A UTAD promoveu uma conferência internacional em torno do conceito One Health, na qual se destacou a importância de cada vez mais se trabalhar em conjunto a medicina humana e veterinária, considerando que são indissociáveis.
A pandemia causada pelo SARS-CoV-2, decretada em 2020, colocou novamente os holofotes sobre o tema One Health (saúde única), reforçando-se a mensagem de que ambiente, Homem e animais estão interligados. O projeto One Health já existe há alguns anos, mas a atual pandemia destaca a sua pertinência e a importância de se continuar a melhorar o conceito. “Temos de pensar e trabalhar juntos”, disse Helena Ponte, do Infarmed, no decorrer da conferência “One Health: new insights and challenges of zoonotic diseases”. O evento teve lugar nos dias 1 e 2 de junho e foi organizado pela Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Katinka Debalogh, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na língua inglesa), partilhou desta ideia, destacando que “a abordagem One Health deve colocar os diferentes setores a trabalhar em conjunto”, referindo-se a “agricultores, políticos, legisladores, consumidores, veterinários, academia, entre outros”. A mesma responsável lembra que “o comportamento humano é a chave para prevenir doenças”.
Nas questões de uma só saúde há um tópico que se evidencia, nomeadamente a utilização de antibióticos e o aumento da sua resistência. É neste campo que muito trabalho tem sido desenvolvido e que é abordado pelo projeto ESVAC. Helena Ponte salientou a importância de “diminuir o uso de antibióticos nos animais” e de haver uma forte monitorização da aplicação destes fármacos nos animais. Assim, os três pilares do ESVAC são “reforçar a confiança na capacidade europeia de regulamentação, ter uma estratégia europeia contra a resistência aos antibióticos e melhorar a legislação veterinária, regulamentando com aplicação imediata”. Trabalhando nestas três frentes, a responsável do Infarmed acredita que será dado um passo em frente “na relação com a saúde humana e animal”.
O sucesso na redução do uso de antibióticos e da sua resistência em humanos e animais tem em conta as vendas gerais daqueles medicamentos, de terceira e quarta geração cephalosporins, quinolones e polymyxins. Os segundos indicadores estão relacionados com Highest Priority Critically Important Antimicrobials (HPCIAs), classificados pela Organização Mundial de Saúde para humanos e que não são autorizados para alimentos de animais nos países que participam no projeto ESVAC.
Helena Ponte explicou que, em Portugal, que também tem um plano para implementação do conceito One Health, que passa por “reforçar o conhecimento e evidência através da vigilância epidemiológica, monitorização ambiental e investigação. Reduzir a incidência de infeção, otimizar o uso de antibióticos, continuar o investimento na medicina, em meios de diagnóstico e vacinas”.
Na sua opinião, há, contudo, algumas questões ainda a colocar, nomeadamente se “após a pandemia da covid-19 devemos continuar a restringir a conversa à resistência aos antibióticos, se os profissionais não devem integrar projetos comuns ao invés de apenas apresentar e comparar resultados, se os planos de ação alcançados não deveriam chegar à sociedade através de canais mais adequados e numa linguagem mais adaptada, trabalhar a comunicação e a consciência pública”.
Todos estes aspetos ganham ainda maior expressão se tivermos em conta que estas pandemias têm impacto no ambiente e na economia. “O impacto económico das doenças tem um papel importante nas medidas a tomar”, afirmou Katinka Debalogh, da FAO.
A conferência internacional contou ainda com a presença de Nicola Decaro, do departamento de Medicina Veterinária da Universidade de Bari. O especialista lembrou que os mercados de animais são a causa para o surgimento do coronavírus, mas também para a deflorestação. Nicola Decaro alertou ainda que o vírus pode, no futuro, ser transmitido por outros animais. Nesta pandemia, foi noticiada a presença de SARS-CoV-2 em vários animais. “Foi averiguada a presença do vírus em cães e verificou-se não estarem infetados, mas tinham anticorpos o que faz prever que estes animais tiveram em contacto com o vírus”, explanou o académico. Também os porcos podem ser portadores de coronavírus e, nesta pandemia, foi detetado o SARS-CoV-2 em gorilas. Todas estas evidências levaram Nicola Decaro a considerar uma evolução da pandemia para panzootia.
Os dados são hoje em dia preciosos para gerir múltiplas situações e também nesta pandemia foram fundamentais. Este aspeto foi destacado por Patrik Buholzer, da SAFOSO, que recordou que a “partilha de dados e a implementação de melhores sistemas de monitorização podem ajudar a prever” situações como as que vivemos.
A UTAD concluiu que “o maior desafio no futuro é responder ao aparecimento de zoonoses, o que exige um maior reconhecimento da ligação entre a medicina humana e a medicina veterinária, bem como da eficácia de recursos limitados e finitos, tanto humanos como financeiros, mas, acima de tudo, a consciência de que a saúde humana e a saúde animal fazem parte de uma comunidade global e são indissociáveis”.
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 151 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de julho-agosto de 2021.