Uma estrutura que pretende apostar na diferenciação de cuidados e ser “o porto seguro” das clínicas veterinárias de Braga e das regiões limítrofes. Este é o espírito do Hospital Veterinário do Bom Jesus e para cumprir esse desígnio o diretor clínico, João Araújo, procura profissionais com “skills diferenciadoras” e com “espírito de sacrifício” para trabalhar numa unidade que tem as portas abertas 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Dois amigos que se conhecem desde muito jovens, por casualidade seguem ambos para o curso de Medicina Veterinária e acabam anos depois à frente do destino de um hospital veterinário de referência em Braga.
A frase resume em poucas palavras a vida de João Araújo, Fernando Silva e o nascimento do Hospital Veterinário Bom Jesus, situado na cidade do Minho, mas há mais detalhes que fazem deste percurso profissional um caminho sustentado e a pensar em novas formas de ver a organização do trabalho do médico veterinário.
O ano de 2007 marca o início da jornada profissional em conjunto destes dois amigos. Saído da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e depois de passar por algumas clínicas veterinárias e de fazer noites na urgência de um hospital veterinário do Porto, João Araújo junta-se ao amigo Fernando Silva e abrem nesse ano a primeira clínica em Amares, um concelho limítrofe à cidade dos arcebispos. Depois dessa clínica, abriram mais duas nos arredores de Braga e assim caminhou a vida durante alguns anos, com as clínicas a crescerem de forma rápida, mas sustentada.
O que também crescia era o conjunto de dificuldades vividas pela equipa diariamente no terreno. “Sentíamos muita dificuldade em trabalhar com uma estrutura maior, com a qual pudéssemos colaborar de forma recorrente, e normalmente referenciávamos para o Porto” quando o caso clínico era de maior complexidade e exigia uma diferenciação de cuidados, conta João Araújo à VETERINÁRIA ATUAL.
Durante cerca de 10 anos foram experienciando esses obstáculos e ouvindo quem sentia o mesmo nas outras clínicas dos arredores até perceberem que estava na hora de mudar o paradigma do que faziam e apostarem numa dinâmica de trabalho que podia preencher um nicho a descoberto no distrito. Foi então que em 2018 os dois amigos juntaram-se a mais dois colegas veterinários e decidiram abrir a estrutura hospitalar veterinária que, acreditam, a região necessitava e com a visão que, pensam, será o futuro da medicina veterinária.
Ser “o porto seguro” das clínicas veterinárias
O Hospital Veterinário Bom Jesus (HVBJ) abriu portas há cerca de quatro anos com um quadro clínico do qual faziam parte João Araújo, diretor clínico que se dedica sobretudo à área da urgência e dos cuidados intensivos (ver caixa), Fernando Silva, especialista em cirurgia de tecidos moles, Jorge Leite, com especial interesse pela ortopedia, e Diogo Frias, que se dedica à oftalmologia, e a equipa “partiu do zero” para tentar suprir as carências que tinham sentido e absorvido durante quase uma década de trabalho. “Trabalhamos muito com as clínicas da região e estamos a dar agora o apoio que sentimos falta na altura”, reforça o médico veterinário.
A ideia é que as clínicas e os consultórios veterinários, perante um caso mais complicado, referenciem para o HVBJ que “faz a parte mais difícil” do tratamento do animal de companhia – que, não raras vezes, exige cirurgia, cuidados intensivos ou um diagnóstico mais diferencial – e depois de resolvida a situação do cão ou gato a equipa hospitalar “manda de volta” o paciente para o médico que o costuma acompanhar.
O resultado tem sido muito satisfatório e, como reconhece o diretor clínico, já há clínicas que a partir de determinada hora do dia e ao fim-de-semana “já desligam o telefone e este passa a reencaminhar as chamadas diretamente para o hospital” e algumas já deixaram de receber urgências no dia-a-dia. Nestes casos, quando a urgência é recebida por encaminhamento telefónico, é o hospital que contacta depois o veterinário de referência a dar conta do sucedido, a dar feedback da situação clínica e, após a resolução do episódio, “devolve o animal ao veterinário de família”, reforça o diretor clínico com alguma graça.
João Araújo confessa que não gosta da comparação com a medicina humana, setorizada em cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares, e também considera que o cenário atual ainda não comporta a total setorização dos cuidados médicos veterinários. Contudo, o responsável reconhece que a ideia será, no futuro, ter uma cadeia de cuidados à semelhança do que acontece para os humanos: os cuidados considerados de rotina – como vacinação, desparasitação – estarem a cargo das clínicas com “os veterinários de família” e os cuidados diferenciados e mais exigentes nas mãos de hospitais veterinários. “Isso será o futuro, não posso garantir que na totalidade, mas o nosso projeto é esse, é apostar na diferenciação”, explica João Araújo.
O responsável reconhece que a ideia será, no futuro, ter uma cadeia de cuidados à semelhança do que acontece para os humanos: os cuidados considerados de rotina – como vacinação, desparasitação – estarem a cargo das clínicas com “os veterinários de família” e os cuidados diferenciados e mais exigentes nas mãos de hospitais veterinários. “Isso será o futuro, não posso garantir que na totalidade, mas o nosso projeto é esse, é apostar na diferenciação” – João Araújo, diretor clínico do HVBJ
Essa aposta tem-se refletido no crescimento da equipa e, sobretudo, na especialização dos recursos humanos recrutados. Hoje já são 13 os veterinários em full-time e estão mais quatro em part-time, aos quais se juntam mais nove enfermeiros e três rececionistas. Entre eles estão uma veterinária diplomada em Neurologia pelo Colégio Europeu de Neurologia Veterinária (ECVN), Maria Oliveira, que é coadjuvada por uma de tomografia axial computorizada de 16 cortes, modelo de última geração, que dá ao hospital uma “diferenciação muito grande a nível da Neurologia”. Da equipa faz parte também um médico veterinário com diferenciação em Cardiologia e que faz ecocardiografias, uma valência “bastante rara na região do Minho”, e João Pedro Monteiro que está a tirar a residência europeia em comportamento animal.
Em termos de serviços, hoje estão disponíveis no hospital para além das consultas – com as tradicionais vacinas, desparasitação e o mais recente microchip – consultas ao domicílio, ecografia, TAC, cirurgia geral e ortopédica, raio-X digital, análises clínicas com resultados imediatos, VET-SPA, urgência 24H por dia e cuidados intensivos.
Com esta organização e diferenciação, a referenciação hoje já representa entre 40% a 50% do trabalho do HVBJ e a vontade é continuar este caminho. O diretor clínico do hospital reconhece mesmo que têm vindo a desincentivar os tutores a procurar o hospital para as vacinas do cão ou do gato ou para a desparasitação. “Queixam-se de que, quando vêm cá, têm um veterinário diferente a cada dia, ora isto é um hospital, os cuidados de um veterinário de família não é aqui que encontram”, conta João Araújo, que volta a sublinhar o objetivo do hospital: “Os [nossos] clientes são os veterinários e não os tutores”.
“Braga está carregada de clínicas e não podemos estar a concorrer com eles. Pelo contrário, queremos ser um porto seguro para tratar os casos difíceis e quando tivermos cerca de 60 a 70% do nosso trabalho com a referenciação vamos deixar de dar primeira opinião, vamos deixar de dar vacinas, de fazer desparasitação e vamos fazer só referenciação”, assegura o diretor clínico.
“Queremos ser um porto seguro para tratar os casos difíceis e quando tivermos cerca de 60 a 70% do nosso trabalho com a referenciação vamos deixar de dar primeira opinião, vamos deixar de dar vacinas, de fazer desparasitação e vamos fazer só referenciação” – João Araújo, diretor clínico do HVBJ
Para o sucesso da estratégia têm contado muito com o boca-a-boca entre as clínicas o que já alargou o campo de ação do HVBJ para lá do distrito de Braga, com muitas referenciações a chegarem de Chaves, Valença, Guimarães, Vizela, Póvoa do Varzim e até do Porto.
Integrar uma rede internacional para tratar as “dores de crescimento”
Com a certeza de que estão no caminho certo e os objetivos bem definidos, João Araújo reconhece que este percurso não tem sido isento de desafios e nomeia à cabeça os recursos humanos. “Recrutar recursos humanos especializados, com espírito de sacrifício para trabalhar num hospital que tem as portas abertas 24 horas por dia, 365 dias por ano e a trabalhar por turnos não tem sido fácil”, admite o diretor clínico do HVBJ, dando, assim, voz às dificuldades de atração da região pelo talento mais diferenciado.
O responsável assume que gostava de ter “mais colegas especialistas, mais diplomados” na equipa e garante que está de portas abertas “a todos quantos tiverem skills diferenciadoras e queira trazer qualidade para a região”. Sobre preferências não esconde que, neste momento, um diplomado em medicina interna era o que gostava mais de integrar no quadro do hospital veterinário.
Outro problema que tem vindo a crescer a par do sucesso da atividade e da organização do HVBJ é o espaço, ou melhor, a falta de espaço. Neste momento, o hospital tem uma érea de 500 m2, mas o médico veterinário reconhece que “se pudéssemos agora teríamos o dobro e estamos à procura de uma solução”.
Perante aquilo que consideram ser as “dores de crescimento” do projeto, a equipa olhou para o mercado, para as tendências de consolidação e entre elas o agrupar de algumas estruturas tem sido um caminho muito popular. Nessa medida, explica João Araújo, “achámos que ser incorporados numa rede daria mais possibilidades de crescer de uma forma mais sustentada, de ter mais apoio nas nossas dificuldades, nomeadamente no aumento de espaço, na aquisição de equipamento e no recrutamento de recursos humanos”.
E foi com esta perspetiva que em 2022 passaram a integrar a rede IVC Evidensia Portugal. “De todas as opções, sentimos um grande apelo em relação à abordagem da IVC Evidensia, posso dizer mesmo que foi um apelo ao coração”, conta o médico veterinário, que explica mais pormenorizadamente: “Revimo-nos no que estava a ser dito, no projeto que nos apresentaram, nas ideias que nos transmitiram e hoje sinto um apoio muito grande e uma compreensão muito grande”.
A integração numa rede como a IVC Evidensia “não é um processo rápido”, reconhece João Araújo. Mas o médico veterinário e a equipa estão convencidos que agora têm condições mais favoráveis para prosseguir os desígnios que pensaram para o HVBJ.
A estrutura mantém-se, João Araújo continua como diretor clínico – e até foi convidado a fazer parte do board clínico ibérico da IVC Evidensia com mais três colegas de Barcelona, Valencia e Madrid – e o plano passa, então, por resolver os principais problemas sentidos no terreno: contratar mais pessoal especializado, melhorar a gestão diária de processos burocráticos, aumentar o espaço do hospital e investir na aquisição de equipamentos. Aliás, no dia em a VETERINARIA ATUAL falou com o médico veterinário tinha acabado de chegar um novo equipamento para realizar laparoscopias minimamente invasivas.
A integração numa rede como a IVC Evidensia “não é um processo rápido”, reconhece João Araújo. Mas o médico veterinário e a equipa estão convencidos que agora têm condições mais favoráveis para prosseguir os desígnios que pensaram para o HVBJ.
Paixão pela urgência leva veterinário português à presidência da EVECCS
O gosto pela urgência nasceu nos tempos em que ia fazer o serviço noturno a um hospital veterinário no Porto. João Araújo acha que é por “gostar de fazer as coisas em cima do joelho, de pensar rápido e fora da caixa” que o faz “adorar o estímulo” de ter à sua frente uma situação que exige pensamento rápido, fluidez de procedimentos e controlo emocional.
Ainda hoje, apesar de ter à sua responsabilidade a direção clínica do HVBJ, é na urgência que encontra a satisfação profissional e não prescinde dos bancos de 24 horas todos os meses no hospital.
Foi para aprofundar conhecimentos nesta matéria que começou a ir aos congressos da European Veterinary Emergency and Critical Care Society (EVECCS) e acabou mesmo por ser convidado para vice-presidente do organismo que, por inerência, assume o cargo de presidente no mandato a seguir, no caso em 2023, o ano em que também se realizará em Portugal o congresso da EVECCS.
João Araújo é ainda delegado à Federation of Veterinarians of Europe (FVE) desde 2018, um trabalho de lobby em prol da harmonização internacional dos melhores cuidados veterinários.
Questionado sobre o que leva alguém que gosta tanto da prática clínica a dedicar-se a facetas mais burocráticas e, de certo modo, políticas da veterinária, o diretor clínico diz que “a veterinária dá-me muito e o que eu puder retribuir a para a classe faço-o”, mesmo que este seja um trabalho voluntário e muito exigente, tanto a nível profissional como pessoal.
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 158 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de março de 2022.