É um facto indesmentível que temos cada vez mais dificuldade em recrutar profissionais para os nossos centros veterinários, em particular médicos veterinários. Mas reter talentos é um processo que requer muita atenção, dada a crescente escassez de profissionais qualificados e aumento da procura no mercado. O argumento de que os colaboradores saem para ganhar mais dinheiro é cada vez mais um mito, pois a remuneração raramente é a principal causa de saída, mas sim uma consequência da procura de alternativas. Quando as pessoas não se sentem bem no seu trabalho, começam a procurar soluções. A acomodação não é claramente um processo que assiste os jovens de hoje. E não nos podemos esquecer que estamos a assistir à transição da geração dos millennials para os digital natives, o que significa que teremos que enfrentar novos desafios nos próximos anos… Obviamente que ganhar menos não é uma opção, pelo que os colaboradores procurarão alternativas que lhes garantam pelo menos a remuneração que já tinham ou, idealmente, um pouco superior.
Pela nossa experiência nas entrevistas aos profissionais dos CAMV, conseguimos identificar cinco principais razões que motivam a sua saída:
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Falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional
O equilíbrio entre o tempo dedicado ao trabalho, à família, aos amigos e a nós próprios é fundamental para a nossa saúde física e mental. Está mais do que provado que mais horas de trabalho não se traduzem em maior produtividade. Nos CAMV temos a particularidade de termos que fazer urgências, turnos, fins-de-semana, noites ou horas extras, pelo que se torna muito difícil para um gestor definir horários que agradem a “gregos e troianos” e contribuir de forma eficaz para o tal equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos seus colaboradores. Mas obviamente que um CAMV bem organizado, disciplinado, com profissionais produtivos e que sabem gerir o seu tempo e stress, apresenta claramente resultados quantitativos e qualitativos mais favoráveis.
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Falta de reconhecimento por parte da chefia
O reconhecimento sincero tende a fazer mais pela motivação das pessoas e pela sua fidelidade à empresa do que qualquer outro tipo de incentivo. Trabalhar com dedicação e brio profissional e não ver esse trabalho ser reconhecido ou valorizado pela chefia é uma das principais fontes de desmotivação de profissionais nos centros veterinários. A sinceridade no reconhecimento “vê-se”, pelo que quando decidir dar a tradicional “palmadinha nas costas”, elogiar ou simplesmente agradecer um colaborador, não se esqueça de o fazer de uma forma verdadeiramente genuína. E quanto mais específico e atempado for o reconhecimento, demonstrando um conhecimento detalhado do trabalho que o colaborador fez e do impacto que teve, perante os colegas e/ou chefias, mais eficaz ele é. O reconhecimento normalmente só traz vantagens: não só motiva o colaborador, promovendo a sua autoconfiança, produtividade e lealdade, como também proporciona um sentimento de conforto e bem-estar nos restantes elementos da equipa.
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Falta de desenvolvimento profissional
O setor veterinário continua a evoluir muito favoravelmente do ponto de vista técnico (competência, formação, serviços, procedimentos clínicos, especialidades, …) e tecnológico, havendo um estímulo constante para uma possível mudança de emprego. A falta de perspetivas de crescimento profissional e de evolução na carreira é, infelizmente, uma realidade em muitas empresas, onde naturalmente se inclui o setor veterinário. Na maioria dos CAMV não há sistemas de avaliação de desempenho ou conversas formais para aferir as expetativas e nível de motivação dos colaboradores. Recomendo sempre aos gestores dos CAMV que tenham pelo menos uma conversa por ano com os seus colaboradores, em contexto privado e de abertura recíproca entre chefe e colaborador. Sem taboos nem cinismos, e num ambiente de mútuo respeito. É cada vez mais necessário planear atempadamente o percurso dos colaboradores, auscultar e gerir regularmente as suas expetativas e progressão profissional e, caso efetivamente não existam soluções adequadas, planear a sucessão, garantindo a passagem de conhecimento antes da saída (na medida do possível). Quanto mais sincero, compreensivo e “humano” for neste processo, maior será a propensão de uma saída tranquila e colaborativa do colaborador.
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Mau ambiente de trabalho
Todos nós precisamos de nos sentir seguros e apoiados para sermos capazes de admitir erros, colocar questões ou para simplesmente pedir orientação quando não sabemos o que fazer. Infelizmente, ainda existem vários CAMV com ambientes tóxicos e/ou altamente competitivos, onde as pessoas têm medo de falar ou partilhar os seus sentimentos. Um mau ambiente de trabalho contribui para o aumento dos níveis de stress e ansiedade e promove a desconfiança e a inércia. E enquanto as pessoas estão ocupadas a defenderem-se dos colegas ou dos chefes, não estão focadas em fazer bem o seu trabalho nem a contribuir para o crescimento da empresa. Só criando ambientes colaborativos e de confiança, assentes em orientações comportamentais bem definidas (código de conduta) e onde os líderes representem o “exemplo” (uma das premissas que pessoalmente mais valorizo) é possível promover a cada vez mais aclamada “felicidade no trabalho”. A minha experiência diz-me que as ações de teambuilding devem ser realizadas de uma forma recorrente e não apenas pontual, seja com um breve lanche, almoço, atividade radical ou fim de semana. Surpreenda, seja criativo e potencie o espírito de equipa e bom ambiente no seio da sua empresa. Não se limite aos convencionais jantares de Natal ou “cantar os Parabéns” aos colaboradores aniversariantes.
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Falta de liderança
Falar sobre “liderança” daria para elaborar uma tese. Existe um enorme problema de liderança nas nossas empresas, e grande parte dele é motivado pela falta de formação e de bons critérios de igualdade e promoção. Li algures que “as pessoas não deixam más empresas, deixam maus líderes”. Só porque uma pessoa é muito boa tecnicamente numa determinada função, não faz dela, necessariamente, uma boa líder. Por outras palavras, as soft skills (habilidades pessoais e intangíveis) são tão ou mais importantes que as hard skills (competências técnicas). A boa notícia é que as competências de liderança podem ser ensinadas e treinadas, mas a má é que não é que não se aprende em dois dias.
Para a maioria dos colaboradores, é mais fácil dizer que saem pelo aumento de remuneração, ainda que tenha sido por valores residuais. A verdadeira questão que deve ser colocada é: “porque é que o colaborador foi à procura de outro emprego?”. Eis a questão. Está na altura de os líderes começarem a investir algum tempo nas entrevistas de “saída” de colaboradores…
*Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 160 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de maio de 2022.