vacinação antirrábica ao nível dos seus concelhos se assim o entenderem, não tem de ser o Estado Central a impor estas ações.
Acresce ainda que a raiva não é uma emergência sanitária e que a proteção das vacinas que estão hoje no mercado assegura uma imunidade até três anos.
Aqui ao lado, na vizinha Espanha, a vacinação antirrábica não é obrigatória em todas as regiões e nem por isso os animais deixam de ser vacinados.
Na sua opinião, vai ou não tornar-se mais oneroso para os detentores ter de pagar um registo (e os atos médico-veterinários a este associados) e um licenciamento à parte? É expectável que o custo deste licenciamento desça? Pergunto isto, porque o presidente da Associação Nacional de Freguesias, Jorge Veloso, mencionou que o valor anterior previa já o custo do registo e do licenciamento, mas, passando o registo para os médicos veterinários, também não se antecipa que o custo do licenciamento desça.
Estes acréscimos de custo vão tornar mais onerosa a detenção de animais e vão ser dissuasores do cumprimento das normas legais respeitantes aos animais de companhia, como é o caso da identificação eletrónica e das ações sanitárias associadas. Muitos detentores não irão identificar os seus animais, pois saberão que, de seguida, terão a Junta de Freguesia a cobrar a taxa anual…
O valor de referência mínimo serão os 10 euros por animal, mas caberá à Assembleia de Freguesia definir o valor final. Acredito que o valor médio anual se situará acima deste valor.
Esta taxa não tem qualquer contrapartida de serviço prestado é meramente mais um imposto para penalizar quem tem animais de companhia.
Para finalizar, recordo que a atual legislação do SIAC (DL 82/2019) simplificava todos os procedimentos (Simplex!!!), obrigando apenas a uma taxa inicial de registo, que, para já, nestes três meses após a entrada em vigor, estava a ser bem aceite pela maioria dos detentores, traduzindo-se num número muito significativo de novos registos, permitindo à DGAV ter acesso a informação privilegiada e atualizada das populações de cães e gatos, inclusive das ações de sanidade animal registadas pelos médicos veterinários. Um novo imposto que deita tudo a perder!