No atual contexto, marcado por alterações climáticas significativas, a incidência de dirofilariose tem tendência a aumentar, devido ao consequente alargamento das zonas e do período endémicos. Provocada pelo nemátodo Dirofilaria immitis – transmitido através da picada de mosquitos – esta parasitose afeta sobretudo cães, mas é cada vez mais diagnosticada em gatos. Além dos animais de companhia, também há registo de dirofilariose em animais silvestres, de acordo com investigação nacional levada a cabo nesta área.
A dirofilariose divide-se em duas doenças: dirofilariose cardiopulmonar, provocada pelo nemátodo Dirofilaria immitis; e dirofilariose subcutânea/ao nível de outros tecidos, provocada pelo nemátodo Dirofilaria repens.
“Ambas as formas desta parasitose já foram registadas em Portugal, tendo a primeira muito maior expressão, com uma prevalência relativamente comum em algumas regiões como o Alentejo, Algarve e Região de Lisboa e Vale do Tejo”, explica à VETERINÁRIA ATUAL o docente da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMVUL) Luís Madeira de Carvalho.
Trata-se de uma doença transmitida “por insetos culicídeos, nomeadamente do género culex, embora, por vezes, outros géneros também possam ser importantes na transmissão, dependendo da sua capacidade vetorial”, daí que seja particularmente prevalente em zonas húmidas, próximas de rios, rias ou arrozais, adianta o também investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação em Sanidade Animal da FMVUL.
As alterações climáticas são, no entender de Madeira de Carvalho, responsáveis por uma tendência de aumento da incidência de dirofilariose, provocando um alargamento não só das zonas hiperendémicas, mas também dos períodos de maior risco endémico.
“Esta é uma parasitose que beneficia das alterações climáticas e a sua incidência poderá vir a aumentar em algumas zonas, principalmente se os médicos veterinários e os tutores dos animais não se aperceberem dos pormenores epidemiológicos que poderão condicionar este aumento de incidência” – Luís Carvalho
 
“Há uns anos, levámos a cabo um trabalho de investigação que mostra um aumento de prevalência – quer em animais que expressam sinais clínicos, quer em animais assintomáticos – de Norte para Sul do País”, avança o professor da FMVUL, justificando este facto com o aumento da temperatura, o que, em conjunto com a humidade, é ótimo para o desenvolvimento dos mosquitos”. Porém, advoga, “o contexto é de mudança constante, já que hoje em dia – e de acordo com um trabalho recente – há zonas mais a Norte em que foi encontrada uma prevalência elevada de dirofilariose, não só em cães, mas também em gatos”. A doença também afeta furões, espécie cada vez mais popular como animal de companhia a nível nacional, adianta.
Na ótica do investigador, “esta é uma parasitose que beneficia das alterações climáticas e a sua incidência poderá vir a aumentar em algumas zonas, principalmente se os médicos veterinários e os tutores dos animais não se aperceberem dos pormenores epidemiológicos que poderão condicionar este aumento de incidência”, adverte.
Principais sintomas e manifestações clínicas
Nesta doença, o parasita adulto chega a atingir cerca de 20 cm de comprimento, vivendo no ventrículo direito do coração e na artéria pulmonar. No coração e artéria pulmonar de um animal parasitado, podem viver entre uma a 200 dirofilárias.
Numa fase inicial da infestação por Dirofilaria immitis, o animal começará por apresentar uma pequena tosse acompanhada de dispneia de esforço e à medida que a doença progride o animal começa a sentir-se cada vez mais afetado em termos cardiorrespiratórios. De acordo com Luís Madeira de Carvalho, “a artéria pulmonar vai-se tornando cada vez mais espessa e inflamada, aumentando o esforço que o coração tem de despender para bombear o sangue através dos parasitas – que pelo seu tamanho vão formando verdadeiros ‘rolhões’ na circulação – até aos pulmões, afetando as funções cardíaca e respiratória”.
Sem o devido diagnóstico e necessário tratamento, a progressão da doença conduz à síndrome de insuficiência cardíaca, “com a agravante de estas microfilárias que entram em circulação se poderem alojar no cérebro, no fígado, no rim, portanto, em vários órgãos, acabando por afetar toda a economia orgânica”, alerta o veterinário, membro da direção da European Scientific Counsel Companion Animal Parasites (ESCCAP).
Tratamento implica contexto hospitalar
O tratamento desta parasitose consiste em duas fases: a primeira é dirigida a matar as dirofilárias adultas; a segunda visa matar os “bebés” em circulação, de forma a evitar a infestação de novos animais.
O tratamento clássico da dirofilariose canina compreende a administração de anti-helmínticos, que visam a eliminação dos parasitas, e terapia de suporte, por forma a minimizar a ocorrência de efeitos secundários associados à morte dos parasitas adultos.
Note-se que este tratamento é particularmente complexo, nomeadamente pelo risco de complicações tromboembólicas.
A este propósito, Luís Madeira de Carvalho refere: “Por vezes os animais estão de tal forma parasitários que o tratamento não pode ser efetuado no domicílio, mas em contexto de clínica/hospital veterinário. Isto porque os medicamentos que vamos utilizar – tiacetarsamida sódica ou melasormina – provocam uma destruição muito rápida e muito intensa dos parasitas, o que faz com que o animal tenha reações bastante inusitadas face à terapêutica, exigindo o acompanhamento pelo médico veterinário ou por cuidados de enfermagem/tratamentos de suporte”.
A importância de prevenir a nível interno e externo
Uma vez que o tratamento da dirofilariose, além de dispendioso, acarreta riscos para o animal, torna-se mais económico e seguro prevenir do que tratar a doença.
E esta prevenção “tem que ocorrer a vários níveis”, defende Madeira de Carvalho, recomendando que “os tutores cumpram os planos de desparasitação, porque o que verificamos é que as pessoas tendem a relaxar no que concerne aos períodos de administração da profilaxia”. De acordo com o professor, “desde que uma prevenção ao nível interno e externo seja efetuada, a saúde dos animais estará mais defendida, obviamente sempre em articulação com aquilo que o médico veterinário assistente aconselha”.
Além disso, “as pessoas têm de se capacitar que, hoje em dia, embora haja zonas endémicas, a mobilidade (de pessoas e animais) diluí estas zonas”, explica o investigador e sempre que o animal se desloca com o tutor deve fazer a profilaxia adequada.
Relativamente à frequência com que o tratamento preventivo é feito, “vai depender do princípio ativo utilizado”, esclarece o veterinário, acrescentando que “os primeiros fármacos que apareceram, na década de 90 – essencialmente baseados em lactonas macrocíclicas – pressupõem administração de um comprimido mensal nas épocas de maior risco de infeção. Porém, se na altura em que estes produtos foram lançados, o período de maior risco mediava entre abril e outubro, atualmente, estes períodos encontram-se pulverizados”. Um estudo levado a cabo pela equipa de investigação de Madeira de Carvalho, acerca das épocas de maior risco de infeção em Portugal por Dirofilaria immitis concluiu que o risco aumenta de Norte para Sul e que em zonas mais a Sul – mas também na ilha da Madeira (outra das nossas zonas hiperendémicas) – verificou-se que, neste momento, já há praticamente dez meses de possibilidade de atividade de mosquitos. “O que dantes era um período de desparasitação preventiva de seis meses, neste momento está a alargar-se, sendo que a tendência de recomendação de administração destes produtos já começa a ser de uma vez por mês durante todo o ano. A maior parte deles são administrados per os ou com pipetas. Mesmo que o parasita seja inoculado previnem o seu desenvolvimento”, sustenta o docente da FMVUL.
Mas, em termos de prevenção, há mais a fazer além da administração destes princípios ativos, aponta Madeira de Carvalho: “Temos que trabalhar preventivamente a outros níveis e com outras soluções, como coleiras repelentes e/ou inseticidas”.
Abordagem One Health faz a diferença
“É fundamental estarmos atentos para o facto de animais de companhia e silvestres cada vez partilharem mais ambientes e, consequentemente, mais agentes, sendo a Dirofilaria immitis um caso desses”, frisa o docente das cadeiras de Parasitologia e de Medicina dos Animais Silvestres e da Conservação.
Assim sendo, “esta zoonose também pode aparecer em raposas, lobos e noutros carnívoros. Em Portugal, inclusivamente, a nossa equipa de investigação já a identificou em leões marinhos e em focas num zoo no Algarve”, relata, apontando o facto de os veterinários ainda desconhecerem o ciclo epidemiológico do parasita, os seus vetores como causa de menos diagnósticos e piores outcomes.
Quanto à abordagem One Health, Madeira de Carvalho é perentório: “Faz todo o sentido, porque quando muito infetados, os animais podem constituir-se como reservatório não só para outros animais, como inclusivamente para humanos. Nos humanos, tanto quanto se sabe, a maior parte das infeções circunscrevem-se aos pulmões, e o parasita não atinge a forma adulta, mas existe o risco de infeção e em termos de zoonose, a Dirofilaria repens é mais grave, na medida em que há muitos mais registos a nível humano”.
*Artigo publicado na edição 169 da VETERINÁRIA ATUAL, de março de 2023.