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Canabinóides − Uma visão 360º (Parte 1 de 3)

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A Medicina veterinária integrativa está de volta à VETERINÁRIA ATUAL!

O que poderia ser mais atual que o tema dos canabinóides e o seu uso medicinal em prol da saúde animal?

O uso de canabinóides (CBD) está cada vez mais difundido em grande parte porque os tutores optam por administrar aos seus animais, depois de pesquisas online à procura de soluções.

Com patologias desafiantes cada vez mais prevalentes como é o caso das doenças oncológicas, autoimunes e degenerativas, o CBD tem demonstrado a sua eficácia em especial como parte de um maneio multimodal.

Esta molécula extraída das várias espécies de Cannabis ou Cânhamo, promove nos pacientes auxílio no controlo da dor, da inflamação, uma diminuição da ansiedade e ainda exerce efeitos ao nível hormonal.

A base do funcionamento do CBD está relacionada com a presença de um Sistema Endocanabinóide, descoberto em 1990, que funciona como um regulador de homeostase fisiológica.

Historicamente, o uso terapêutico de cannabis em medicina veterinária data do século 12 na Índia onde ainda hoje é usado para tratar diarreia em gado bovino, como anti-helmíntico, para o aumento da produção de leite e ainda como tónico para a fadiga nos machos reprodutores.

O conhecimento foi trazido da Índia para a Europa por William Brooke O’Shaughnessy, um médico irlandês que realizou vários estudos sobre o efeito narcótico em diversas espécies de carnívoros e herbívoros, em 1838. Posteriormente, dedicou-se ao estudo dos efeitos terapêuticos em condições humanas como a artrite reumatoide, tétano entre outras.

Historicamente na Europa o óleo de cannabis tem descritas utilizações em lesões nas orelhas de cães e efeito purgativo em gado bovino em França (1875), em Itália uso em cólica e dor do trato urinário (1879), na Escócia o efeito analgésico, purgativo e anti-espasmódico equivalente ao ópio (1880). Em Inglaterra o seu uso foi indicado para asma, convulsões, tosse, cistite e tétano (1877).

Nos Estados Unidos vários estudos foram desenvolvidos em equinos (1896) no tratamento para o tétano, rabdomiólise de exercício, efeito sedativo, analgésico e hipnótico.

Em 1938 Robert P. Walton descreve e compila informação sobre os usos e efeitos do cannabis medicinal em medicina veterinária focando maioritariamente na potência em cães. Posteriormente outros veterinários dedicaram-se a estudar os efeitos da planta a par com a legislação de cada país o que grandemente influenciou e influencia a quantidade de informação existente.

A descoberta do Sistema Endocanabinóide ocorreu pelo reconhecimento da ligação de uma das moléculas presentes no cannabis, o Tetrahidrocanabidiol (THC) a dois recetores de membrana endógenos que não tinham ainda sido previamente identificados. Foram denominados Receptor Canabinóide 1 (CB1) e Receptor Canabinóide 2 (CB2). A partir desta descoberta foram identificados os ligandos endógenos (AEA e 2-AG) como sendo encocannabinóides (ECS) que derivam do ácido araquidônico presente nas membranas celulares.

Por este motivo, a presença de ácidos gordos poliinsaturados influencia diretamente o percurso de sinalização no sistema endocanabinóide.

Os recetores CB1 localizam-se maioritariamente no cérebro e estão presentes também no coração, vasos sanguíneos, fígado, pulmões, sistema digestivo, gordura e espermatozóides.

Os recetores CB2 encontram-se associados ao sistema imunitário e podem modular a libertação de citoquinas contribuindo para a regulação da resposta imunitária.

Além das moléculas que fazem parte do Sistema Encocanabinóide clássico são conhecidas outras moléculas que possuem afinidade aos recetores e que fazem parte de um grupo denominado Endocanabinoidoma. São compostos não específicos que possuem um efeito potenciador dos endocanabinóides conhecido como efeito “entourage”.

Fazem parte do Endocanabidioma moléculas endógenas como o Palmitoetanolamida (PEA) e exógenas como os terpenos e flavonóides presentes nas espécies de cannabis.

Atualmente postula-se, baseado em evidência médica, que diversas patologias crónicas se devem a deficiências do Sistema Endocanabinóide e os estudos dedicam-se à pesquisa dos genes e fatores externos que determinam e afetam a produção de Sistema Endocanabinóide.

Praticamente todos os animais vertebrados e invertebrados possuem um Sistema Endocanabinóide e a sua presença é indicativa da sua importância biológica. Compreender este sistema é crucial para corretas intervenções terapêuticas.

Nos cães a presença de recetores CB1 é muito superior à detetada nos humanos. Com a idade o número de recetores CB1 vai diminuindo. Em cães diagnosticados com Mielopatia Degenerativa, comparativamente a cães saudáveis, não foram detetadas diferenças nos recetores CB1, contudo os recetores CB2 encontravam-se aumentados.

Estudos realizados em felinos sugerem que o uso de fitocanabinóides ou moléculas químicas que interfiram com o Sistema Endocanabinóide estão desaconselhados em animais de reprodução devido a efeitos adversos na fertilidade e gestação.

O Sistema Endocanabinóide é reconhecido como sendo parte responsável da homeostase de vários órgãos vitais através de efeito dos ECS no sistema nervoso central promovendo o alívio da dor e inflamação, modulando o metabolismo e a função neurológica, contribuindo para um processo digestivo saudável e participando no desenvolvimento embrionário.

No próximo artigo: A farmacologia dos Canabinóides.

Bibliografia

Cital, Stephen; Kramer, Katherine; Hugston, Liz; Gaynos, James S.; (2021) Cannabis Therapy in Veterinary Medicine, A complete guide; Springer

 

*MV, PG Acupunctura, IVAS Certf. AP; diretora clínica ZENVET Medicina Veterinária Integrativa. www.zenvet.pt

 

** Artigo publicado na edição de junho de 2022 da VETERINÁRIA ATUAL

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