Como se passa de um espaço pequeno, com 75m2 e apenas um consultório, para uma unidade de saúde que junta uma clínica de 180 m2 e um hospital veterinário diferenciado com um total de 450 m2? É este percurso de mais de uma década que Nuno Santos conta à VERETINÁRIA ATUAL. O diretor clínico explica como tem crescido o Centro Veterinário de Alverca não só em espaço, como também em número de profissionais e em respostas especializadas.
Em 2010, Portugal estava a poucos meses de pedir um resgate internacional para fazer face às dificuldades sentidas nas finanças públicas, mas o ambiente vivido no País naqueles tempos pré-troika não desanimou Nuno Santos de abrir a porta ao primeiro projeto empresarial enquanto médico veterinário: um consultório médico veterinário em Alverca.
Nesta aventura embarcou também a colega de profissão Vanessa Feio Borges e nos primeiros tempos foi uma espécie de projeto familiar. “A minha mãe até chegou a assegurar a receção entre julho e setembro, antes de contratarmos uma pessoa para essas funções em outubro desse ano”, recorda à VETERINÁRIA ATUAL.
O início foi “numa loja pequenina, que não tinha mais de 75m2, apenas com um consultório, mas a procura começou logo a ser grande” e a pequena equipa começava a sentir dificuldade em dar resposta à cada vez maior demanda por parte dos clientes, ou não continuasse a periferia da capital a crescer a olhos vistos.
  “O número de casos que termina no hospital, ou seja, a quantidade de óbitos que existe num hospital, é muito exigente para os profissionais e tem um impacto muito grande na saúde mental das equipas” – Nuno Santos, diretor clínico do CVA
Quatro anos depois de iniciar o projeto, o Centro Veterinário de Alverca (CVA) fechou as portas do pequeno consultório e mudou-se para novas instalações. Era um centro médico veterinário (CAMV) com 180 m2 no qual foi possível alargar o número de consultórios, que passaram a ser três, aumentar a área de acolhimento a tutores e a animais de companhia e também aumentar o número de profissionais em medicina veterinária, que passaram a ser três. Nesta clínica a equipa conseguiu começar a apostar na diferenciação de serviços e com o aluguer de um espaço exterior, onde colocaram uma TAC, o CVA começou a ser procurado por outros profissionais da medicina veterinária para a realização de exames, mas também para consultoria aos profissionais que foram chegando e acrescentando algumas valências que as clínicas mais pequenas têm maior dificuldade em assegurar.
Novamente com a sociedade a viver um período conturbado, não encontraremos facilmente quem se tenha esquecido do que o Mundo viveu em 2020, a equipa começa a preparar a mudança para um novo espaço, que apresenta nesta edição, desta feita para instalações com 450m2 que funcionam como hospital veterinário desde 2021 e onde conseguiram expandir a quantidade e a diferenciação de serviços.
“Desde que nos mudámos para cá que o investimento tem sido contínuo”, reconhece o diretor clínico, enumerando o apetrechar dos novos blocos cirúrgicos, os novos carros de anestesia, os dispositivos laparoscópicos, de dentisteria avançada e de endoscopia rígida e avançada, a atualização dos ecógrafos, a sala de TAC (entretanto o espaço onde estava localizado foi encerrado e passou para o hospital) e a esperada entrada em funcionamento da ressonância magnética, poucos dias depois de Nuno Santos falar com a VETERINÁRIA ATUAL.
Ao todo, o novo hospital comporta seis consultórios, duas salas de cirurgia, uma sala de ecografia, internamentos separados para cães, gatos e animais com doenças infeciosas e o certo é que, passados apenas dois anos, “já começamos a sentir falta de espaço”, assegura o diretor clínico.
Uma equipa dividida entre o hospital e a clínica
Quando abriram as instalações do hospital, a equipa já tinha crescido exponencialmente e ao todo eram já 17 os profissionais, 11 dos quais veterinários, que a compunham. Entretanto, hoje são 45, dos quais 20 são médicos veterinários, e foram estes os elementos que passaram a dividir-se entre as instalações da clínica e o hospital.
Manter o espaço da clínica aberto foi uma decisão que procurou responder às necessidades dos tutores e à vontade de alguns dos profissionais. “A ideia foi manter alguma proximidade física [com os clientes] porque no espaço da clínica o tempo de consulta é outro, há uma relação de maior proximidade [entre o profissional e o tutor] e oportunidade até para falar de outros assuntos [além do motivo da consulta do animal de companhia], enquanto no hospital, pela própria natureza do espaço, há menos oportunidade para estabelecer essa relação”, explica Nuno Santos.
No fundo, o paradigma de funcionamento do CVA é muito semelhante às unidades locais de saúde na medicina humana: um centro de saúde para as consultas de proximidade e o hospital para a opinião especializada e os casos referenciados de outros colegas médicos veterinários.
E a equipa também incorporou esta forma de ver os cuidados médico-veterinários, muito em virtude “de terem chegado profissionais que tinham muita experiência de hospital e queriam condições para implementar um modelo diferente, acabando por incutir no resto da equipa a ideia de que era possível chegar lá”, diz Nuno Santos.
O modelo encontrado foi ter os profissionais que gostam mais do trabalho de clínica, e que não quiseram perder o contacto com a medicina veterinária de proximidade, a continuar a trabalhar nas anteriores instalações, fazendo apenas uns turnos no hospital, enquanto a restante equipa de profissionais está unicamente alocada ao hospital, ou seja, é uma equipa só de hospitalização veterinária. Aliás, reforça o diretor clínico, “a maioria das pessoas que, entretanto, entrou já vem para a hospitalização e não estão na clínica”.
“Têm sido dois anos francamente desafiantes”, reconhece o responsável pelo CVA que, ainda assim, enaltece o facto de “ter saído muito pouca gente [desde o início do CVA] o que nos permitiu criar uma equipa muito forte, com bases muito sustentadas, acolher as pessoas que chegaram com qualidade humana e técnica e, assim, crescer dentro de um ambiente muito exigente, como é o de um hospital veterinário, devido ao volume de trabalho”.
Ao volume de trabalho, mas também ao tipo de casos que são recebidos numa unidade de características hospitalares. Nuno Santos não tem pejo em admitir que “o trabalho num hospital veterinário chega a ser violento”. Os turnos, a exigência de cuidados em situações limite, “o número de casos que termina no hospital, ou seja, a quantidade de óbitos que existe num hospital, é muito exigente para os profissionais e tem um impacto muito grande na saúde mental das equipas”.
Aposta na diferenciação dos cuidados
A passagem para as novas instalações há dois anos também permitiu continuar a focar o trabalho em duas vertentes importantes para o CVA: a diferenciação dos cuidados oferecidos e a referenciação.
“Os médicos veterinários de família, por assim dizer, vão continuar a ser fundamentais, mas a especialização é o que vai fazer com que haja um salto qualitativo da medicina veterinária e isso só é possível com pessoas que se dediquem a uma área de interesse” – Nuno Santos, diretor clínico do CVA
A equipa é composta por muitos profissionais que fizeram o estágio no CVA e que apostaram na formação pós-graduada em áreas que têm cada vez mais procura no mercado. A Oncologia, a Estomatologia, a Cirurgia – seja ortopédica, neurológica ou por laparoscopia – e a Dermatologia são especialidades nas quais tem havido bastantes desenvolvimentos científicos nos últimos anos e os elementos do CVA procuraram atualizar conhecimentos nestas áreas, assim como também procuraram responder ao crescente interesse por cuidados diferenciados em animais exóticos.
Como seria de imaginar, a equipa tem apostado bastante em formação em Imagiologia avançada, muito em virtude da aquisição do dispositivo de ressonância magnética, e essa diferenciação é também um elo importante na relação que o CVA tem criado com outros profissionais da medicina veterinária. Aliás, a referenciação é hoje uma parte importante do trabalho da unidade hospitalar e Nuno Santos admite mesmo que essa área de trabalho “cresceu exponencialmente nas novas instalações, com cada vez mais colegas a referenciarem para nós numa área geográfica alargada, seja para exames, seja para procedimentos. Hoje, na nossa atividade, cerca de 40% das pessoas que recebemos são de Alverca, o grosso já vem de fora desta área circundante. Apesar de a referenciação ainda não atingir os dois dígitos, caminhamos rapidamente para que represente 10% da faturação”.
Neste trabalho com outros colegas médicos veterinários a transparência e confiança são pedras basilares e o motor para que tudo corra de acordo com o esperado por todas as partes implicadas: tutor, médico veterinário que referencia e CVA.
“O cliente é sempre o portador da informação e tanto com os clientes, como com os colegas, o nosso ponto de honra é a comunicação. Não queremos que os clientes venham e fiquem connosco, mas que venham, sintam-se bem atendidos e voltem para os colegas que vão seguir o caso”, explica o diretor clínico. Para assegurar essa relação de transparência, quando o cliente referenciado por outro médico veterinário chega ao hospital, assina uma carta de referenciação na receção, na qual identifica o CAMV de onde vem, o motivo da visita e o CVA nesse documento “assume que não faz mais nada para além do motivo pelo qual o animal nos foi referenciado. Não queremos entrar em situações dúbias, de estarmos a trabalhar em cima dos colegas”, assegura Nuno Santos.
Durante a conversa até se lembrou de um caso bem recente que quis dar como exemplo: “Ontem recebi um cliente referenciado para TAC, mas ao ver o animal deparei-me com uns achados e antes de partir para o exame liguei para o colega porque me parecia que esses achados nos deveriam levar por outro caminho. Com a discussão do caso, conseguimos chegar a um consenso sobre o que fazer. Esta comunicação e o termos uma relação franca com quem nos procura é o que nos tem feito crescer”.
Na perspetiva de Nuno Santos, a especialização de cuidados é o futuro dos cuidados médico-veterinários. “Os médicos veterinários de família, por assim dizer, vão continuar a ser fundamentais, mas a especialização é o que vai fazer com que haja um salto qualitativo da medicina veterinária e isso só é possível com pessoas que se dediquem a uma área de interesse”, explica o diretor clínico.
Muito embora esse seja um caminho visto com alguma ambiguidade pelos tutores. Se, por um lado, procuram cada vez mais respostas diferenciadas para os animais de companhia, por outro “nem sempre percebem que, por exemplo, eu hoje já não faça algumas coisas que fazia anteriormente e percebo que alguns clientes sentem alguma mágoa que eu não tenha o mesmo tempo” por estar alocado ao hospital, conta.
Ainda assim, Nuno Santos garante: “Gosto muito de fazer o que faço e acabo por passar à equipa esse sentimento de ser importante gostarmos daquilo que fazemos. Passamos muito tempo no trabalho, às vezes mais do que passamos em casa, e é difícil ter um equilíbrio. Espero que caminhemos a passos largos para que seja cada vez mais positivo este equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, para o bem da nossa saúde mental”.
Internamento e emergência são o foco em 2023
A poucos dias de abrir a ressonância magnética, Nuno Santos estava confiante no sucesso da nova valência do CVA. Neste momento, o diretor clínico sente-se confortável com os profissionais que tem na equipa e conta com eles para “consolidar a parte do internamento e aumentar o número de internamentos”. Aliás, a área emergencial e a área de internamento “são o nosso foco em 2023”, sublinha o responsável.
Ainda assim, reconhece que, apesar de terem apenas dois anos, as instalações já começam a ser curtas para a procura e admite que gostaria de aumentar o número de jaulas de recobro de cirurgia, mas apenas depois de consolidar o trabalho na área cirúrgica. “É um desejo para 2024 e vamos trabalhar nesse sentido”, revela.
Com a nova resposta na área da Imagiologia avançada, Nuno Santos tem também como objetivo aumentar a referenciação para o CVA. “Queremos que os colegas tenham abertura para nós tratarmos os clientes deles naquelas situações em que não o conseguem fazer. Se os colegas não conseguem tratar os problemas menos comuns, nós conseguimos dar uma boa reposta. A referenciação funciona muito bem para casos mais desafiantes”, assegura o diretor clínico.
*Artigo publicado na edição 173 da VETERINÁRIA ATUAL, de julho-agosto de 2023.