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Introdução às Técnicas de Mínima Invasão por Fausto Brandão

É incontornável que a introdução e progressão de procedimentos minimamente invasivos, quer diagnósticas quer terapêuticas, se tornaram uma parte integrante da rotina em muitas espécies de interesse veterinário. Desde os animais exóticos, onde o tamanho das espécies, ou inclusivamente pela sua anatomia, fisiologia, maneio e hierarquia social, não permite procedimentos invasivos, ou com trauma tissular considerável, até animais de alta performance como os equinos de desporto onde, por exemplo, a artroscopia é desde há décadas a técnica de eleição. No entanto, tem sido no domínio das espécies de companhia, particularmente cães e gatos, onde temos assistido a uma rápida progressão da introdução de técnicas cada vez mais próximas às de medicina humana.

Todas as técnicas de mínima invasão visam essencialmente chegar a um diagnóstico ou instituir uma terapia da forma menos invasiva possível no paciente, tendo por norma recurso a técnicas de diagnóstico por imagem, como o são a endoscopia, a fluoroscopia, a ecografia ou, até com menos frequência, na realidade veterinária, a tomografia e ressonância.

 

Cabe, no entanto, distinguir de forma simplificada e resumida as várias vertentes dos procedimentos e técnicas de mínima invasão. Ainda que não seja em muitos casos definir fronteiras perfeitamente claras, pois existe uma sobreposição de ações, podemos assim distinguir particularmente as técnicas diagnósticas e técnicas terapêuticas e/ou cirúrgicas.

No domínio do diagnóstico, as técnicas endoluminais ou intervencionistas ocupam o maior destaque. Com a generalização das técnicas endoscópicas, o diagnóstico particularmente de cavidades naturais como no canal auricular externo, aparelho respiratório, aparelho gastrointestinal e vias urinárias baixas, é na atualidade considerado indispensável na condução de casos clínicos com vista à obtenção de um diagnóstico quanto outras técnicas de imagem não foram suficientemente conclusivas.

 

É certo, ainda, que também a ecografia intervencionista com realização de procedimentos como biópsias, estudos de fluxo com contraste, entre outros, assumem em paralelo uma importância de relevo.

Métodos de modalidade de imagiologia avançados como a fluoroscopia, permitem ainda complementar ou abrir novos horizontes diagnósticos que requerem uma avaliação dinâmica em tempo real.

 Vista endoluminal de stent uretral em paciente felino.

 

Já as técnicas cirúrgicas minimamente invasivas requerem na sua maioria, com exceção das intervenções a realizar por cavidades naturais ou cavidades luminais, um acesso criado para este efeito. Assim, destacamos a laparoscopia (cavidade abdominal), toracoscopia (cavidade torácica), artroscopia (espaços articulares), que se absorvem a grande percentagem dos procedimentos cirúrgicos com acessos criados com vista à cirurgia.

No âmbito cirúrgico, destacamos com particular interesse as técnicas assistidas onde, por via de uma abordagem minimamente invasiva, se realizam de forma híbrida cirurgias com redução do acesso cirúrgico. Alguns exemplos da rotina clínica incluem a gastropexia, as biópsias, a esplenectomia, a remoção de corpos estranhos simples gastrointestinais, de forma laparoscopicamente assistida. Além de reduzir a complexidade, este tipo de técnica híbrida reduz ainda o pessoal necessário e instrumental específico. Desta forma, procedimentos que outrora eram ditados como extremamente difíceis de integrar na rotina, tornaram-se uma prática comum e, em alguns casos, um novo standard de cuidados de saúde para os animais de companhia.

 

Atualmente, as empresas de comercialização de equipamentos veterinários, oferecem várias opções no âmbito das técnicas de mínima invasão, sendo que o domínio das técnicas com recurso a endoscopia, tem sido o setor que mais desenvolvimento tem sofrido ao longo dos últimos três anos, no panorama nacional. É ainda de salientar que a oferta formativa nacional tem crescido em função da procura, o que veio a alavancar a integração desta nova realidade clínica em muitos CAMV.

Nefroscopia com nefrolitotomia, para tratamento de nefrolitíase complicada em paciente canino.

À semelhança do que já era uma realidade instituída noutros países vizinhos na Europa, em Portugal também a procura por parte dos tutores, cada vez mais informados, aumentou significativamente, fazendo com que a procura pelos serviços conduza a forma como os veterinários apresentam as suas soluções clínicas.

O crescimento saudável deste setor na profissão veterinária e a democratização da implementação destas técnicas teve, consequentemente, a necessidade de maior referenciação para centros com técnicas mais avançadas e que complementam os serviços já oferecidos em muitos centros clínicos.

Assim, procedimentos híbridos guiados por endoscopia, ecografia e fluoroscopia, estão já disponíveis no panorama nacional em centros de referência nesta área específica.

Algumas das áreas clínicas onde a implementação das técnicas de mínima invasão tem pautado incontornavelmente o curso da medicina veterinária são, por exemplo, a cardiologia, a urologia, a pneumologia e a gastroenterologia. Neste âmbito, técnicas com recurso a radiologia de intervenção, seja por ecografia, ou por fluoroscopia, ou combinadas simultaneamente, tornaram alguns procedimentos outrora apenas realizados com cirurgia aberta de grande trauma cirúrgico, em procedimentos com acessos mínimos. Foi já em edições anteriores dado a conhecer o papel da cardiologia de intervenção, onde procedimentos como a balonoplastia para estenose pulmonar, colocação de marca-passos, encerramento de certas tipologias de ducto arterioso persistente, são já consideradas o gold-standard, em casos previamente selecionados.

A colocação de stents respiratórios, gastrointestinais, ou até urinários, tem cada vez mais uma prática comum em centros de referência, servindo assim de unidade de extensão de apoio e servindo CAMV de norte a sul do País.

As técnicas de cirurgia de mínima invasão baseia-se sempre na utilização de sistemas endoscópicos, que só por si providenciam vantagens cirúrgicas como: 1) iluminação direta sobre o campo de trabalho; 2) grande ampliação de visualização das estruturas anatómicas proporcionada pelos sistemas de óticas e câmaras com zoom; 3) mínima manipulação dos tecidos alvo; 4) diminuição do trauma tissular; 5) aumento da precisão de interação com o tecido alvo; 6) incremento da técnica de hemostasia; entre outras, eu essencialmente constroem um otimização dos princípios cirúrgicos ditados por Halsted. Como complemento, e em paralelo, todas as tecnologias acessórias como as técnicas anestésicas e de monitorização e, por exemplo, técnicas de energia avançada como os seladores vasculares e os lasers, complementam a capacidade de realizar procedimentos cada vez mais complexos de forma segura e célere.

Biópsia hepática laparoscópica em paciente com neoplasia hepática difusa.

A título de exemplo, os tratamentos cirúrgicos paliativos de citoredução de neoplasias, que pela sua localização, ou que pelo acesso necessário para os realizar, estariam fortemente desaconselhados. Na atualidade, o uso de lasers endoluminais, radiofrequência ou ablação por micro-ondas são ferramentas indispensáveis para oferecer cuidados de saúde oncológicos de qualidade e, na maioria das vezes, em pacientes cuidadosamente selecionados, uma oportunidade de aumento do tempo médio de sobrevida com dignidade. Cite-se, por exemplo, a UGELAB – ultrasoundguided endoscopic laser ablation – na qual a citoredução de neoplasia da bexiga se faz por via endoscópica transuretral, com recurso a um laser de díodo, e com controlo simultâneo ecográfico, que visa ajudar a reconhecer a profundidade de ablação com respeito ao limite da camada muscular da parede vesical. Assim sendo, é possível uma redução até à camada submucosa, sob controlo visual indireto.

Ainda como uma abordagem inicial do panorama de procedimentos minimamente invasivos, cabe ainda falar da correção de alterações congénitas como a ectopia ureteral de tipologia intramural ou, por exemplo, os shunts intra-hepáticos. Na primeira (ectopia ureteral intramural), a possibilidade de resolução que consiste no atual goldstandard, consiste na CLA-EU – cystoscopic laser ablation for ectopic ureters – onde através de endoscopia transuretral é confirmada a tipologia intramural do ureter ectópico através de estudo dinâmico fluoroscópico e, posteriormente, conduzida uma fibra de laser para a ablação da parede ureteral, culminando na abertura de um novo óstio de localização intravesical. O procedimento é assim totalmente intraluminal e, ainda que com uma taxa de complicações residual, é na maioria das vezes realizado com passagem imediata do paciente ao ambulatório. No caso das anomalias vasculares intra-hepáticas selecionadas, é possível, por exemplo, proceder à embolização, via percutânea transjugular. Este tipo de procedimento, além de ter melhor prognóstico que a cirurgia convencional aberta, reduz a uma punção venosa todo o acesso necessário para a realização do procedimento por cateterismo sob controlo fluoroscópico.

*DVM., MSc., Cert. Spec. VEAMIS | Responsável do Serviço Nacional de Referência em Cirurgia de Mínima Invasão e Intervencionismo AniCura Atlântico – Hospital Veterinário – Mafra

**Artigo de opinião publicado na edição 168 da VETERINÁRIA ATUAL, de fevereiro de 2023.

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