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Foco no enfermeiro veterinário em cuidados hospitalares

enfermagem veterinária

A 7ª edição do Congresso Internacional de Enfermagem Veterinária (CIEV), decorreu nos dias 18 e 19 de março e teve como tema principal “Hospitalização de A a Z”, destacando os cuidados especializados de enfermagem veterinária no paciente hospitalizado.

Este ano a organização do VII CIEV esteve a cargo da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo em parceira com a Associação de Enfermeiros Veterinários Portugueses (AEVP) que delinearam um programa composto por seis painéis – Monitorização, Nutrição e Fluidoterapia, Controlo de Infeções, Dor e Analgesia, Hospitalização em Patologias Específicas e Novos Animais de Companhia – em que os enfermeiros têm um papel determinante em ambiente de centro de atendimento médico e veterinário.

 

Comer para recuperar e não recuperar para comer

Alimentar um animal doente tem desafios e estes foram o âmbito da intervenção da médica veterinária Marta Hervera Abad, diplomada pelo  European College of Veterinary and Comparative Nutrition . “O doente hospitalizado está em risco de má nutrição”, começou por reconhecer a especialista, já que a ingestão voluntária reduzida ou nula é precisamente “um dos primeiros sinais de que o animal está doente”. Em associação, o animal pode também perder nutrientes devido aos sintomas apresentados – como vómitos e diarreia – e podem existir alterações no metabolismo dos nutrientes decorrentes da doença que o afeta, uma conjugação

 

de fatores pode conduzir o animal a um estado catabólico e colocá-lo em risco de vida.

A ideia principal defendida por Marta Hervera Abad é que “o animal precisa comer para recuperar e não que precisa recuperar para começar a comer”, tal como refere o guia de alimentação para cães e gatos da World Small Animal Veterinary Association (WSAVA).

 

Segundo a especialista, manter fichas de monitorização individualizadas e detalhadas com anotações com o que se oferece ao animal e o que este comeu mesmo é fundamental para perceber se as quantidades energéticas consumidas correspondem às que o animal necessita para sobreviver.

No que respeita à atuação no suporte nutricional, “a nossa primeira escolha vai ser sempre a ingestão voluntária, mas se estamos num quadro de hospitalização esta nem sempre é possível”, admitiu, sendo necessário recorrer à alimentação enteral ou parenteral. – Marta Hervera Abad, médica veterinária

 

No que respeita à atuação no suporte nutricional, “a nossa primeira escolha vai ser sempre a ingestão voluntária, mas se estamos num quadro de hospitalização esta nem sempre é possível”, admitiu, sendo necessário recorrer à alimentação enteral ou parenteral.

Nas tentativas de ingestão voluntária as estratégias podem passar por escolher texturas e sabores de acordo com o gosto do animal, facilitar o acesso ao alimento e reduzir o stresse associado à alimentação permitindo que esta se realize num ambiente calmo ou seja dada pelos tutores. A alimentação forçada é contraproducente e pode mesmo “colocar em risco a recuperação do animal”, sublinhou.

Na nutrição enteral, a escolha das sondas, a temperatura do alimento e a textura correta são elementos a ter em conta.

Mas seja qual for o método escolhido quando é delineado o plano nutricional individual do doente há três perguntas que, segundo a especialista, é sempre necessário responder: o quê – escolher entre dietas líquidas e patês dependendo do tipo de sonda – o quanto – assegurar a correta quantidade de calorias – e o como – o método que assegure a eficácia na alimentação.

Controlo de infeções: a visão One Health

Saúde humana e saúde veterinária juntas no controlo das infeções hospitalares e no combate à resistência aos antimicrobianos. Foram estas duas visões que estiveram em destaque no painel dedicado ao tema “Controlo de Infeções”.

Paulo Brois tem um olhar que abrange as duas áreas. Enfermeiro no Hospital de Beja e mestre em Medicina Veterinária, o especialista fez um apanhado da evolução do combate às infeções hospitalares e à resistência aos antimicrobianos na saúde humana e como a veterinária pode ir beber ao desenho desta estratégia.

A nível nacional, para fazer frente às infeções associadas aos cuidados de saúde (IACS) foi desenhado o Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA) com recomendações de boas práticas que devem ser aplicadas por todos os profissionais de saúde a todos os utentes, desde o isolamento de doentes, à higienização das mãos, etiqueta respiratória, ao controlo ambiental e recolha segura de resíduos.

Paulo Brois acredita que a pandemia causada pelo SARS-CoV-2, ajudou à visibilidade e “adesão à abordagem One Health”, e considera que “uma maior sensibilização para este entrosamento entre saúde humana, saúde animal e saúde e ambiental é importante não só no combate à resistência aos antimicrobianos, como também na prática clínica humana e veterinária”.

Atendendo ao facto de os procedimentos serem cada vez mais invasivos na medicina veterinária, o enfermeiro considera que “a partilha de conhecimentos entre medicina humana e medicina veterinária e entre a enfermagem humana e a enfermagem veterinária seria uma mais-valia nesta área da prevenção e controlo de infeções, afinal temos práticas bastante comuns”.

Uma visão partilhada com Patrícia Poeta, para quem a resistência a antibióticos em animais “é realmente um problema de saúde pública nos humanos”.

Na opinião da investigadora de Microbiologia na área da medicina veterinária, o problema da resistência aos antimicrobianos “é multifatorial e tem a ver com a prescrição de antibióticos quando muitas vezes não são necessários, o que acontece quer em medicina humana, quer em medicina veterinária, mas felizmente a situação atual já é diferente e tanto o médico, como o médico veterinário, já pensam mais antes de administrar o antibiótico”.

Dentro do conceito de One Health, a proliferação de bactérias resistentes a antibióticos existe em vários nichos – desde cursos de água, solo, ar – e os estudos indicam que 75% a 90% dos antibióticos usados em humanos e food animals são excretados no meio ambiente e grande parte não é metabolizada.

Patrícia Poeta defendeu, como medidas para minimizar os problemas da resistência antimicrobiana em animais de produção, a criação de diretrizes para manter os animais de produção saudáveis no que respeita à alimentação, medicação, manejo e higiene e a utilização de mais ferramentas de diagnóstico rápido para promover um melhor uso dos antibióticos.

“Minimizar a contaminação ambiental é extremamente importante”, referiu a oradora, defendendo o desenvolvimento de programas de vigilância para avaliar a contribuição da poluição ambiental com antimicrobianos, resíduos de antimicrobianos e bactérias resistentes e multirresistentes. A médica veterinária considera que será imperativo identificar o papel exato do ambiente e estabelecer estratégias para minimizar a contaminação cruzada ambiental por antimicrobianos e bactérias resistentes.

“É nosso dever moral e ético minimizar o sofrimento produzido pela dor”

No painel dedicado ao tema “Dor e Analgesia”, a enfermeira veterinária Sandra Félix falou sobre o reconhecimento da dor no cão que “se não for prevenida, reconhecida e tratada vai induzir um estado catabólico que se traduz em perdas de energia desnecessárias que aumentam o período de recuperação” e podem pôr em risco a vida do animal.

Quanto às manifestações fisiológicas da dor no cão, as mais consensuais são a taquicardia, a taquipneia, a hipertensão, a midríase, a hipertermia e a hipersiália. Contudo, advertiu a enfermeira, “estas manifestações fisiológicas não são de grande uso porque não são exclusivas dos processos dolorosos e podem estar associadas a outros processos patológicos e, por isso mesmo, são de relevância limitada”.

Nessa medida, sublinhou, que a “forma mais fidedigna de identificar a dor continua a ser através das manifestações comportamentais” do cão, nomeadamente a vocalização, o comportamento social diminuído, a inquietude ou decréscimo de atividade, uma postura anormal, a relutância em movimentar-se, a diminuição da ingestão de água, as alterações de temperamento e da expressão facial ou tremores e automutilação da zona afetada, alterações que devem ser avaliadas tendo em conta os comportamentos de base da raça.

A enfermeira veterinária salientou a importância da utilização das escalas de dor, sugeridas pela American Animal Hospital Association (AAHA), e sublinhou a importância do papel do enfermeiro veterinário no manejo da dor dado pelas diretivas publicadas pela WSAVA 2014: “É nosso dever moral e ético minimizar o sofrimento produzido pela dor e tudo começa na avaliação da dor em todos os contactos com os nossos pacientes”.

A AAHA também publicou normas para o manejo da dor nas quais se destaca uma lista sobre as funções do enfermeiro veterinário, que passam por obter uma história clínica, antecipar procedimentos dolorosos, reconhecer e identificar sinais de dor, comunicar com o médico veterinário e aplicar o tratamento prescrito e manter uma comunicação ativa e eficiente com os tutores. Susana Felix destacou que estas orientações sofreram uma evolução já este ano, nas quais se refere que os enfermeiros veterinários devem “ter uma atitude mais proativa e não tão reativa, prevendo a dor e não apenas tratá-la”.

Estar atento antes, durante e depois do nascimento das crias

Paulo Borges trouxe o tema “Cuidados Pré-natais, Neonatais e Pediátricos em Pequenos Animais” ao encontro. Na opinião do médico veterinário especialista em reprodução animal, estes cuidados começam numa abordagem pré-reprodutiva assertiva e num bom acompanhamento da gestação.

Centrando-se no nascimento, no que diz respeito à reanimação neonatal as complicações estão muitas vezes relacionadas com a anestesia da cadela e o especialista defendeu que “é importantíssimo saber gerir a anestesia e, sobretudo, uma anestesia de uma cesariana” já que a barreira placentária é muito pouco eficaz a barrar os anestésicos.

Paulo Brois acredita que a pandemia causada pelo SARS-CoV-2, ajudou à visibilidade e “adesão à abordagem One Health”, e considera que “uma maior sensibilização para este entrosamento entre saúde humana, saúde animal e saúde e ambiental é importante não só no combate à resistência aos antimicrobianos, como também na prática clínica humana e veterinária”.

Na cadela peri-parturiente, devido à ansiedade e à dor, Paulo Borges considera importante ponderar a utilização de benzodiazepinas e dexmedetomidina e evitar moléculas não antagonizáveis ou opiodes para controlo de dor e nomeia como “importantíssima” a preparação da cadela com pré-oxigenação, fluidoterapia.

Quanto ao recém-nascido, a grande maioria dos problemas neonatais estão relacionados com a hipotermia, a desidratação, a hipoglicemia e a hipoxia.

Como os cachorros nas primeiras três semanas não conseguem regular a temperatura, após o parto estes devem ser colocados num ambiente quente e a sua temperatura deve ser monitorizada para que nunca desça abaixo dos 35º. Se tal acontecer, o cachorro vai ter uma diminuição da motilidade intestinal que pode evoluir para sépsis neonatal “que é, provavelmente, o motivo número um de mortalidade neonatal”.

A hipoglicemia é das coisas mais fáceis de medir, picando uma orelha ou pata. Quando ocorre, diz o médico veterinário, “temos de a corrigir o mais rapidamente possível para salvar a vida ao cachorrinho”.

“A hipoxia provavelmente é o ponto fulcral para o sucesso neonatal e, provavelmente, é o que controlamos menos, infelizmente”, admite Paulo Borges. A condição pode ser observada na cianose na mucosa e nas extremidades, embora o veterinário reconheça que “não é fácil, é preciso estar atendo”. O principal sinal de alerta é a cor azulada do cachorro à qual se junta a bradicárdica e a diminuição do reflexo de sucção. O tratamento deve ser imediato e “estes animais devem ser alimentados através de sondagem orogástrica para não haver refluxo”, monitorizando sempre os reflexos de sucção, o reflexo de busca e o reflexo de reposicionamento. Se esta condição não for detetada no final desse período neonatal precoce “tem uma taxa de mortalidade aumentadíssima”, concluiu.

Os desafios dos novos animais de companhia

São cada vez mais usuais nos lares nacionais, o que traz desafios para os profissionais em veterinária. A enfermeira Rute Nascimento abordou o tema “Reconhecimento da Dor em Novos Animais de Companhia” e começou por referir que “é crucial conhecer o comportamento normal de cada espécie”, para identifica quadros de dor, muito embora estas espécies presa são consideradas peritas em “esconder os sinais de dor mantendo a sua aparência normal” para não chamar a atenção dos predadores.

Por exemplo, os coelhos, “tendem a esconder os sinais de dor e a manter a aparência normal” e quando estão a ser observados mantêm-se imóveis, “uma imobilidade transversal a todas as espécies presa, o que dificulta perceber se estão com dor”, explica a enfermeira.

Para identificar quadros dolorosos nesta espécie é necessário estar atento a estados de ansiedade, apreensão, a uma aparência curvada, ao isolamento e vocalização, à diminuição ou ausência da produção de fezes, anorexia ou hiporexia. Outros sinais são a agressividade num animal normalmente dócil, um padrão respiratório alterado, a postura e ou marcha alteradas, bruxismos, limpeza excessiva ou falta de higiene geral, a diminuição da atividade na gaiola e na atividade social, o pressionar o abdómen no chão, a expressão facial tensa e os olhos semicerrados.

Já os porquinhos-da-Índia quando têm dor podem ficar mais agressivos, permanecer em silêncio durante a manipulação e a expressão facial altera-se. Outros sinais são os olhos afundados e sem brilho, o esforço respiratório, a perda de peso, a queda de pelo, a pele descamativa ou a desidratação.

As aves “sentem a dor tal como os mamíferos, mas os sinais são menos óbvios que nos mamíferos”, referiu a enfermeira. Perante a dor aguda podem exibir uma vocalização excessiva e bater as asas, e os animais com quadros prolongados de dor podem desenvolver comportamentos de preservação, nos quais “é comum desenvolver anorexia, apatia, olhos semicerrados, penas emplumadas e normalmente deixam-se manipular com mais facilidade”, enumerou Rute Nascimento.

Nas aves com dor podem também ser observados movimentos da cabeça aumentados em extensão e frequência, relutância em manter-se de pé ou mover-se, apatia, aparência curvada e pescoço encolhido, aumento da frequência respiratória e cardíaca e podem mesmo arrancar penas da zona afetada.

No caso dos répteis, existem “milhares de espécies com imensas diferenças a nível físico e comportamental e fica ainda mais difícil de reconhecer a dor”, admitiu a enfermeira. “Mas mesmo que não se saiba se o procedimento ou a condição do animal é dolorosa podemos dar sempre o benefício da analgesia”, acrescentou.

São animais que não exibem sinais óbvios de dor, apenas mudanças subtis de comportamento, que no caso da dor aguda podem ser um pouco mais exuberantes, como o aumento da atividade, a vibração e contrações musculares. Rute Nascimento conta que “os camaleões parecem um telemóvel a vibrar”.

Quando se trata de dor crónica as manifestações são menos exuberantes, como a apatia, a anorexia e a imobilidade ou restrição dos momentos na zona afetada, como o caso das serpentes “que não enrolam na zona onde está dorido”.

Consensual é que, “dor não tratada aumenta a morbilidade e a mortalidade em todas as espécies, especialmente as exóticas que são um pouco mais suscetíveis à dor, refere.

Ao nível dos cuidados de enfermagem, Rute Nascimento diz que estes animais devem ter alojamento apropriado longe da visão e dos cheiros de espécies predadoras e numa área tranquila, devem ser mantidos limpos e secos e com acesso fácil a água e alimentação e deve ter-se sempre cuidado nas manipulações para evitar situações de stress desnecessárias.

*Artigo publicado originalmente na edição n.º 159 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de abril de 2022.

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