Abriu portas em maio do ano passado depois de um processo de amadurecimento da vontade e motivação de Patrícia Branco em apostar num negócio próprio que pautasse por uma clínica focada na proximidade e no lema de facilitar a vida às pessoas. A Clínica Veterinária das Conchas (CVC) tem conseguido fidelizar clientes e o objetivo atual passa por consolidar.
Patrícia Branco pertence a uma família de médicos e cresceu a ouvir conversas “sobre doenças e casos clínicos”. O pai, reumatologista, a mãe, médica de medicina geral e familiar e outros elementos ligados à área da saúde fizeram parte do seu crescimento e ainda que não houvesse uma pressão propriamente dita, havia uma “influência passiva” que estava sempre presente nas reuniões familiares. Não entrou em medicina, como desejava, mas não foi preciso muito tempo para perceber que a escolha do curso de medicina veterinária tinha sido a mais acertada.
Quando acabou o curso, trabalhou no Porto seguindo-se uma experiência de ano e meio no sul da Inglaterra. Não foi a questão da remuneração, tantas vezes badalada, que a atraiu, mas sim a vontade de trabalhar num projeto diferente pois em Portugal não encontrava nenhum que se coadunasse com o que ambicionava. “Queria experimentar outra coisa e fui, não apenas pelas condições que me ofereciam, mas sobretudo pela possibilidade de desenvolver uma prática clínica diferente porque tinha muitos colegas lá que descreviam condições de trabalho fantásticas. A clínica era grande e quase equivalente a um modelo hospitalar de cá, mas com um ambiente familiar”, explica Patrícia Branco. Foi também a vontade de ter uma mudança de perspetiva de trabalho que a cativou e a experiência revelou-se “à altura das expectativas”, mas não se imaginava a viver e a construir uma vida em Inglaterra, o que a levou a regressar. “Olhei para a experiência pela perspetiva de aprender, mas surpreendentemente, não consegui integrar-me tão bem ao nível das relações interpessoais”, acrescenta.
Quando regressou, trabalhou em duas clínicas em part-time, uma na Parede e outra em Alcochete e foi no meio deste percurso que conheceu o espaço onde se localiza hoje a CVC e que já tinha pertencido a uma clínica veterinária durante mais de duas décadas antes da médica veterinária ter decidido apostar num negócio próprio. “Quando voltei, demorei um pouco a entrar na engrenagem, mas as oportunidades que tive foram essenciais para me voltar a reintegrar.”
Apesar de ter vontade de apostar numa clínica sua que seguisse o conceito que idealizava, não foi de imediato óbvio quando o iria fazer. “Eu achava que era algo que gostaria de concretizar, mas tinha noção da minha limitação ao nível de experiência a todos os níveis e não me sentia minimamente preparada para dar esse passo”, conta. Até que um cliente de uma das clínicas onde trabalhava lhe falou das instalações que viriam a dar rumo ao seu projeto, no Lumiar, e que são hoje totalmente distintas das anteriores. “Vim conhecer, mas a diretora clínica não tinha ainda essa intenção até que passado um ano me ligou a perguntar se continuaria interessada”, explica. A anterior responsável fez o ciclo inverso de Patrícia. Depois de vários anos a trabalhar por sua conta e risco, optou por começar a exercer medicina veterinária por conta de outrem. Realidades opostas que acabaram por se coadunar.
Entre a vontade e a decisão propriamente dita passou algum tempo num processo que foi sendo gradual. Tudo isto aconteceu há precisamente dois anos e quando as obras de remodelação das instalações estavam prestes a arrancar, surgiu a pandemia de covid-19. Apesar de as remodelações não terem sido adiadas, atrasaram a data prevista de abertura e Patrícia lembra-se de viver numa grande incerteza. Esta clínica “filha da pandemia” acabou por abrir em maio de 2020, uma semana depois de terminar o primeiro confinamento.
  “Tento abstrair-me de todo o tipo de polémicas e pessoalmente não sinto que os veterinários não sejam valorizados. Eu sinto-me reconhecida no meu ciclo” – Patrícia Branco, diretora clínica
O desafio de abrir portas
A equipa conta com Patrícia Branco e a auxiliar de veterinária Mafalda Gonçalves. Ambas estão presentes num horário que a diretora clínica não considera ser o ideal, mas o possível para a atual estrutura. “Abrimos todos os dias às 11h00, fechamos das 14h00 às 16h00 e voltamos a abrir das 16h00 às 20h00. Aos sábados, funcionamos apenas das 10h00 às 14h00. “Não é o horário com que sonhei, mas é o que é permitido com a equipa reduzida com que abri a clínica.”
Passando a receção onde a luz natural torna os dias de inverno mais quentes, sobretudo aqueles onde o sol decide espreitar e tornar o ambiente mais acolhedor – como a tarde em que a equipa da VETERINÁRA ATUAL esteve em reportagem – deparamo-nos com a existência de escadas que nos conduzem para o interior da clínica. Conforme vamos avançando no corredor, além de sermos acompanhados pelos cães Feijão e pela Amélia, deparamo-nos com algumas fotografias a preto e branco emolduradas numa espécie de exposição que nos remete para vários tipos de família e a sua relação com os animais. Com dois consultórios – um dedicado a cães e outro a gatos – a CVC dispõe de sala de cirurgia, sala para banhos / tosquias e laboratório. Na sala de espera e no recobro não é possível haver separação entre as duas espécies, mas há a preocupação em praticar um atendimento “low stress” que passa pela promoção do bem-estar e tranquilidade do gato durante a visita à clínica. O objetivo passa por fomentar associações positivas ao espaço e à presença da equipa.
Zelar pela vida dos animais fazendo-os sentir confortáveis e tranquilos é uma das missões da personalização de cuidados que Patrícia Branco defende. A decoração clean e moderna das instalações remetem-nos para o ambiente calmo que a CVC pretende criar.
Quando é preciso realizar procedimentos de urgência e são necessários exames complementares de diagnóstico, alguns colegas deslocam-se à clínica ou os casos são referenciados para o hospital, conforme a gravidade. Para dar o passo de investir na CVC, a médica veterinária conta com uma boa rede de colegas e parceiros a quem pode “pedir conselhos e referenciar alguns pacientes” e tem noção “que não conseguiria abrir a clínica sem esta ajuda”.
As consultas funcionam por marcação e assim aconteceria independentemente da pandemia. “Agora nem sequer se coloca outra hipótese”, diz. No momento em que vivíamos os períodos de confinamento, os clientes não podiam entrar no consultório, devido às regras sanitárias em vigor, e a equipa desenvolveu uma estratégia para que os mesmos se sentissem mais perto. “Fazíamos a consulta por videochamada através dos nossos iPad devidamente desinfetados e cobertos em plástico para que os tutores pudessem fazer perguntas e participar ativamente.”
Sempre que surgem situações sem marcação, há a preocupação e a tentativa de “tentar facilitar”. Sempre que necessário, referenciamos os casos mais urgentes para o Hospital Veterinário Arco do Cego. “Fica relativamente perto da clínica e é um hospital em que confiamos muito. Temos ainda muitos serviços de referência em ambulatório, ou seja, contamos com a opção de trazer a maior parte das especialidades (exóticos, ortopedia, comportamento, ecografia e endoscopia, cardiologia, etc.).” A partir do momento em que seja possível conciliar agendas entre todos, os colegas que colaboram em regime de prestação de serviços, deslocam-se à CVC para responder às necessidades. “Julgo que a referenciação já não é um problema”, defende Patrícia Branco, mas assume que possa “ter havido uma altura em que era mais difícil ou inacessível”.
Numa primeira fase, era algo que não fazia sentido até para os próprios clientes, por exemplo, em casos muito avançados em que se ia gastar muito mais dinheiro”. Esta realidade deve-se ao facto de haver menos sensibilização naquela época, algo que já está mais ultrapassado hoje. “O modo como as pessoas veem os cuidados primários também tem vindo a ser alterado e percebem que a forma como atuamos é muito à semelhança do que acontece na medicina humana.” Patrícia Branco considera que tem havido uma certa evolução também no que respeita aos médicos que se dedicam a várias áreas e especialidades. “Hoje já existem menos barreiras.”
“Seria ótimo conseguir crescer enquanto equipa e aumentar o horário para conseguir estar mais presente, mas não sei quando tal será possível”, defende a diretora clínica
Fidelizar clientes e privilegiar a proximidade
Sempre que os pacientes têm de fazer alguma profilaxia – vacinação, desparasitação – a clínica conta com um software que envia um aviso automático por SMS e os recorda que está na altura de vir à clínica. “É algo que resulta bastante porque as profilaxias são muito variadas e até se repetem no mesmo ano pelo que é importante haver este tipo de lembretes que ajudam os clientes. Acho que o lema de ‘facilitar a vida das pessoas’ é também uma das mais valias que conseguimos oferecer”, avança Patrícia Branco.
O perfil de clientes é variado. “Temos muitos clientes seniores porque este bairro tem uma população sénior, muitos clientes jovens adultos e também casais.” A presença nas redes sociais não é uma ferramenta para trazer novos clientes, mas para fidelizar os que já o são. “Julgo que poderá ser uma ferramenta de angariação para grupos de clínicas ou clínicas maiores, mas, no nosso caso, a experiência que tenho é que serve para comunicar e manter os clientes que já fidelizei de alguma forma.” Apesar do trabalho que estas plataformas acarretam levam a que os clientes desenvolvam um sentimento de pertença à clínica. “O facto de recorrerem a nós através do Messenger do Facebook e do WhatsApp, por exemplo, é uma mudança de paradigma que temos de gerir.”
As áreas que Patrícia Branco prefere na prática clínica são a cirurgia e a oftalmologia, mas também é a diretora clínica que se dedica à gestão. “Não é óbvio para mim que venha a delegar esta última área a outra pessoa”, confessa, explicando que é complicado conciliar tudo, mas que não será menos difícil deixar de gerir o seu próprio negócio.
O balanço deste primeiro ano e meio “é muito positivo”, revela. Confessa que se sentiu atraída de imediato pela localização da clínica pois além de ser uma zona residencial fica a poucos metros da Quinta das Conchas onde várias pessoas e famílias passeiam com os seus animais. O facto de anteriormente este espaço ter sido uma clínica veterinária acabou por ajudar a trazer clientes. “Muitos deles transitaram, ficaram satisfeitos e mantêm-se até hoje. Claro que outras pessoas não tiveram escolha e acabaram por ter de procurar alternativas na fase entre o fecho da clínica anterior, a realização de obras e a abertura da CVC. Decidiram – e bem – procurar alternativas e estarão certamente a ser bem acompanhadas.”
O facto de esta ser uma clínica de bairro permite criar a proximidade com que Patrícia Branco prefere trabalhar. “Gosto de seguir os meus casos, conhecer bem o paciente e a respetiva família. Julgo que todas as pessoas preferem ser acompanhadas por um único médico veterinário.”
A médica veterinária não consegue imaginar como teria sido se não abrisse em plena pandemia uma vez que a medicina veterinária não foi das áreas mais afetadas. “Apesar das restrições nunca deixámos de trabalhar. Por outro lado, as pessoas promoveram mais a ligação que têm com os seus animais e passaram a estar mais atentas aos seus problemas”, destaca. E acrescenta que “o próprio estilo de vida de algumas pessoas também mudou e passaram a viver em casa mais espaçosas, com jardim ou procuraram outro tipo de soluções”. Patrícia Branco confessa-se mais pessimista a trabalhar do que na forma como vê a valorização da classe. “Tento abstrair-me de todo o tipo de polémicas e pessoalmente não sinto que os veterinários não sejam valorizados. Eu sinto-me reconhecida no meu ciclo”, destaca.
O principal objetivo para o próximo ano passa por consolidar e não por diversificar o projeto atual. “Seria ótimo conseguir crescer enquanto equipa e aumentar o horário para conseguir estar mais presente, mas não sei quando tal será possível”, conclui.
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 155 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de dezembro de 2021.