O despiste atempado e adequado da leishmaniose é essencial para um bom prognóstico da doença. Sabe-se que a zona endémica tem vindo a ser alargada e que, com as alterações climáticas, os animais com parasitas externos surgem durante todo o ano. Com uma abordagem cada vez mais “One Health”, os médicos veterinários assumem um papel primordial na sensibilização dos tutores, mas também dos colegas.
É um tema recorrente em veterinária e ainda mais destacado a partir desta época do ano. No entanto, os diagnósticos de leishmaniose ocorrem regularmente todos os meses. É consensual que a época ideal para testagem é entre janeiro e abril, “quando há menos exposição dos pacientes à picada do flebótomo, o que reduz o número de falsos negativos associados a infeções recentes, que não apresentam titulações de anticorpos à data do exame”, salienta Patrícia Branco, diretora clínica da Clínica Veterinária das Conchas (CVC), em Lisboa, e vice-presidente da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC). A médica veterinária adianta que existem novas evidências que apoiam ainda mais a decisão da testagem nesta altura do ano, “uma vez que parece existir uma variação do título individual de anticorpos entre a época do ano de transmissibilidade e a de não transmissibilidade, o que pode influenciar a decisão clínica terapêutica”.
Nos últimos anos, tem havido uma maior preocupação por parte dos detentores dos animais e dos médicos veterinários em saber se os animais “estão infetados pelo protozoário leishmania infantum ou se estão doentes com leishmaniose. É importante ter em atenção que infeção por leishmania é diferente de leishmaniose”, explica Isabel Pereira da Fonseca, médica veterinária, professora associada com agregação do Departamento de Sanidade Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-ULisboa). Um cão ou gato podem estar infetados sem exibir sinais clínicos nem laboratoriais e essa é uma realidade que tem de se saber gerir “protegendo o animal do contacto com o vetor – insetos fêmeas de cor de amarelo-clara do género Phelebotomus – evitando assim a dispersão da infeção a outros animais e ao Homem”, avança a docente. Nesta como em outras doenças, quanto mais precoce for o diagnóstico, melhor será o prognóstico.
Espera-se que os médicos veterinários estejam devidamente atualizados e esclarecidos quanto à “melhor amostra biológica a colher e quais as técnicas laboratoriais mais adequadas ao diagnóstico da infeção e às diferentes fases da doença. Evitam-se assim resultados de interpretação dúbia que poderão comprometer a evolução da situação”, explica Isabel Pereira da Fonseca. “O diagnóstico da leishmaniose pode ser realizado por múltiplas abordagens, sejam elas fundamentadas no parasita, como a citologia, a histopatologia, a imuno-histoquímica, anticorpos ou técnicas moleculares, como o PCR e qPCR, seja na reação que provocam no organismo do animal hospedeiro a nível humoral (IFI, DAT, ELISA, Western Blot, dot-Elisa, imunocromatografia, por exemplo) ou celular (DTH, linfoproliferação, deteção de citoquinas, etc.), explica João Paulo Costa, médico veterinário e diretor clínico da Trás-os-Vet, em Montalegre. Os testes rápidos têm alguma validade diagnóstica face à comodidade, rapidez e custo, “embora o diagnostico de eleição seja realizado por ELISA, especialmente baseado em IgG ou IgG2”, adianta.
Claro que também na deteção da leishmaniose, o desafio do diagnóstico é grande, desde logo pela complexidade da doença e a ampla gama de manifestações clínicas, desde a infeção inaparente até ao estádio de doença grave, explica Ana Luísa Silva Pinto, médica veterinária responsável pelo departamento de medicina interna do Centro Cirúrgico Veterinário Assafarge (CCVA), em Coimbra. São usadas principalmente “técnicas parasitológicas, moleculares e serológicas, sendo esta última a nossa opção preferencial. A classificação do grau de doença permite prever o prognóstico e implementar uma sucessão de etapas de controlo do animal infetado”, acrescenta.
No que respeita à poderosa arma da prevenção, João Paulo Costa considera que os métodos de que o setor dispõe atualmente não sofreram grandes avanços nos últimos anos. Continua a praticar-se “a vacinação e a aplicação de inseticidas (especialmente nos meses de maior atividade do inseto vetor), nas suas diversas apresentações”. Na Trás-os-Vet, já foram realizadas em anos anteriores, campanhas de diagnóstico e de venda de produtos com inseticida para o controlo do vetor, mas não tiveram grande adesão. “A prevenção é das vertentes clínicas mais difíceis de implementar em zonas de menor rentabilidade per capita, em particular no Barroso”, lamenta.
  “A prevenção é das vertentes clínicas mais difíceis de implementar em zonas de menor rentabilidade per capita, em particular, no Barroso” – João Paulo Costa, Trás-os-Vet
Na vertente preventiva e em áreas endémicas, parece haver alguma investigação nos últimos tempos no sentido de que “a associação de isoxazolinas aos piretróides aumenta a eficácia do controlo da transmissão em massa da leishmaniose”, refere Patrícia Branco. No entanto, estes estudos ainda não atingiram evidência acerca da eficácia em reduzir a probabilidade de infeção individual. No mês de abril, a CVC reforça a comunicação de prevenção de leishmaniose e a proteção contra parasitas externos junto dos tutores.
João Paulo Costa sublinha que, especificamente no caso dos gatos, na ausência de evidências que recomendem outra abordagem, “usa-se um tratamento empírico, fundamentado na terapêutica preconizada para os canídeos, com alopurinol e antimoniato de meglumina administrados em simultâneo, privilegiando sempre uma monitorização muito atenta do animal”. A prevenção com os inseticidas tópicos atualmente disponíveis para gatos “não demonstrou ter efeito na prevenção das picadas pelo flebótomo. Por outro lado, a maioria dos piretróides são tóxicos para os gatos, embora os colares com flumetrina sejam efetivos”, refere, com base nas recomendações Leishvet guidelines.
Avanços no tratamento
João Paulo Costa destaca que “as estratégias de eleição continuam a passar pelo antimoniato de meglumina e a miltefosina. A domperidona está recomendada quer para a prevenção, quer para o tratamento de algumas formas de leishmaniose, numa abordagem imunoterapêutica, modulando uma resposta essencialmente Th1 (celular), considerada de extrema importância no controlo desta enfermidade”.
As guidelines de tratamento publicadas em 2010 continuam a ser, no seu conjunto, as mais atuais, explica Patrícia Branco. “Vão surgindo sempre algumas novidades que a APMVEAC tem procurado trazer anualmente aos seus associados através de formação contínua dedicada ao tema da leishmaniose e às atualizações nas áreas de prevenção, diagnóstico e tratamento”, explica. Mais recentemente, no ano de 2019, surgiram estudos que sugerem a vantagem de, no futuro, serem utilizados “os níveis de imunocomplexos circulantes como indicador de severidade de doença para apoio à decisão terapêutica”. E, em 2020, foram publicadas recomendações no que respeita ao tratamento da leishmaniose com doença renal concomitante, um quadro clínico bastante frequente.
“Vão surgindo sempre algumas novidades que a APMVEAC tem procurado trazer anualmente aos seus associados através de formação contínua dedicada ao tema da leishmaniose e às atualizações nas áreas de prevenção, diagnóstico e tratamento” – Patrícia Branco, Clínica Veterinária das Conchas
Além dos fármacos de primeira linha conhecidos há vários anos pelos seus resultados, encontram-se em curso estudos em vários países, “nos quais se pretende encontrar outras moléculas e estratégias para o tratamento/controlo da leishmaniose”, explica Isabel Pereira da Fonseca.
Para Ana Luísa Silva Pinto, a maior novidade a destacar relaciona a prevenção com as terapêuticas a instituir. A médica veterinária defende que “a crescente aceitação para o uso de uma abordagem multimodal na prevenção da doença, ou seja, o uso combinado de repelentes e a vacinação tem sido aceite pela maioria dos tutores. Por um lado, os repelentes reduzem o risco de infeção, por outro, a vacinação diminui o risco de progressão da doença e a probabilidade de desenvolvimento de sinais clínicos, podendo até prevenir por completo uma eventual infeção”. O sistema de estadiamento da doença, que a divide em quatro estágios, auxilia bastante na terapia adequada, remata.
“A crescente aceitação para o uso de uma abordagem multimodal na prevenção da doença, ou seja, o uso combinado de repelentes e a vacinação tem sido aceite pela maioria dos tutores” – Ana Luísa Silva Pinto, Centro Cirúrgico Veterinário Assafarge
A leishmaniose visceral zoonótica que afeta os cães e outros animais. como raposas, lobos, gatos, roedores, etc. na Bacia Mediterrânea é um problema de saúde pública, sendo endémica em mais de 70 países em quatro continentes, destaca Isabel Pereira da Fonseca. “Porém, existem outras leishmanioses que são doenças exclusivas do Homem e que não estão relacionadas com o cão. É importante salientar que a infeção nos humanos ocorre após a picada do inseto fêmea infetante sendo muito improvável a infeção por contacto direto com um cão com leishmaniose.” A docente sublinha que o risco de contrair a infeção em humanos saudáveis é pequeno. “A leishmaniose humana ocorre sobretudo nas populações mais carenciadas, em áreas rurais ou suburbanas ou em indivíduos imunodeprimidos (VIH/SIDA, transplantados, crianças cujo sistema imunitário ainda se encontra em desenvolvimento, entre outros).” Quando o tratamento é feito corretamente, no Homem, a percentagem de cura é acima dos 95%.
“A leishmaniose humana ocorre sobretudo nas populações mais carenciadas, em áreas rurais ou suburbanas ou em indivíduos imunodeprimidos (VIH/SIDA, transplantados, crianças cujo sistema imunitário ainda se encontra em desenvolvimento, entre outros)” – Isabel Pereira da Fonseca, FMV-ULisboa
Na principal área de intervenção da atividade clínica da Trás-os-Vet não tem existido conhecimento de qualquer caso de leishmaniose humana diagnosticado nos últimos anos, com exceção de um caso grave ocorrido no concelho de Ribeira de Pena, em 2018.
“Este caso caracterizou-se pela dificuldade no diagnóstico, agudizando o estado clínico do paciente que, apesar disso, acabou por ter um prognóstico favorável”, explica João Paulo Costa.
Em áreas endémicas como a de Coimbra, onde se localiza o CCVA, “os tutores e criadores devem ser sensibilizados para não usar animais em reprodução indiscriminada sem que sejam testados previamente”, defende a médica veterinária Rita Coelho, médica veterinária responsável pelo departamento de cirurgia de tecidos moles do CCVA. Outro aspeto a ter em atenção é no despiste a todos os coabitantes de animais suspeitos ou positivos. “A inclusão do despiste desta doença em avaliação pré-cirúrgica e de rotina é crucial”, sugere. A colega Ana Luísa Silva Pinto acrescenta que “o impacto maior da leishmaniose na Saúde Pública ainda não se faz sentir, talvez porque não conhecemos a realidade do número de casos de leishmaniose em humanos”.
Em áreas endémicas como a de Coimbra, onde se localiza o CCVA, “os tutores e criadores devem ser sensibilizados para não usar animais em reprodução indiscriminada sem que sejam testados previamente”, defende a médica veterinária Rita Coelho
O que mudou com as alterações climáticas?
Em Portugal, sabe-se que entre março e outubro “se situa a época mais propícia para o desenvolvimento do inseto phlebotomus sendo as leishmanias transmitidas durante a alimentação das fêmeas (os machos são fitófagos)”, explica Isabel Pereira da Fonseca. No entanto, ocasionalmente, em outros meses fora deste intervalo podem surgir condições favoráveis à existência de flebótomos pelo que é aconselhado manter os animais protegidos contra o vetor durante todo o ano, esclarece. “Algumas alterações climáticas criam condições ideais para a expansão do habitat do inseto vetor e, consequentemente, desta doença com base genética.”
Na Trás-os-Vet têm sido diagnosticados cada vez mais casos em meses em que não seria expectável quando em comparação com o que acontecia há uns anos. “Com as alterações climáticas, especialmente pela subida recorrente das temperaturas médias anuais e pelo desvanecimento das transições muito marcadas das estações do ano, têm surgido picos de calor em meses do ano, nos quais, tipicamente, isso não ocorria”, afirma João Paulo Costa. Este paradigma tem favorecido pontualmente a atividade do inseto vetor, o qual é muito sensível à temperatura, à humidade e à velocidade do vento para se propagar e disseminar, alargando a área de influência e de transmissão da leishmaniose. Por outro lado, sublinha o diretor clínico, a zona endémica tem vindo a alargar-se nos últimos tempos.
Além da leishmaniose, ao contrário do que acontecia anteriormente, chegam cada vez mais animais com parasitas externos durante todas as fases do ano, muito possivelmente pelas alterações climáticas. “Há uma prevalência relativamente grande de animais com pulgas. Geralmente com doença dermatológica ligeira, mas alguns animais chegam-nos, por vezes, com sinais de parasitose moderada a grave, sobretudo felinos”, explica Rita Coelho. Uma vez que a equipa realiza extensas tricotomias em animais para as diversas cirurgias a realizar, é possível detetar falhas na desparasitação. A maioria dos casos de leishmaniose surge na avaliação pré-cirúrgica dos animais. “Resolvemos incluir a pesquisa de leishmaniose nessa avaliação, não só porque trabalhamos numa região endémica, mas também para garantir uma melhor segurança no decorrer do período peri-operatório.” Rita Coelho sublinha que a equipa do CCVA tenta sensibilizar os colegas que referenciam casos a incluir essa análise. “E a verdade é que muitos colegas também já o fazem por rotina.”
Para Patrícia Branco, “é intuitivo que o aumento global da temperatura e da mobilidade de animais e pessoas tem impacto na dispersão geográfica de parasitoses por insetos e artrópodes e doenças transmitidas por esses vetores. Isto traduz-se no aumento de prevalências destas parasitoses nas estações do ano tipicamente mais frias, em zonas que anteriormente ofereciam condições menos ideais como as áreas urbanas, comparativamente às áreas rurais, e em regiões do continente europeu que anteriormente não eram afetadas”. Como exemplo específico, a médica veterinária refere a thelazia callipaeda, originalmente asiática, que a nível nacional inicialmente estava sobretudo restrita ao norte do país e que é cada vez mais diagnosticada no Sul e em centros urbanos.
Na prática clínica da Trás-os-Vet na região do Barroso (Alto Tâmega, Trás-os-Montes), a doença parasitária com maior prevalência e expressão clínica é a babesiose. “Para além de Babesia canis (piroplasma grande), diagnosticamos com alguma frequência Babesia vulpes (piroplasma pequeno, anteriormente designado por Babesia microti like). Temos sentido essa mudança, exatamente no caso da babesiose, para além da infestação por carraças e pulgas, verificando-se agora um caráter menos sazonal”, sublinha João Paulo Costa.
Isabel Pereira da Fonseca destaca “a toxoplasmose, a neurocisticercose, a criptosporidiose, a giardiose, a anisakiose, a toxocarose, a ancilostomatose, a hidatidose, a tricuriose, algumas sarnas, a dirofilariose, entre outras zoonoses” que também preocupam os profissionais do setor e que reforçam o papel do médico veterinário no que respeita à prevenção destas doenças nos animais reduzindo, consequentemente, o risco para a saúde humana. São estas muitas das “zoonoses parasitárias e os seus agentes etiológicos podem ser veiculados através de alimentos e água, por contacto direto com os animais parasitados e ambientes contaminados ou, ainda, por ação de vetores, entre outros”.
One Health na leishmaniose
O médico veterinário surge como um profissional de primeira linha para sensibilizar, prevenir e monitorizar as zoonoses. “Eu diria mais, tem essa obrigação”, defende João Paulo Costa. “Os médicos veterinários clínicos, sejam de animais de produção, sejam de espécies de companhia, fruto da sua proximidade com as populações animais e humanas e ainda pelo seu conhecimento da evolução da prevalência das zoonoses com maior expressão na sua área de atuação, devem usar essa informação privilegiada no sentido de sensibilizar os tutores para as medidas de prevenção que devem tomar, caso a caso, para evitar a transmissão dessas enfermidades, seja na população animal, na humana e na preservação do ambiente.” Os médicos veterinários são ainda elementos estruturantes numa primeira linha avançada da Direção Geral de Alimentação e Veterinária para desempenhar esta tarefa, sugere.
João Paulo Costa, enquanto médico veterinário municipal de Boticas e diretor clínico da Trás-os-Vet tem desenvolvido uma intervenção particularmente ativa nesta matéria. Anualmente organiza o Simpósio de Saúde Pública do Barroso em parceria com a Unidade de Saúde Pública do Alto Tâmega e Barroso onde são debatidos inúmeros temas por médicos veterinários e por médicos de medicina humana, para além de outros intervenientes nesta cadeia de conceito tripartida. “A pandemia veio adiar esta rotina, estando o próximo simpósio agendado para setembro”, destaca, partilhando que o maior desafio será conseguir envolver a população e os técnicos “no desenvolvimento de estratégias de prevenção e na criação de modelos predizíeis que permitam atuar antecipadamente para assegurar a manutenção da saúde animal, humana e ambiental, face às alterações verificadas, ou expectáveis, em cada um destes três domínios e que possam vir a interferir com os restantes”.
Adicionalmente, os médicos veterinários clínicos de animais de companhia desempenham um papel educativo “extremamente importante junto dos tutores e da sociedade em geral, acerca da consciencialização deste problema e dos cuidados preventivos que podem ter para assegurar a sua saúde e a dos animais que os rodeiam”, salienta Patrícia Branco.
Este é um trabalho crescente e contínuo. Através da atualização permanente e da participação em grupos de trabalho, ensaios clínicos ou estudos científicos, os médicos veterinários dão continuidade aos mesmos ao transmitirem a informação mais credível e atual das recomendações gerais preconizadas sobre estas doenças. São estes grupos que resumem a literatura atualizada, as guidelines dos colégios e os artigos que exprimem evidências clínicas. “O conceito de One Health é um ‘património’ da medicina veterinária que poderá impulsionar a nossa classe para o patamar de relevo e respeito social que lhe é merecido. Para isso, é preciso cooperar nas tais ações de investigação nacional e internacional e na partilha de conhecimento entre todos”, explica Ana Luísa Silva Pinto.
O papel do Ensino Superior
É preciso começar nas universidades, “um trabalho sério e dedicado na pesquisa e investigação das vias de contágio de doenças, entre animais e o Humano”, explica Ana Luísa Silva Pinto. E isto consubstancia-se na “intensa e efetiva aproximação das universidades de Medicina Veterinária às universidades de Medicina; dos laboratórios de medicina veterinária aos laboratórios de medicina e do médico veterinário ao médico”.
Nas aulas que leciona, Isabel Pereira da Fonseca destaca que a leishmaniose é uma doença que afeta milhares de cães no Mundo, que é endémica em Portugal, aparecendo, por vezes, com sinais clínicos muito diversos e que o gato pode ser também afetado. “Refiro ainda a importância de um correto diagnóstico da infeção por leishmania/leishmaniose que deve basear-se numa abordagem integrada considerando a história pregressa, o contexto epidemiológico, os sinais clínicos, as melhores amostras biológicas a testar e posteriormente saber como interpretar os resultados laboratoriais.” Para além disso, sublinha, o médico veterinário deve saber fazer o estadiamento da doença com base em guidelines existentes (Leishvet e Canine Leishmaniosis Working Group), decidir o melhor tratamento a instituir e fazer o seguimento do animal.
A profilaxia desta parasitose através de controlos regulares é outro dos pontos chave para a promoção da “Uma Só Saúde”. “Neste contexto, os alunos aprendem como sensibilizar os detentores dos animais quanto à doença, não alarmando, mas esclarecendo, e a frisarem a importância da prevenção através da vacinação contra o parasita, por exemplo, e que deve ser sempre acompanhada da aplicação de desparasitantes externos com ação contra os flebótomos”, recomenda a professora.
Este tema suscita interesse aos jovens e isso é demonstrado nas várias teses de mestrado e de doutoramento dos alunos da FMV-ULisboa onde Isabel Pereira da Fonseca dá aulas, mas também em outras instituições. Em conjunto, estes alunos “têm contribuído valiosamente para incrementar o conhecimento desta parasitose (em cães, em gatos, em roedores, em animais exóticos), nas suas vertentes epidemiológica e clínica, entre outras, em diversas regiões de Portugal”.
Atualmente, encontram-se em curso dois projetos de investigação sobre leishmaniose, financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, liderados pela professora Gabriela Santos Gomes do Instituto de Higiene e de Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa e por Isabel Pereira da Fonseca na FMV-ULisboa. Nestes dois projetos, estão envolvidos nove alunos de mestrado e quatro alunos de doutoramento. “Num dos projetos [http://exotrypano.fmv.ulisboa.pt], investigamos in vitro o potencial dos exossomas (nanovesiculas libertadas para o meio extracelular por células e por agentes patogénicos e que transportam macromoléculas ativas para as células) na modelação da resposta imunitária do hospedeiro à infeção por Leishmania e trypanosoma”, explica. O objetivo é aplicar os resultados obtidos no redirecionamento do sistema imunitário, favorecendo o estabelecimento de uma resposta protetora, promovendo a redução da incidência destas doenças parasitárias e contribuindo para uma sociedade mais saudável
No outro projeto [https://dogipm.fmv.ulisboa.pt], que representa um primeiro passo na medicina imunitária de precisão aplicada a doenças caninas causadas por tripanossomatídios – leishmaniose e doença de Chagas – o objetivo passa por “estimular células dendríticas (células apresentadoras de antigénios essenciais à ativação de linfócitos T que, por sua vez, orquestram a resposta imunitária do hospedeiro) a direcionar o sistema imunitário no combate a estes parasitas, prevenindo a infeção (vacinas profiláticas) ou induzindo a resposta imunitária mais adequada à cura (vacinas terapêuticas)”. Espera-se assim “reduzir a quantidade, a frequência da administração e a toxicidade dos medicamentos habitualmente utilizados, melhorando a adesão ao tratamento para alcançar a cura clínica e parasitária”, conclui a docente.
*Artigo de publicado originalmente na edição n.º 160 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de maio de 2022.