Com novas instalações estreadas há cerca de seis meses, o Centro Veterinário de Baião dá resposta à saúde animal na confluência do mundo urbano com o mundo rural. No meio das consultas a cães e gatos, as duas médicas veterinárias encaixam visitas a produtores de bovinos de raça arouquesa e são o amparo de uma população cada vez mais envelhecida e emocionalmente mais fragilizada e solitária.
No Centro Veterinário de Baião entrelaçam-se duas realidades com características distintas que influenciam grandemente a atividade clínica: o meio urbano e o meio rural. A região não é totalmente uma coisa ou outra e também não deixa de ser as duas ao mesmo tempo, o que obriga as duas médicas veterinárias da clínica a terem sempre pronto tanto o pijama cirúrgico usado nas instalações centrais, como o fato de macaco e as galochas para as visitas aos produtores de raça arouquesa.
Lúcia Varatojo está à frente deste centro de atendimento médico veterinário (CAMV), que integra o grupo Serviços Veterinários (ver caixa), desde janeiro de 2015 e conta à VETERINÁRIA ATUAL como a realidade particular deste que é o concelho mais interior do distrito do Porto, já a fazer fronteira com o distrito de Vila Real, molda os dias da equipa. “Apesar de pertencer ao distrito do Porto, Baião não deixa de ser um concelho do interior, com todas as vantagens e desvantagens que isso acarreta”, sublinha. O chamado pau de dois bicos para a população que viu as acessibilidades melhorarem muito nas últimas décadas, com o longe a fazer-se cada vez mais perto, mas os melhoramentos rodoviários não impediram a saída dos mais jovens para os centros mais urbanos e mesmo para a emigração à procura de melhores condições de trabalho. Quem ficou “foi a população mais envelhecida” entre a qual a importância do animal de companhia tem vindo a ganhar novos contornos, assegura a médica veterinária.
“Vivemos muito a preocupação por o Boby estar doente ou o Kiko precisar de medicação e ser a única companhia daquela pessoa já idosa” – Lúcia Varatojo, Centro Veterinário de Baião
 
Com os filhos e os netos longe, para estes idosos o cão ou o gato deixou de ser o animal que andava lá pela rua, que se deixava vaguear e se alimentava apenas quando aparecia à porta, para ser, em muitos casos, a companhia mais próxima, o mais parecido que têm com um membro da família a viver dentro de casa. “E isto resulta, de facto, em idosos que têm uma ligação muito próxima ao animal de companhia”, conta Lúcia Varatojo, que tem vindo a observar ao longo destes quase 10 anos esta “mudança de mentalidades” na população do concelho. Ganharam carinho, afeição, preocupações relativamente ao bem-estar e à saúde do animal que, mais do que em qualquer outra situação, é para estas pessoas verdadeiramente de companhia.
Ainda assim, crê Lúcia Varatojo, “ainda há muito trabalho de sensibilização a fazer”, nomeadamente em questões como a vacinação, “que nem todas as pessoas estão recetivas a fazer”, ou a esterilização, cuja necessidade e pertinência ainda é pouco compreendida.
Para fazer este trabalho de sensibilização e educação junto da população, a pequena equipa – que, para além de Lúcia Varatojo, é composta pela médica veterinária Joana Silva, pela enfermeira Margarida Carvalho e pela auxiliar Rita Batista – conta com a característica mais típica dos pequenos centros do interior: a proximidade entre as pessoas. “Toda a gente nos conhece, perguntam-nos pelos nossos pais, pelos nossos filhos, é muito bom e gostamos que se mantenha assim”, narra a médica veterinária, que, talvez pela edução e pela reverência característica dos mais velhos, sente que a voz do profissional de saúde animal, o doutor de animais como tantos ainda chamam, ainda é respeitada na comunidade, algo de que muitos colegas sentem falta nas cidades de grande dimensão.
Todavia, e como em quase tudo, há o reverso da medalha. “Vivemos muito a preocupação por o Boby estar doente ou o Kiko precisar de medicação e ser a única companhia daquela pessoa idosa. Vamos muitas vezes para casa preocupadas se aquele tutor vai conseguir fazer o tratamento da forma certa, o que, em termos psicológicos, também é uma sobrecarga para nós”, reconhece Lúcia Varatojo.
Novas instalações: uma espécie de prenda no 10º aniversário
Para ajudar no trabalho junto da população, o Centro Veterinário de Baião tem novas instalações inauguradas em outubro do ano passado, que vieram mais do que duplicar o espaço que existia para a equipa e clientes.
Lúcia Varatojo recorda que o CAMV abriu as portas em janeiro de 2014, exatamente um ano antes de ela integrar a equipa, numa “loja relativamente pequena no centro da vila, ótima para começar a atividade, mas que começou a revelar-se relativamente pequena face ao crescimento do consultório”. Era isso mesmo, apenas um consultório no centro da vila de Baião, no qual as médicas veterinárias praticamente davam “consultas à vez, o que limitava a agenda”, com um pequeno recobro, uma pequena sala de cirurgia e pouquíssimo espaço para os clientes estacionarem e terem acesso às instalações.
O novo espaço não deixa de estar no centro da vila, perto da Câmara Municipal de Baião, mas tem agora lugares de sobra para o estacionamento. Parecendo que não, este é um pormenor importante, especialmente tratando-se de uma população mais envelhecida. “Antigamente, as pessoas quando queriam tirar o animal do carro estacionavam em 2ª fila ou então tinham de estacionar muito afastados do consultório, o que levantava problemas, por exemplo, com o peso das transportadoras. Às vezes, até marcavam em horários que permitissem vir duas pessoas com o animal ao veterinário para que uma viesse para o consultório e a outra fosse estacionar a viatura para não terem de andar uns 200 ou 300 metros com a transportadora”, explica a médica veterinária.
“Somos, verdadeiramente, médicos generalistas que asseguram consultas e todo o tipo de cirurgia de tecidos moles” – Lúcia Varatojo, Centro Veterinário de Baião
Esta loja, com uma área total de 136 m2 em open space, permitiu desenhar as novas instalações de raiz, dividindo o espaço de forma que “o fluxo de trabalho fosse facilitado” e separando a parte clínica da não clínica. Agora, com dois consultórios, três salas de recobro – uma para cães, outra para gatos e uma para doenças infeciosas – uma sala de cirurgia, raio X e espaço para meios complementares de diagnóstico, como ecografia e hematologia, separados do local de banhos e tosquias, o pequeno consultório fez o upgrade para clínica veterinária.
“Outro pormenor a que quisemos prestar atenção foi à diminuição do stress dos animais na clínica e, nessa medida pensamos em algumas condições, como a separação dos recobros para cães e gatos, mas também num espaço na receção que, não sendo totalmente separado, permite que fisicamente cães e gatos estejam distantes, com os gatos a terem uma zona de espera mais recatada”, descreve Lúcia Varatojo.
A médica veterinária acredita que as novas instalações vão responder por muito tempo às necessidades dos clientes e, com “os pés bem assentes no chão”, percebe que a margem de crescimento de uma empresa no interior do País é sempre menor que no litoral. Não obstante, está convencida de que “sendo pequenos, conseguiremos fazer um grande trabalho” na melhoria das condições e do bem-estar dos animais da sub-região do Tâmega e Sousa.
“Somos, verdadeiramente, médicos generalistas”
No novo espaço, o trabalho da equipa ficou facilitado e proporciona melhores comodidades a quem as visita. Os serviços são os comuns dos médicos de proximidade. “Somos, verdadeiramente, médicos generalistas que asseguram consultas e todo o tipo de cirurgia de tecidos moles”, diz Lúcia Varatojo, acrescentando que, quando há necessidade, contam com o trabalho parceiro do Hospital Veterinário de Paredes para onde referenciam em casos de cirurgia ortopédica ou para realização de TAC. Este trabalho de referenciação tem sofrido alterações no mundo da medicina veterinária que leva a médica a reconhecer “a mudança de paradigma” que o setor tem assistido. Cada vez mais há esta confiança entre colegas que permite a referenciação consciente e assertiva entre quem referencia e quem recebe e, assegura, “a resposta dos clientes é sempre muito positiva, porque a sua maior preocupação é a saúde do animal. Se o cliente vê que somos honestos, admitimos que determinado assunto não é a nossa especialidade e dizemos qual o colega que ele deve procurar, percebe que a nossa prioridade é o animal e acaba por nos agradecer querermos que o animal fique bem”.
Entre colegas é importante manter uma boa comunicação sobre o caso clínico em causa. “Quando referenciamos para Paredes, são eles que vêm buscar o animal e, por exemplo, depois do procedimento cirúrgico, o colega liga a dizer o que fez e como correu. Envia-nos também o relatório por email e as recomendações para o pós-cirúrgico que o animal já faz connosco”, relata, acrescentando: “No fim, o cliente fica agradecido e regressa sempre”.
Pelo meio da atividade na clínica, há o trabalho de campo e no campo. Este é um departamento orientado por Joana Silva, embora as duas médicas façam clínica de animais de produção. “São sobretudo pequenos produtores – têm um, dois ou três animais que até costumam tratar pelo nome – da raça arouquesa, característica desta região. Temos também alguns rebanhos pequenos de ovinos e o que fazemos é acompanhamento em ambulatório, somos chamadas quando um animal fica doente, fazemos vacinações e desparasitações”, trabalho que obriga as médicas veterinárias a terem sempre a postos o fato de macaco e as galochas, pois não são raras as vezes que são chamadas em situações de emergência, que exigem resposta no próprio dia. “Os partos são um exemplo e temos sempre de estar preparadas para reajustar a agenda da clínica”, esclarece Lúcia Varatojo. Boas vicissitudes de quem vive com um pé na urbanidade e outro no campo. “Sem dúvida que aqui temos outra qualidade de vida”, reconhece a médica veterinária.
“Ajuda imenso” pertencer a um grupo médico-veterinário
O Centro Veterinário de Baião é uma das cinco clínicas do grupo Serviços Veterinários, de Paulo Teixeira, que de quando em vez, dependendo da necessidade, também dá apoio in loco à equipa.
Na opinião de Lúcia Varatojo, “ajuda imenso [pertencer ao grupo], já que permite partilhar casos clínicos, ter a entreajuda dos colegas. Apesar de sermos a clínica geograficamente mais distante no grupo não sentimos que estamos afastadas dos colegas, com quem comunicamos frequentemente e trocamos opiniões”.
Depois existem as questões práticas do dia-a-dia, como a gestão de stocks, que está centralizada em Arouca, onde são feitas as encomendas para todo o grupo, que depois são distribuídas clínica a clínica e alivia a equipa dessa parte mais burocrática do trabalho de uma clínica veterinária.
Outra “vantagem” de pertencer a um grupo médico-veterinário, na visão da médica veterinária, é a possibilidade de participar em formações que são organizadas centralmente. Além do conhecimento transmitido, esses momentos fomentam o espírito de equipa, a partilha de casos clínicos e as técnicas de comunicação que ajudam o grupo e os profissionais “ a melhorar e a crescer”, remata.
*Artigo publicado na edição 181, de abril, da VETERINÁRIA ATUAL.