Não, não se trata de uma daquelas patologias felinas, que a ciência vai descobrindo a cada par de anos. Trata-se da trilogia temática desta coluna.
Sou médico veterinário desde 1997, havendo percorrido diferentes “partes” da medicina veterinária, comecei por estagiar em Bovinicultura, iniciando atividade profissional em animais de companhia, exercendo em algumas áreas de interesse dentro da clínica e cirurgia num hospital veterinário. Em 2005, fui para a indústria farmacêutica dedicando-me à saúde animal até ao fim do ano passado, como responsável técnico e marketing em animais de companhia. Paralelamente, estive/estou envolvido no associativismo profissional relacionado com a medicina veterinária, na Ordem dos Médicos Veterinários, assim como na APMVEAC. Por um curto período, lecionei numa universidade, no curso de medicina veterinária. Durante o trajeto atrás descrito, sempre pensei como médico veterinário e como podia/posso contribuir para uma melhor profissão e saúde animal. Será exatamente com o mesmo espírito e cunho pessoal que colaborarei nestes artigos de opinião.
Medicina veterinária, medicamentos & música
Ao longo dos próximos meses, focar-me-ei nesta trilogia, opinando, como colega médico veterinário, sobre a área do medicamento veterinário e a sua importância para a profissão veterinária, lembrando que somos os principais interessados para que continue sobre a nossa responsabilidade e prescrição. Em cada artigo deixarei uma referência musical, para compensar alguma falta de ritmo à narrativa dos artigos.
Começo pela sugestão musical, para acompanhar a leitura do artigo: “Open & Close” Fela Kuti https://youtu.be/en88_IEcQwU
Peço agora ao leitor que realize o seguinte exercício mental, enquanto médico veterinário, imagine a profissão sem medicamentos, imagine como seria o dia-a-dia da prática clínica para tratar e cuidar dos animais… Difícil, não é? Complicada e frustrante, no mínimo, provavelmente recuaríamos aos tempos remotos de Urlugaledinna1.
Aquando da publicação deste artigo, o Novo Regulamento Europeu do Medicamento Veterinário 2019/6 terá entrado em vigor a 28 de janeiro. Esta regulamentação traz forçosamente mudanças na forma como o médico veterinário prescreve, na forma como os detentores de animais acedem ao medicamento veterinário, na organização de processos e abordagem estratégica da indústria farmacêutica ao mercado.
Embora já conhecido na sua versão europeia, o atual regulamento pode sofrer ajustes nacionais, residindo aí a grande curiosidade, se essas alterações aparecerão nesta publicação de 28 de janeiro, ou ainda iremos passar por um período de transição até à aplicação das variações nacionais. Tópicos como a venda online e pontos de venda de medicamentos veterinários, plataforma de prescrição e a prescrição de antibióticos, farmacovigilância e comercialização paralela, entre outros, terão um importante impacto no setor.
Para termos uma noção da grandeza dos números do medicamento veterinário, em termos económicos, Dr. Jorge Moreira da Silva, presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica Veterinária (APIFVET), estima um valor anual de cerca de 120 M€ de vendas líquidas de medicamentos veterinários no mercado português em 2021. Ao nível do canal farmácia, segundo os dados do painel “Market Watch Portugal – dezembro 2021” da HMR*, as vendas de medicamentos veterinários representam 27,6 milhões de euros, representando em todo o mercado do canal de farmácia uma quota de mercado de 0,7% (tendo crescido +10,8%, em relação a 2020). Estes valores baseiam-se em valores de preço de venda ao público, se estimarmos uma margem média de 25 % de lucro, acima das restantes margens fixas para os canais de medicamentos éticos em medicina humana na farmácia, teremos vendas líquidas de medicamentos veterinários na ordem dos 21 milhões de euros.
Ou seja, por cada 5€ de dispensa de medicamentos veterinários, 1€ é dispensado na farmácia. Sendo, o medicamento veterinário é apetecível para o canal farmácia, pela margem, porém ainda bastante aquém do peso de outras categorias.
A farmácia, vê no medicamento veterinário um meio para o fornecimento de serviços, numa ótica de abordagem holística de proximidade aos seus clientes. A proximidade, curiosamente, também é um dos principais critérios que os tutores de animais de companhia elegem na altura de escolher um Centro de Atendimento Médico Veterinário (CAMV). Lembrando que quase 90% dos CAMV encaixam a sua estratégia nessa proximidade e no conceito do médico de veterinário da família multiespécie, urge que o medicamento veterinário, seja tratado como um ativo precioso. A nova legislação é uma oportunidade para a classe veterinária, de rever a forma como enquadra o medicamento na sua prática e ao mesmo tempo assumir o papel crucial na defesa do conceito One Health, pretensão também entre outras profissões.
* Médico veterinário (drpedro.fabrica@gmail.com)
**Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 157 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de fevereiro de 2022.