O HappyVetProject quer ajudar os profissionais veterinários na gestão emocional e do stresse. Em entrevista, a portuguesa Nina Brito, licenciada em medicina veterinária e atualmente digital marketing manager na farmacêutica LIVISTO, explica como a iniciativa surgiu e como a saúde mental necessita de cada vez mais ser debatida em contexto profissional.
Como é que o HappyVetProject surgiu?
O HappyVetProject.org surgiu no âmbito da criação de um projeto internacional específico para os profissionais veterinários que se dedicam à clínica, sobretudo à de pequenos animais, numa tentativa de dar conteúdo digital de valor, gratuito e original, que não pudessem encontrar facilmente noutros sítios.
De que maneira o Happy Vet Project tenta ajudar os profissionais veterinários a combater o burnout?
É um projeto que fala em primeira pessoa sobre os desafios da profissão clínica, de médico veterinário para médico veterinário. O objetivo inicial era que o tema da gestão emocional e do stresse dos profissionais desta área entrasse no debate diário no próprio grémio. Que não fosse tabu falar da ansiedade, de ataques de pânico, de depressão e de saúde mental. Nem da entrega, do sofrimento emocional, da falta de conciliação e das más condições laborais que levam muitos clínicos a abandonar a profissão. Depois pretendíamos oferecer uma série de ferramentas para guiar o profissional a buscar de forma ativa o próprio equilíbrio porque os perfis que se dedicam à clínica têm tendência a antepor as necessidades dos outros às suas próprias.
O HappyVetProject está, por isso, dividido em secções que se complementam:
- MentalVet (psicologia e ferramentas de inteligência emocional);
- Vetlife (como melhorar o contexto vital na clínica e fora dela);
- BodyVet (Vetyogi – uma série completa de vídeos de ioga especifica para as necessidades físicas e mentais dos veterinários, criada justamente por um médico veterinário português);
- EatWellVet – com vídeos de receitas fáceis e saudáveis, criadas por um chef e artigos de nutrição;
- VetVoices (entrevistas e testemunhos de profissionais de diferentes nacionalidades que falam de uma mesma realidade).
Depois temos a nossa comunidade nas redes sociais (@happyvetproject) e até um canal de Spotify próprio com listas de música para o ioga, para o bloco cirúrgico, para os animais no internamento, para cozinhar, para estar em casa a descansar e para sair à noite. Em breve vamos lançar o nosso e-learning gratuito em disciplinas relacionadas com a saúde mental e soft skills para o setor.
  “Nas universidades de veterinária deveria dar-se uma formação solida em inteligência emocional, comunicação, resolução de conflitos, fadiga por compaixão e em autogestão das exigências mentais da profissão clínica”
Como empresa farmacêutica internacional, o que levou a LIVISTO criar este projeto?
Justamente como multinacional, dedicada exclusivamente à saúde animal e com presença sobretudo europeia, queríamos dar algo distinto e com muito valor aos nossos clínicos. Temos muitos veterinários de várias nacionalidades nos nossos departamentos de produto, de marketing ou comercial e que têm uma ligação forte com a profissão clínica. Os lemas da LIVISTO são “Along With You” e “The One’s With Heart”, algo que significa pensar sempre primeiro na pessoa que habita no profissional.
O que a levou pessoalmente a querer associar-se a este projeto?
Eu trabalhei em clínica de pequenos animais até ao final de 2020 em hospitais de referência e também em centros menores. Ao deixar a clínica entrei na LIVISTO como responsável digital no departamento de marketing global, que se ocupa de lançar e promover produtos a nível de grupo, mas que também é responsável pela imagem internacional e reputação da marca.
Quando cheguei, a empresa estava há pouco tempo no mercado de animais de companhia e era necessário criar algo fresco e que realmente tivesse um sentido para não ser uma cópia das demais farmacêuticas.
Seis meses depois de entrar na empresa idealizei o HappyVetProject.org como uma plataforma que esperava ser de muita ajuda para os meus antigos colegas de profissão e sobretudo para as novas gerações. Assim, não foi bem associar-me ao projeto, mas sim que este projeto digital foi criado de zero no meu departamento. Desde o coração e desde a perspetiva de alguém que um dia passou pelas mesmas dificuldades, que presenciou muitas situações de burnout sem saber bem, bem, o que sucedia e que oxalá tivesse tido acesso a este tipo de informação e ferramentas nesse momento. Em conjunto com uma série de profissionais multidisciplinares e colaboradores externos, produzimos e damos forma a este projeto de forma contínua e constante desde que surgiu no papel. Podemos dizer que este projeto para mim é quase como um filho.
O projeto foi lançado apenas este ano. Qual é o alcance que teve nestes primeiros meses?
É um projeto multicanal e multimédia com conteúdo original, com as dificuldades que isso implica e, de momento, em inglês. A nossa empresa é pequena quando comparada com as gigantes e isso também condiciona um pouco o alcance. Estes primeiros meses foram dedicados a introduzir o conceito HappyVetProject que era completamente desconhecido e a criar uma comunidade europeia de seguidores e utilizadores que realmente vejam utilidade nos nossos conteúdos e queiram seguir connosco.
Estamos a iniciar agora uma fase de adaptação local com criação de conteúdos multi-idioma e específicos para certos países. Por exemplo, os cursos online que vão sair em breve estarão em seis idiomas.
“Somos [médicos veterinários]uma peça chave numa sociedade europeia de 750 milhões com 300 milhões de animais em casa”
Que feedback têm recebido por parte dos outros profissionais do setor?
O tema do burnout está definitivamente em alta em 2022. Quem está ou esteve nessa situação em clínica identifica-se totalmente com o discurso do HappyVetProject. O resto dos profissionais da LIVISTO (perfis financeiros, químicos, técnicos) que não são médicos veterinários gostam muito do projeto porque entendem o seu alcance. Quanto à concorrência, gradualmente estão a começar a reagir e a iniciar ações no âmbito da saúde mental. Isto é bom porque significa que os profissionais vão ter acesso a cada vez mais recursos.
Sendo um problema transversal aos profissionais do setor em todo o mundo, de que maneira se deveria abordar a questão da saúde mental?
Nas universidades de veterinária deveria dar-se uma formação solida em inteligência emocional, comunicação, resolução de conflitos, fadiga por compaixão e em autogestão das exigências mentais da profissão clínica.
Depois, já nos centros e hospitais, deveria haver um compromisso em colocar ao mesmo nível a conciliação e descompressão emocional do profissional, como atender bem os casos clínicos. Um profissional mentalmente são, motivado e com um bom ambiente de trabalho rende mais, atende melhor os pacientes e fideliza os tutores. Isto implicaria planos de retenção de talento personalizados e fazer screening constante do estado de saúde mental com testes periódicos e um serviço de psicologia e psicoterapia disponíveis para o pessoal.
Também é necessário normalizar a partilha das experiências menos positivas desde a perspetiva emocional com reuniões periódicas e celebrar mais os êxitos do dia juntos.
Por último, dever-se-ia desenhar os centros com espaços privados pensados para libertar o stresse de forma rápida e, nesses espaços, também ter em conta que a profissão é cada vez mais feminina e que, em determinado momento, as médicas veterinárias e enfermeiras veterinárias também são mães de filhos lactantes ou pré-escolares.
Finalmente, em muitos países (incluindo Portugal, Espanha, Itália) há um grande trabalho ainda por fazer ao nível de salários, oficialização dos títulos de enfermagem veterinária e em fazer crescer o reconhecimento social destas profissões. Afinal somos uma peça chave numa sociedade europeia de 750 milhões com 300 milhões de animais em casa.