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Animais de Companhia

“Há quem pense que é patético fazer o luto por um animal de companhia”

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Miguel Barbosa trouxe às XLVII Jornadas Médico-Veterinárias a problemática do luto pela perda de um animal de companhia. O psicólogo admitiu que a sociedade ainda não olha para este assunto com empatia e deixou aos profissionais alertas sobre a fadiga por compaixão que podem desenvolver ao ver o sofrimento de alguns clientes.

No primeiro dia das XLVII Jornadas Médico-Veterinárias – organizadas em conjunto pela Faculdade de Medicina Veterinária (FMV) da Universidade de Lisboa, pelo Hospital Escolar Veterinário e pela Associação de Estudantes da FMV – Miguel Barbosa trouxe ao encontro uma das temáticas que mais preocupa a classe médico-veterinária: a saúde mental.

 

O convidado falou do impacto que a ligação entre o tutor e o animal de companhia tem na prática clínica dos profissionais de medicina veterinária e das repercussões que, nos dias de hoje, a perda de um animal de família tem na saúde mental do tutor e, por consequência, na relação deste com o médico veterinário e restante equipa.

“As pessoas fazem um luto semelhante ao luto de perdas humanas e as manifestações são basicamente as mesmas.” – Miguel Barbosa, psicólogo

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O psicólogo está a conduzir um estudo sobre o luto dos tutores pelo falecimento dos animais de companhia e os dados até agora recolhidos já demonstraram que “as pessoas fazem um luto semelhante ao luto de perdas humanas e as manifestações são basicamente as mesmas”. Isto, muito embora, por vezes a sociedade não compreenda esse sentimento vivido pela perda de um animal de companhia. “Há quem pense que é patético alguém fazer o luto por um animal de companhia”, reconheceu o psicólogo.

É certo que cada pessoa encara as perdas, seja de que teor forem, de forma muito individualizada, tendo em conta as ferramentas pessoais que possui a nível psicológico, mas Miguel Barbosa deixou aos presentes alguns fatores que podem ser vistos como preditivos de trajetórias de luto mais complicadas.

 

No caso do luto pela morte de um animal de companhia, a intensidade da relação com o tutor pode influenciar a forma como irá decorrer o luto, assim como a causa de morte do animal: se foi uma morte súbita, se foi uma eutanásia ou se houve a perceção do sofrimento por que o animal passou.

Por exemplo, nos casos em que foi realizada uma eutanásia “um dos sentimentos que tipicamente surge é a culpa, as pessoas têm dúvidas se aquela foi a melhor opção”, descreveu o orador, admitindo que a forma como a comunicação é feita por parte dos profissionais de veterinária pode contribuir para esse sentimento de culpa e remorso que aparece recorrentemente nestas situações.

 

Enquanto psicólogo, Miguel Barbosa reconhece a importância do  funeral ao animal de companhia como “um momento-chave para o luto, que ajuda a transição e muito contribui para a aceitação da perda e da expressão dessas emoções”.

No estudo que o psicólogo está a conduzir na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa sobre o luto pelos animais de companhia, os dados preliminares também já permitiram verificar que “uma grande parte das pessoas teve oportunidade de se despedir do animal”, o que pode ajudar no processo de luto e deve ser algo que a medicina veterinária deve facilitar, se for essa a vontade do tutor.

Ainda assim, apenas 2% dos inquiridos fizeram um funeral ao animal de companhia. Enquanto psicólogo, o orador reconhece a importância deste ritual como “um momento-chave para o luto, que ajuda a transição e muito contribui para a aceitação da perda e da expressão dessas emoções”.

À audiência, composta por alunos da Faculdade de Medicina Veterinária e profissionais já formados, Miguel Barbosa sublinhou o papel que as equipas têm nestes processos de luto, “a começar pela forma como é feita a comunicação das notícias, de uma forma sensível, pela forma como abordam as questões da eutanásia”, mas também “como validam o sofrimento das pessoas e prestam apoio”. Nesse sentido, as clínicas e hospitais veterinários têm, cada vez mais, de pensar em oferecer serviços de cremação, oferecer contactos de grupos de apoio, “ter parcerias com profissionais de saúde mental ou até fazer um simples contacto de follow-up [com o tutor] passado umas semanas”, sugeriu o psicólogo, tudo ações que podem ajudar o tutor a viver a perda.

As clínicas e hospitais veterinários têm, cada vez mais, de pensar em oferecer serviços de cremação, oferecer contactos de grupos de apoio, “ter parcerias com profissionais de saúde mental ou até fazer um simples contacto de follow-up [com o tutor] passado umas semanas”. – Miguel Barbosa, psicólogo

Identificar e prevenir a fadiga de compaixão

Quem, por vezes, se torna o alvo da revolta e do sentimento de culpa do tutor acaba por ser o profissional de medicina veterinária, tantas vezes também ele a lidar com a tristeza de realizar uma eutanásia a um animal que conhece desde cachorro ou desde gatinho bebé.

“Se formos humanos e se formos expostos de forma prolongada e excessiva a situações dolorosas e traumáticas, acabamos por correr o risco de desenvolver fadiga por compaixão”, reconheceu o orador.

Ao contrário do burnout, que passa mais pela insatisfação com o trabalho, a fadiga por compaixão é, sobretudo, caracterizada por “um envolvimento excessivo com os clientes que estão em sofrimento”. Deve-se, na maioria dos casos, a uma exposição contínua e repetida a situações de trauma, de sofrimento e de perda de outros, a uma incapacidade de controlar o stress no trabalho, a um excesso de responsabilidade, ao descurar do autocuidado e até a traumas passados que não foram resolvidos.

As equipas devem estar atentas aos profissionais que dão sinais que podem passar por faltas ao trabalho, atrasos inexplicáveis, erros clínicos ou quedas no desempenho de forma a agir já que tanto a fadiga por compaixão como o burnout “têm consequências pessoais e para o sistema nomeadamente a perda de produtividade”.

Aconselhando a assistência, Miguel Barbosa destacou a importância de ações que podem ser desenvolvidas em três níveis na prevenção do burnout e da fadiga por compaixão.

A nível primário é necessário atuar antes que as condições se instalem, aprofundando a capacidade de os profissionais fazerem uma autoanálise à saúde mental, nunca subestimando a vulnerabilidade pessoal.

A nível da prevenção secundária, mais virada para a as organizações, é importante que as equipas estejam capacitadas para identificar os casos o mais precocemente possível e haja uma aposta em estratégias de redução de stress – como workshops de ioga, mindfullness ou meditação – durante o horário de trabalho.

A atuação ao nível terciário já diz respeito aos casos em que os problemas de saúde mental já estão instalados e, nesses momentos, o fundamental é procurar a intervenção de um profissional de saúde metal.

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