O Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) negou qualquer incumprimento de diretivas relacionadas com o recurso a animais para fins de investigação científica, após o Grupo Parlamentar do PAN – Pessoas-Animais-Natureza ter instado o Governo, na semana passada, a prestar esclarecimentos sobre “projetos que recorrem a experimentação com animais” em Portugal.
Em causa está um projeto que o PAN declara como incumpridor das diretivas europeias, mas no qual o IGC nega a participação dos seus grupos de investigação. Mais: segundo o IGC, a pesquisa – com a referência A002.2015 – tem outro objetivo que não aquele referido pelo partido de André Silva.
A controvérsia despontou na semana passada, quando, numa longa carta dirigida ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e ao presidente da Assembleia da República, o PAN questionou a aprovação da DGAV a um projeto que envolve um dispositivo médico desenvolvido na Universidade de Jena, na Alemanha. Segundo o partido, este dispositivo está a ser testado em Portugal e envolve um consórcio do qual faz parte o Instituto Gulbenkian de Ciência, recorrendo a metodologias que contrariam as diretivas europeias.
A VETERINÁRIA ATUAL tentou confirmar as alegações do PAN na semana passada com a Rede ORBEA (Órgão Responsáveis pelo Bem-Estar dos Animais), mas a resposta só chegou esta segunda-feira, pela mão do Instituto Gulbenkian de Ciência, que refuta as afirmações do partido, afirmando que “não têm qualquer veracidade no que diz respeito ao IGC” e que as acusações “colocam em causa a idoneidade desta Instituição que sempre se esforçou para garantir o bem-estar dos animais”.
Em e-mail enviado à VETERINÁRIA ATUAL, o IGC nega o envolvimento dos seus grupos de investigação no projeto descrito pelo PAN e garante que o objetivo da pesquisa com a referência mencionada pelo partido é, na verdade, outro.
Segundo a diretora de comunicação institucional do IGC, Ana Morais, “é falso que haja grupos de investigação do Instituto Gulbenkian de Ciência envolvidos no projeto da Universidade de Jena (acerca do dispositivo médico com efeito antibacteriano, que funciona através da libertação de um gás [monóxido de carbono], após irradiação de ultravioletas)”, destacando que este é “um projeto da competência da respetiva Universidade alemã”.
Segundo o PAN, os animais utilizados neste projeto com fim experimental, que identifica com a referência A002.2015, “são queimados de forma severa com o intuito de criar condições de simulação de feridas crónicas como as que se encontram frequentemente em pessoas com diabetes”.
A acusação é rebatida pelo IGC: “É totalmente falso que [as feridas] tenham sido executadas no Instituto Gulbenkian de Ciência, e que estejam, sequer, contempladas no projeto A002.2015”, afirma Ana Morais. A diretora de comunicação institucional acrescenta ainda que o IGC “reprova veemente este tipo de práticas que desrespeitam as diretrizes definidas”.
A responsável sublinha também que a pesquisa “nada tem que ver com dispositivos médicos antibacterianos”, como referido pelo PAN. O projeto resulta de uma colaboração entre o investigador Luís Moita e o investigador Sebastian Weis e tem como objetivo identificar “mecanismos fisiopatológicos da sépsis (responsável por mais de 11 milhões de mortes anuais em todo o mundo) com vista ao desenvolvimento de novas terapêuticas farmacológicas”.
Esta informação, acrescenta Ana Morais, pode ser facilmente verificada com a leitura de um artigo, publicado na revista científica PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America), da autoria do investigador Luís Moita e com a colaboração de Sebastian Weis, entre outros cientistas.
Este artigo, de acesso público, é referido pelo partido na carta enviada ao Governo. O PAN cita o texto, que afirma que “todos os estudos em animais foram realizados de acordo com as normas portuguesas e aprovados pelo Comité de Ética do Instituto Gulbenkian Ciência e Direção-Geral de Alimentação e Veterinária”, apenas para o contestar, alegando que “chegou ao conhecimento do PAN” que os animais “são queimados de forma severa”.
Por seu lado, o IGC afirma, sim, que o projeto A002.2015 “passou pelo crivo e aprovação institucional e pela DGAV e cumpre todas as normas emanadas, a nível nacional e internacional”. E vai mais longe: “Nem neste projeto, nem nenhum outro a decorrer no IGC recorre a esse procedimento”, escreve Ana Morais.
A responsável do IGC garante que “todos os projetos de investigação são aprovados previamente por uma Comissão de Ética e pelo Órgão-Responsável pelo Bem-Estar Animal (ORBEA), órgãos que avaliam e aprovam o cumprimento destas e outras diretrizes, e sem a aprovação dos quais nenhum projeto pode ser implementado”.
Reitera ainda que os “projetos aprovados por estas comissões são depois avaliados pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), que é a entidade nacional que regula o uso de animais em projetos de investigação” e que “todos os projetos seguem as normas descritas no DL 113/2013, documento que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva n.º 2010/63/UE do Parlamento Europeu e do Conselho”.
Segundo o PAN, já em 2018, a Comissão Europeia instaurou um processo a seis países, um dos quais Portugal, por incumprimento da diretiva comunitária em território nacional. Foram identificadas deficiências na transposição da Diretiva 2010/63/EU. O partido referia também que “foi instaurado um processo de infração ao Estado português (N.º 2018/2040), dando nota de que a transposição da diretiva para a legislação nacional não incluía disposições em matérias de inspeções, nem garantia que os procedimentos que impliquem um nível elevado de dor fossem apenas provisórios”. Perante esta informação, o PAN referia depreender que sendo “indispensável a utilização de animais no desenvolvimento dos testes de eficácia em questão, os projetos não deveriam sequer ter sido aprovados” e que a “aprovação destes projetos em Portugal pressupõe menor rigor na implementação e fiscalização da legislação europeia em território nacional”.