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Investigação

Investigadores portugueses ajudam a perceber como as mitocôndrias podem ser “egoístas” nos tumores venéreos transmissíveis

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O tumor venéreo transmissível canino encontra-se em animais por todo o mundo. O cão Dao vive num templo budista no Cambodja e recuperou recentemente da doença.

O investigador e médico veterinário Joaquim Henriques chama-lhe “um dos cancros mais curiosos em animais”. Transmitido sexualmente, o tumor venéreo transmissível canino (TVTC) é infecioso e conduz à formação de tumores genitais em machos e fêmeas através da passagem de células cancerígenas vivas entre os animais. O investigador português é apenas um dos cientistas que está a ajudar a levantar o véu sobre este cancro incomum, que tem passado de cão para cão há cerca de oito mil anos.

Joaquim Henriques

Como parte de um projeto com o qual colaborou na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, o Transmissible Cancer Group, Joaquim Henriques é um dos coautores de um segundo artigo sobre o tema, publicado em 16 de junho na Nature Communications, publicação que faz parte do grupo da conceituada Nature.

 

Neste artigo, o extenso grupo de cientistas — dos quais também faz parte a professora catedrática da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, Maria da Conceição Peleteiro — mostra que um tipo de ADN mitocondrial frequentemente capturado por este cancro tem uma vantagem replicativa “egoísta”, ao replicar-se mais eficazmente em vez de gerar benefícios funcionais. Porque é que isto é importante? Além de revelar as características que permitiram (e continuam a permitir) a este tipo de cancro “metastizar-se” à escala global, compreender as dinâmicas competitivas do ADN mitocondrial é fundamental para aprofundar o conhecimento sobre as doenças genéticas deste e para avaliar os riscos das terapias de transplante de ADN mitocondrial em embriões humanos.

O estudo das mitocôndrias — uma espécie de compartimentos que fornecem às células a sua energia — neste tipo invulgar cancro é especialmente relevante porque já foi provado que o TVTC consegue capturar mitocôndrias de vários hospedeiros caninos, fator que provavelmente justifica a sua longevidade.

 

O que os cientistas do Transmissible Cancer Group fizeram foi tentar perceber as dinâmicas de competição entre dois tipos de ADN mitocondrial justapostos dentro da mesma célula. O estudo agora publicado na Nature Communications revela que um tipo particular de ADN mitocondrial, designado A1d1a, foi recorrentemente capturado pelas células cancerígenas do TVTC em 11 situações independentes, o que o torna muito presente na captura mitocondrial por este cancro, em comparação com a sua presença na população canina em geral.

Um modelo que explica a recorrente captura do TVTC das mitocôndrias A1d1a. (1) Diversos tipos de mitocôndrias são capturadas pelas células do TVTC. (2) As mitocôndrias A1d1a têm uma inserção específica na posição 16660 do ADN mitocondrial. (3) Tal provoca uma diminuição da transcrição ou da leitura do ADN mitocondrial no A1d1a, (4) Isto sugere que o A1d1a vence os seus concorrentes através de uma vantagem replicativa e não funcional.

A análise genética do A1d1a revelou uma inserção (na posição 16660) que parece reduzir a sua transcrição ou “leitura” no ADN mitocondrial. Foi daqui que os investigadores partiram para a sua hipótese: as mitocôndrias A1d1a “vencem a corrida” devido ao seu “egoísmo”, replicando-se eficazmente ainda que daí possam não advir vantagens funcionais.

 

Para chegar a estas conclusões, o grupo contou com a ajuda de médicos veterinários de todo o mundo, que lhes permitiram recolher e analisar 539 tumores deste cancro canino sexualmente transmissível oriundos de casos de 43 países.

Os médicos veterinários que queiram contribuir com amostras para futuros estudos ou simplesmente contactar os autores, podem fazê-lo através do website www.tcg.vet.cam.ac.uk.

 
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