Através de hamsters, que foram usados como modelos para o SARS-CoV-2, cientistas de universidades dos EUA e Japão mostraram que a infeção anterior com o vírus proporciona proteção contra a reinfeção e que o tratamento com soro convalescente limita a replicação do novo coronavírus nos pulmões.
Os hamsters-sírios têm tido um importante papel na compreensão das doenças infeciosas humanas. No estudo Hamsters develop protective immunity to COVID-19 and are protected by convalescent sera, liderado por Yoshihiro Kawaoka, da Universidade de Tóquio, e publicado ontem, 22 de junho, no Proceedings of the National Academy of Sciences, estes hamsters foram utilizados como um modelo animal para os investigadores que tentam compreender o vírus SARS-CoV-2.
Os cientistas da Universidade de Wisconsin-Madison, da Universidade de Tóquio e da Escola de Medicina Icahn, Monte Sinai, EUA, sugerem ainda que estes pequenos animais também podem ser usados como modelo animal de pequeno porte para a avaliação de vacinas, tratamentos e medicamentos contra a doença covid-19.
“Os hamsters são bons modelos para a gripe humana e o SARS-CoV”, refere Kawaoka, professor de ciências patológicas no hospital veterinário UW Veterinary Care e professor de virologia na Universidade de Tóquio, citado pela Science Daily.
“Foi por isso que decidimos estudá-los com a covid-19. Queríamos ver se o curso da doença é semelhante ao ser humano nestes animais do princípio ao fim.”
O grupo de investigadores demonstrou, a partir de amostras de doentes colhidas nos EUA e no Japão, que tanto doses baixas como altas do vírus se replicam nas vias respiratórias de hamsters juvenis com um mês de idade e de hamsters adultos, entre sete e oito meses de idade. O vírus pode também infetar tanto as vias respiratórias superiores como as inferiores.
A equipa de investigação mostrou também que o SARS-CoV-2 causa doenças graves nos pulmões dos animais infetados e observaram os efeitos mais graves no prazo de oito dias após a infeção e uma melhoria de dez dias.
“Os hamsters infetados com a SARS-CoV-2 partilham as características da imagem tomográfica com a doença covid-19 humana”, confirma Samantha Loeber, médica veterinária e radiologista do UW Veterinary Care.
No décimo dia após a infeção, os investigadores já não detetaram vírus nos órgãos da maioria dos hamsters, mas os danos pulmonares persistiram durante 14 dias na maioria dos animais e, pelo menos, durante 20 dias na maioria dos infetados com uma dose elevada.
Os investigadores conseguiram detetar o vírus em todos os órgãos respiratórios dos hamsters infetados no prazo de seis dias após a infeção, bem como a partir de amostras colhidas no cérebro, embora estas também contivessem porções do bolbo olfativo, que está envolvido no olfato, podendo ter sido a origem do vírus nessas amostras. A dose inicial do vírus não afetou a quantidade de vírus que os investigadores do vírus encontraram nos órgãos dos animais.
Os investigadores também procuraram, mas não detetaram, vírus nos rins, no intestino delgado, no cólon ou no sangue.
Posteriormente, os investigadores administraram outra dose do vírus a vários dos mesmos animais cerca de três semanas após a infeção inicial e não conseguiram detetar o vírus nas suas vias respiratórias. Apenas encontraram o vírus nas vias respiratórias de animais de controlo não infetados anteriormente. Este teste pretendia determinar se os hamsters tinham desenvolvido anticorpos contra o SARS-CoV-2 e se estavam protegidos de uma reinfeção.
“Os animais possuíam todos anticorpos e não voltaram a adoecer, o que sugere que desenvolveram imunidade protetora”, explica Pete Halfmann, professor de investigação no laboratório americano de Kawaoka, acrescentando ainda que, de momento, não é possível afirmar “quanto tempo dura esta proteção”.
No início de abril, investigadores dos Estados Unidos tinham já realizado um ensaio clínico para examinar se o plasma ou soros de pacientes recuperados da covid-19 poderia ser dado a pacientes doentes para ajudar na sua recuperação.
Para analisar a questão, a equipa de Kawaoka também extraiu soro de hamsters convalescentes, anteriormente doentes. Posteriormente, infetaram novos hamsters com SARS-CoV-2 e depois deram-lhes o respetivo soro, que já continha anticorpos, um ou dois dias após a infeção.
Os hamsters que receberam tratamento um dia após a infeção tinham quantidades muito inferiores de vírus nas suas vias nasais e pulmões do que os que receberam um tratamento de simulação. Os que receberam soro no segundo dia apresentaram um benefício menos considerável. Ainda assim, apresentavam níveis mais baixos de vírus nos seus órgãos respiratórios do que os animais de controlo.
“Isto mostra-nos que os soros convalescentes, ainda experimentais em doentes humanos, podem fazer parte de um tratamento eficaz da covid-19”, acrescenta Kawaoka.
A equipa de investigação obteve também as primeiras imagens das características internas do vírus que ajudam a sua capacidade de se replicar, ou de fazer cópias de si mesmo nas células hospedeiras, o que merece um estudo mais aprofundado.