A pandemia trouxe novos clientes a este centro localizado em Benfica. A procura aumentou, a exigência também e as novas regras não afastaram os tutores. Com um atendimento muito próximo dos animais, a equipa pauta a sua atividade pela tentativa de melhoria das condições do espaço e da prática clínica aliando a medicina veterinária convencional às terapias alternativas e ao pet spa.
Foi convidada a assumir o cargo de diretora clínica mais cedo do que alguma vez imaginaria. Diana Moreira Paulo tinha apenas 29 anos quando entrou para o Centro Veterinário Tantas Patas (CVTP), em Benfica. O centro iniciou atividade em 2008 com dois sócios, um deles veterinário e o outro, grommer, e contemplava a componente de medicina veterinária e também de pet spa. “Eu vim para cá em 2012 fazer uma substituição por um período já por si longo que acabou por estender ainda mais porque o colega em questão foi para o estrangeiro e acabou por ficar por lá. Como a minha permanência cá correu bem, acabei por ser convidada a ficar para substituir o colega em termos de medicina veterinária e para assumir também a direção clínica”, conta Diana Moreira Paulo. Assumir um cargo tão relevante não estava ainda nos seus planos pois só tinha terminado o curso em 2010 e considerava que tinha de ganhar mais prática. No entanto, e depois de ponderar, achou que era fundamental “agarrar a oportunidade”.
Anos volvidos desde a sua inauguração, o CVTP tem vindo a crescer. Foram feitas alterações ao nível das fachadas e foi realizada uma reestruturação interna. “As instalações físicas são as mesmas, mas alterámos a zona da pet shop, a receção e fomos melhorando o espaço já existente”, explica. Foi criado um segundo consultório pois só existia um, foi dinamizado o laboratório de forma a promover uma prática clínica melhor, a sala de cirurgia, a sala de recobro e a de grooming, área à qual o centro se dedica desde a sua génese. Diana Paulo considera que existe alguma ideia errada quanto a esta área quando se considera que está apenas ligada à área estética. “Existem muitas questões de pele que se resolvem com banhos, com tosquias e com uma boa higienização. Acaba por ser uma parte integrante ou complementar do ato médico-veterinário. Muitas vezes, para um animal que venha a consulta com um problema de pele, recomendamos grooming e acabamos por verificar uma melhoria muito mais significativa e rápida.” O facto de o centro ter esse serviço permite à equipa ir acompanhando a evolução do problema do animal.
Quando terminou a sua licenciatura em medicina veterinária e assumiu a direção clínica, sentiu uma lacuna relacionada com a falta de preparação na área de gestão. “Não nos é dada essa formação na faculdade, mas felizmente, conto com o apoio do meu pai que tem uma empresa na área de consultoria, o que acaba por facilitar bastante essa vertente.”
Equipa versátil
Atualmente, o centro conta com uma equipa de três médicos veterinários, uma auxiliar veterinária e um groomer. “Tenho tentado dinamizar o centro e apostado em algumas áreas”, diz Diana Moreira Paulo que considera que a pandemia não prejudicou a atividade. A diretora clínica tem preferência pelas emergências médicas e a cirurgia de tecidos moles e o colega Rúben Dinis gosta particularmente das áreas de oncologia e endocrinologia. A colega Rita Fernandes desenvolve um maior gosto pela área da nutrição e a auxiliar Catarina Dias tirou o Curso Técnico Superior Profissional em Cuidados Veterinários, que Diana Moreira Paulo desconhecia até então. O mesmo tem a duração de dois anos e confere competências entre o auxiliar veterinário e o enfermeiro veterinário. “A Catarina está habilitada a tirar sangue, colocar cateteres, administrar medicação, fazer pensos e tratamentos mais complexos aos animais. Tem sido uma grande ajuda para o centro”, acrescenta a responsável.
Além das consultas de rotina, do acesso à vacinação, análises bioquímicas e hemograma, medidor de pressão arterial, o centro trabalha em parceria com laboratórios externos com a vantagem de se localizarem perto do centro. “O facto de se situarem a uma curta distância facilita bastante porque mesmo quando o estafeta não consegue entregar uma amostra, acabo por ir eu diretamente e tenho o resultado em dez minutos, o que é muito vantajoso em situações urgentes.”
A equipa trabalha também com médicos externos ou especializados em determinadas áreas que permitem dar resposta a necessidades específicas. “Temos um ecógrafo que já não é muito recente, mas que nos ajuda bastante para situações mais óbvias e emergentes. Em casos mais complexos e, se precisamos, por exemplo, de uma ecografia abdominal completa, contamos com o apoio de colegas externos que vêm cá em ambulatório realizar o exame”, explica a diretora clínica. O mesmo se passa com as ecocardiografias. As consultas na área de oftalmologia, de ortopedia e de exóticos também são facultadas por médicos externos. E, ainda que trabalhem muito com coelhos, quando sentem que não estão tão à vontade com situações muito particulares, optam por não se aventurarem para além de serviços mais comuns e referenciam. “Em situações de urgência de exóticos, uma vez que estamos mais vocacionados para a prática clínica de cão e gato, contactamos sempre um colega e caso não tenha disponibilidade, acabamos por referenciar um CAMV especializado em animais exóticos ou para um hospital. É algo que fazemos com frequência e tentamos articular diretamente com a equipa.”
No CVTP, a referenciação é feita de forma natural. “Explicamos aos clientes que funcionamos como um médico de família no centro de saúde ou num consultório: não conseguimos dar resposta a tudo. Se o que nos importa é a saúde do animal e queremos dar-lhe o melhor, quando não conseguimos dar a resolução adequada, referenciamos para que ele possa ser atendido como merece”, explica Diana Paulo. E os clientes entendem, é feita a devida articulação com o CAMV para onde referenciamos e tudo tem corrido bem. Conseguimos acompanhar a evolução da situação até o animal ter alta.
“Explicamos aos clientes que funcionamos como um médico de família no centro de saúde ou num consultório: não conseguimos dar resposta a tudo”, afirma Diana Moreira Paulo, para quem a referenciação é algo natural
À entrada do CAMV, encontrámos Jimmy com a sua tutora. A visita aconteceu já depois do segundo confinamento e com a devida organização, os tutores já podem acompanhar os seus animais. “O Jimmy já era cliente antes de eu vir para cá”, refere a diretora clínica. A tutora, entusiasmada, partilhava com a equipa da VETERINÁRIA ATUAL que este seria o primeiro dia de sessão de acupuntura. A equipa trava uma interação muito positiva com os tutores. “Tentamos, aliás, manter uma conversa com os próprios e colocá-los a par do exame físico que vamos realizando ao animal. Partilhamos os pormenores, o que faz com que a pessoa se sinta mais integrada e muito mais à vontade connosco”, explica a diretora clínica.
A acupuntura é mais um dos serviços externos mais recentes não existindo uma única regra para a sugestão de casos. Neste CAMV, existe abertura para aliar a evidência científica à medicina convencional. “Nas situações em que já testámos todas as hipóteses em termos alopáticos e ao verificarmos que já existem mais hipóteses em termos médicos, podemos sugerir acupuntura. Se o cliente concordar, fazemos a gestão adequada e experimentamos.”
Diana Moreira Paulo concentra em si as cirurgias de tecidos moles. As restantes cirurgias – ortopédicas ou de animais exóticos – são asseguradas por outros colegas que trabalham em regime de prestação de serviços.
O suporte digital
Geralmente, é enviado um recordatório por SMS para os tutores com a indicação de todas as vacinas anuais que o animal tem de fazer. “Antes do primeiro estado de emergência, trabalhávamos sobretudo por ordem de chegada e confesso que a pandemia nos ajudou a melhorar a este nível porque passámos a realizar atendimentos apenas por marcação.” Diana confessa que este método veio agilizar o atendimento porque não havia uma rotina propriamente dita no que respeita aos dias que se dividiam entre a procura por parte de vários clientes em simultâneo ou dias em que nada acontecia e o CAMV estava praticamente deserto. “Tem sido muito mais prático e regrado, o que permite que não haja tantas pessoas no mesmo horário. Anteriormente era muito mais complexo de agilizar”, defende a médica veterinária que partilha com a VETERINÁRIA ATUAL, o tipo peculiar de urgências existente no Tantas Patas.
“Antes do primeiro estado de emergência, trabalhávamos sobretudo por ordem de chegada e confesso que a pandemia nos ajudou a melhorar a este nível porque passámos a realizar atendimentos apenas por marcação” – Diana Moreira Paulo, diretora clínica
Durante o dia, e porque as urgências não escolhem horário, as mesmas são extraordinárias às marcações. Fora do horário habitual, não existe um contacto telefónico específico para pedir apoio. “Funcionamos através do Messenger do Facebook pois apostamos muito na área de redes sociais e através desta funcionalidade, acabamos por ter um tipo de urgência mais peculiar porque só os nossos clientes é que têm conhecimento da sua existência. Sempre que necessário, contacto o cliente e, em última instância, deslocamo-nos no imediato ao centro de atendimento.” Geralmente, é a diretora clínica que centraliza estes pedidos, mas a equipa articula, entre todos, quem tem maior disponibilidade em atender a urgência, caso seja necessário.
Diana Moreira Paulo explica que a procura nem sempre se trata de uma urgência e resulta um pouco “do excesso de zelo do tutor”. Mas, cada caso é um caso, e ninguém fica sem resposta pois há situações que necessitam de um acompanhamento mais próximo. “Tentamos fazer a anamnese e a primeira abordagem numa primeira triagem para perceber o que se passa efetivamente com o animal e damos algumas sugestões, mas, em 50 contactos, talvez quatro ou cinco é que exigem de uma deslocação da nossa parte para fazer um exame físico mais adequado.” Existem outras situações, como por exemplo, casos de animais politraumatizados que o CAMV não assegura porque não tem equipa nem meios suficientes para dar resposta e opta por fazer a respetiva articulação com o hospital.
A diretora clínica sublinha a aposta cada vez mais frequente nas redes sociais por reconhecer a sua importância, sobretudo no Facebook e no Instagram. As publicações acontecem várias vezes por semana, umas mais lúdicas e divertidas, outras mais informativas para os tutores para poderem estar mais alerta para certos casos clínicos que consideram mais pertinentes. “Tentamos fazer uma descrição breve e um pouco mais acessível sem muitos termos científico-técnicos para que todos possam entender alguns casos clínicos que são pertinentes e frequentes, mas que acabam por ser desvalorizados por desconhecimento dos tutores ou também porque os sinais clínicos e sintomas não são assim tão claros e óbvios.” E, de facto, as redes sociais têm trazido novos clientes. Diana Moreira Paulo confessa que gostaria de realizar algum curso na área de marketing digital ou de gestão das redes sociais para explicar um pouco mais as potencialidades desta área, mas ainda não teve tempo para se dedicar a esse propósito.
O impacto da pandemia
A pandemia de covid-19 tem aumentado a procura no CVTP. A justificação que a diretora clínica encontra prende-se com o facto de as pessoas estarem mais tempo em casa e de as escolas terem fechado, o que levou a que muitas pessoas recorressem à adoção ou à compra de um animal que tinham prometido como oferta aos filhos. “Nos primeiros meses da pandemia, em abril, maio, junho, recebemos imensos clientes novos e animais bebés. Foi um boom de procura como nunca me recordo de ter assistido”, explica Diana Moreira Paulo. Espera-se, pois, que esta seja uma aquisição consciente e responsável. A médica veterinária é positiva e considera que existe uma maior consciencialização a avaliar pela preocupação que viu nos clientes que procuraram o CAMV para o acompanhamento das rotinas profiláticas.
Durante o primeiro confinamento, como as consultas eram por marcação, o cliente entregava o animal à porta e ia apenas buscá-lo no final. “Por vezes, os clientes ficavam no carro e se tivéssemos alguma dúvida, acabávamos por contactá-lo por telefone ainda que estivéssemos muito próximos. Os clientes aceitaram bem e perceberam que eram estas as regras que tínhamos de cumprir para poder continuar a funcionar.”
Os cuidados eram mais redobrados na primeira fase da pandemia. “Andávamos de máscara, viseira, tínhamos os mesmos cuidados que temos atualmente, mas o nosso comportamento era muito mais condicionado, mesmo entre os elementos que cá trabalham. Atualmente, continuamos a ter receio, ainda que seja menor do que na primeira fase, sobretudo porque nos adaptámos e habituámos a esta realidade.” Agora, já é permitida a presença de um cliente com o seu animal de companhia. No primeiro estado de emergência, foi necessário reduzir o horário e funcionar das 12h00 às 19h00. Depois, voltámos ao horário que já tínhamos e mantivemo-lo neste segundo confinamento, também porque a Ordem dos Médicos Veterinários nos permitiu continuar a trabalhar e também porque a casuística também o justificava.” O centro funciona então das 10h30 às 20h00 durante a semana e, aos sábados, das 10h00 às 14h00, sendo que, durante o segundo confinamento e estado de emergência, o centro fechava às 13h00, mas a equipa mantinha-se até às 14h00 para atendimento exclusivo de urgência, segundo o que era permitido por lei.
A equipa tem-se mantido estável, mas existe atualmente a necessidade de recrutar mais um médico veterinário. “Uma vez que a casuística do centro tem vindo a aumentar, percebemos que já se justifica contarmos com a colaboração de mais um médico veterinário. Nesse sentido, e devido à impossibilidade de permanência da colega Rita no CAMV (por questões pessoais), estamos atualmente em fase de recrutamento.”
Comparativamente ao que se faz fora de Portugal, a diretora clínica considera que estamos no bom caminho e que a especialidade tem vindo a crescer no nosso País. A aposta na formação é essencial, quer no que respeita a cursos de especialização, a pós-graduações ou a participação em congressos. Diana já soma algumas pós-graduações, como a de imagiologia e a de cirurgia em tecidos moles. Não perde a oportunidade de aperfeiçoar o conhecimento sobretudo nos temas que considera mais pertinentes. “Também damos a oportunidade aos nossos profissionais de apostarem em formação e cedemos os dias para participarem em congressos ou em tudo o que vá surgindo e que seja da área de interesse da medicina veterinária.” A justificação é clara: “Não podemos parar no tempo pois, se o fizermos, deixamos de acompanhar a evolução. Todos os dias surgem equipamentos e fármacos novos. Temos de estar sempre na vanguarda do conhecimento. Caso contrário, somos facilmente ultrapassados.”
A diretora clínica refere algo que é muito sublinhado nestas reportagens e que é a importância da união da classe. “A nossa profissão está muito associada ao burnout. Temos de nos apoiar mutuamente e fazer com os clientes reconheçam a nossa profissão. Uma classe mais unida é mais valorizada pelos tutores.”
Desde muito cedo que teve a certeza sobre a profissão que gostaria de enveredar. Quando se candidatou à universidade acabou por optar por medicina veterinária por ser uma profissão muito versátil. “Acabei por achar que a carreira de medicina veterinária me permitiria fazer de tudo um pouco, ou seja, trabalhar com diferentes espécies.” Cresceu no seio familiar de pessoas que adoram animais e esse carinho foi-lhe incutido desde muito cedo. “Os vários cães que acompanharam o meu crescimento substituíram os irmãos que nunca tive”, sublinha.
Além de médica veterinária e diretora clínica, Diana é tutora de uma gata e de dois cães e todos os membros da equipa do CVTP são tutores de animais de companhia. A paixão ultrapassa a vida profissional e está presente no dia-a-dia de todos.
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 149 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de maio de 2021.