Assumidamente uma clínica mista, que dá resposta a animais de companhia, animais de produção e à exploração de leiteiras, o crescimento tem sido notório e faz parte da história desde a sua inauguração. O projeto do médico veterinário Carlos Ribeiro tem conseguido vingar mesmo perante “a concorrência desleal” e o surgimento de clínicas “que trabalham com preços inaceitáveis”.
Entrou na profissão em 1979, numa altura em que a clínica de animais de companhia era um assunto muito incipiente. “Existiam meia-dúzia de clínicas na região de Lisboa e do Porto, e hospitais dignos desse nome eram inexistentes. Era improvável que um jovem veterinário conseguisse viver em exclusividade nesta área da profissão. Eram raros os que o faziam”, começa por partilhar o médico veterinário Carlos Ribeiro, diretor clínico do Centro Veterinário de Aveiro (CVA). Como gostava do trabalho ao ar livre, dedicou-se à clínica e à cirurgia de animais de produção, tendo-se aperfeiçoado na área de bovinos leiteiros, primeiro nas grandes explorações da região de Lisboa e, posteriormente, no distrito de Aveiro.
No início do século, com a crescente consciencialização dos donos para a saúde e bem-estar dos seus animais de companhia, assistiu-se a um boom de consultórios e clínicas, acompanhado pelo início do definhamento do setor leiteiro, o que acabou por obrigar o médico veterinário a diversificar a área de negócio. Surgia assim o CVA, uma clínica de aptidão mista, destinada a servir uma zona suburbana da cidade de Aveiro, sem esquecer a prestação de assistência a animais de produção, em geral, e a exploração de leiteiras, em particular. Desde o início concebido para a realização de diagnósticos e terapêutica médica e cirúrgica a animais de companhia, o “CVA foi equipado com o necessário estado da arte tecnológico, com a colaboração da Indústria farmacêutica, laboratórios, universidades, e do know-how de outros colegas entretanto instalados nesta área da atividade veterinária”.
O começo não foi fácil, garante o médico veterinário. Havia muitos aspetos para tratar, desde o projeto, à arquitetura, à licença camarária, passando pela certificação na Ordem dos Médicos Veterinários, o sistema de exaustão e de ar condicionado canalizado, a gestão de condomínio, etc. Era muita a burocracia pela frente, tal como acontece a muitos dos que se aventuram num negócio próprio. “Foi dada particular ênfase ao aspeto visual, à lógica do layout interior e ao ambiente, por forma a ser um espaço simpático e apelativo, acolhedor e confortável, algo requintado e muito diferente do que, à época, as clínicas costumavam ser.” E assim foi inaugurado o CVA num espaço de 160 m2, em 2001. Passaram 20 anos e o crescimento tem sido constante, adianta Carlos Ribeiro. “Somos hoje uma clínica veterinária consolidada, consensual e reconhecida, já não apenas na área suburbana, mas agora também na cidade e localidades limítrofes.”
Dedicação ao que verdadeiramente interessa
Os dias são passados de forma pouco rotineira. O CVA está aberto de segunda-feira a sábado, num horário de manhã / tarde durante todo o ano, com atendimento de urgências. Como aos domingos não havia procura suficiente e a casuística era escassa, não se justificava a presença de nenhum elemento de equipa, daí que o centro feche nesse dia. A médica veterinária Dália Castro acompanha o diretor clínico desde 2007 e dedica-se aos animais de companhia, coelhos, cobaias e alguns exóticos. Carlos Ribeiro tem desenvolvido o seu interesse na área de ortopedia e oftalmologia e Dália Castro tem vindo a acompanhar, mais de perto, a medicina interna, dermatologia ou cirurgia geral.
Aos fins de semana e durante as férias, o diretor clínico dá apoio “às cirurgias mais ou menos delicadas ou complicadas” e continua o seu trabalho em explorações leiteiras, o que o ocupa todas as manhãs. “Tenho também a meu cargo a gestão e assuntos correlacionados que, parecendo acessórios, não são nada despiciendos. Traçamos anualmente uma estratégia e concebemos planos de ação recorrendo à análise dos indicadores métricos transatos e da contabilidade analítica, detetando os nossos pontos fortes e fracos, as ameaças e as oportunidades, e procuramos agir por forma a manter o crescimento e a saúde financeira da clínica.” Todos os meses, uma reunião de equipa permite discutir o que estava previsto, a evolução dos projetos e os prováveis desvios ao que tinha sido planeado.
Atualmente, a clínica dispõe de toda a tecnologia necessária para um diagnóstico definitivo com razoável rapidez. “Temos raio-x de digitalização direta, ecodoppler, uma sala de cirurgia equipada com a necessária máquina de anestesia volátil e respetivos monitores vitais, jaulas de recobro aquecidas, bombas de infusão, medidor de pressão arterial, entre outros. Apesar de termos um aparelho de análise de bioquímica sanguínea, externalizamos esses serviços”, salienta o diretor clínico.
Numa época em que tanto se fala de especialização, Carlos Ribeiro considera que uma clínica de cidade de província — ou mesmo dos subúrbios das grandes cidades — terá de praticar sempre uma medicina generalista se quiser ter saúde financeira e progredir. Numa clínica veterinária, o volume de negócios não se compadece com a contratação a tempo inteiro de um colega ‘especializado’ e a solução passa pelo recurso a hospitais de referência, nos quais a casuística justifica a especialização. Nós fazemo-lo com alguma frequência e com excelente feedback deontológico por parte do hospital que colabora connosco”, adianta. Por esse motivo, garante o médico, o CVA não ousa em apostar em áreas emergentes, como a neurocirurgia, a psico-oncologia, e outras que estão agora a surgir e que exigem uma especialização adequada.
“Somos hoje uma clínica veterinária consolidada, consensual e reconhecida, já não apenas na área suburbana, mas agora também na cidade e localidades limítrofes”
E se, em tempos, fez sentido apostar em rações e artigos de petshop; passados todos estes anos, com o crescimento das grandes superfícies existentes e das compras online, o centro fechou esse capítulo, à exceção das dietas terapêuticas. “Dedicamo-nos agora ao que verdadeiramente sabemos e interessa: a medicina veterinária”, explica o diretor clínico. Por outro lado, tem consciência que ter optado por evoluir fez toda a diferença. “Se, no início, a receita proveniente da minha consultoria a explorações leiteiras equilibrou a saúde financeira da clínica, esta cresceu ao ponto de hoje termos invertido essa situação.”
O que mudou em três décadas?
Considera que “a profissão mudou extraordinariamente em 30 anos”. E justifica: “Na minha geração era obrigatório saber um pouco de tudo e de todas as espécies. As técnicas de diagnóstico resumiam-se ao exame clínico e ao ‘olho clínico’, resultante de muita prática e experiência. O arsenal terapêutico, comparativamente ao que dispomos hoje, era incomensuravelmente escasso e, quanto à tecnologia, pouco mais havia do que o raio-x. Todavia, isso proporcionou-nos um grande traquejo, porque nos habilitou a passar um pouco por todas as especialidades, da dermatologia à oftalmologia, da cardiologia à mais complicada ortopedia”, sublinha.
Se antigamente os médicos veterinários tinham de dar atenção a praticamente tudo, a enfermagem veterinária veio, na opinião deste profissional, aliviar tremendamente o trabalho dos médicos veterinários. “Hoje, podemos delegar funções de responsabilidade e dedicarmo-nos com profundidade à doença”, salienta Carlos Ribeiro, que considera “que estes profissionais desempenham um papel fundamental na motivação e fidelização de clientes. É sabido que um cliente julga uma clínica através da impressão que os primeiros cinco minutos de contacto lhe proporcionam. Por isso, a função de uma enfermeira vai muito além da sua bagagem técnica.” No CVA, a enfermeira veterinária Milene Soares dá ainda apoio administrativo e financeiro.
A equipa é assim composta por três pessoas no quadro permanente, em regime de efetividade. “No entanto, recorremos a outra médica veterinária e a outra enfermeira em período de férias, folgas e períodos de maior procura, em regime de eventualidade”, diz Carlos Ribeiro.
Ao longo dos anos, também o número de clínicas tem vindo a aumentar, o que constitui, na opinião do médico veterinário, “uma ameaça”. Consegue, no entanto, ver o lado positivo da concorrência: “Traz competência, permite distinguirmo-nos uns dos outros pela diferenciação, procurando fazer diferente e melhor.” O CVA oferece o serviço domiciliário para consultas ou vacinação a clientes que tenham uma agenda muito preenchida. “Um cliente bem servido e contente não se importa de pagar o que lhe pedimos, e com o bónus de, potencialmente, nos trazer outros clientes. Vinte anos de crescimento contínuo são a prova de que temos razão.”
Carlos Ribeiro critica, no entanto, “a concorrência desleal das clínicas que foram aparecendo e que praticam dumping ou preços inaceitáveis”. E acrescenta: “Pessoalmente e sem as menosprezar, nunca lhes augurei grande futuro. Acredito que, a menos que tenham uma fonte de rendimento extraordinária (e, muitas vezes, é o caso) que as ajude a sustentar o negócio, ou morrem, ou se não morrem, definham. O problema é que, entretanto, causam prejuízos à classe no seu todo, desprestigiando-a e aos colegas já instalados”, defende. Considera que “operar com margens muito perto dos custos é uma asneira e o princípio de uma vida medíocre. Do que me apercebo, a ineficácia na avaliação operacional em algumas clínicas veterinárias parece ser um flagelo que causa prejuízos a terceiros sem daí tirarem qualquer benefício”.
Carlos Ribeiro considera que a presença nas redes sociais tem vindo a tornar-se muito importante, sendo a grande via de comunicação com os novos clientes
Na sua opinião, uma clínica deve gerar “cash-flow suficiente para pagar um salário justo aos colaboradores que lhes permita ter uma vida decente (afinal, constituem o principal capital da empresa), pagar impostos e as taxas sempre crescentes, fornecedores e comportar os outros custos de contexto, investir em formação permanentemente, em renovação e reparação de equipamentos, de tecnologia e em marketing, etc. Tudo isto exige hoje do gestor um amplo e complexo conhecimento de contabilidade analítica, de gestão e de marketing que se tem ou se externaliza. E isso custa imenso dinheiro”.
Neste setor cada vez mais competitivo, o que não deixa de ser verdade é a perda de clientes, geralmente por causa dos preços, mas o diretor clínico não se preocupa com os mesmos. “Alguns, até agradecemos que não voltem”, afirma. Por outro lado, mantém “uma constante preocupação com a manutenção de clientes fidelizados, pois esses são muito importantes e passam a palavra”. E se, no começo, chegou a considerar que o website institucional do centro e os anúncios do jornal dariam conta do recado, a experiência tem demonstrado que essa estratégia está longe de ser suficiente. “A presença nas redes sociais tornou-se muito importante, sendo a nossa grande via de comunicação com a nova clientela. Diria mesmo que quem não está presente nestes meios, não existe. No entanto, é preciso saber trabalhar estas ferramentas de um modo profissional”, acrescenta.
Três vezes por ano, o CVA promove campanhas de esterilização (duas destinadas a fêmeas e uma aos machos), geralmente de duas semanas, nos meses de menor afluência. “Baixamos sensivelmente o preço com dois objetivos: encorajar os donos para a histerectomia, proporcionando-lhes melhores condições financeiras e, mais importante ainda, chamar à atenção da potencial clientela para a nossa existência.” De igual modo, a forma encontrada para sensibilizar para atos de profilaxia médica são recordados aos clientes habituais, via correio eletrónico ou CTT.
Por onde começar quem quer abrir uma clínica?
Considerando a medicina veterinária como uma profissão vocacional e bastante difícil, cada vez mais exercida em regime liberal, Carlos Ribeiro considera que a “bagagem técnico-científica, a muita prática e competência já não são per se o único garante do sucesso pessoal ou empresarial. Na realidade, a medicina veterinária tornou-se num negócio que, como qualquer outro, para ser sustentável, tem de ser gerido caprichosamente através do recurso ao conhecimento de outras disciplinas, como a contabilidade, o marketing, a gestão, etc.”
Para quem pretende começar do zero, como o veterinário fez há 20 anos, deixa os seguintes conselhos: “Antes de tudo, sugiro que meditem e interiorizem os sacrifícios pessoais e familiares que ocorrerão, as frustrações, o trabalho em horários errantes, a permanente disponibilidade, a gestão dos recursos sempre escassos…”
Para abrir uma clínica, assinala, é necessário estudar meticulosamente o mercado da região, trabalhar com profissionalismo, competência e deontologia, ser capaz de angariar e reter colaboradores e rodear-se de consultores profissionais em marketing e gestão. Desaconselha aos que agora se lançam no empreendedorismo a trabalhar com margens muito perto dos custos. “Adquirir uma clínica em fase de cruzeiro talvez seja a opção mais sensata para quem quer começar”, conclui.
*Artigo publicado originalmente na edição de março de 2020 da revista VETERINÁRIA ATUAL.