Um bicho de sete cabeças que representa uma das maiores dificuldades a nível profissional e pessoal da classe, o Burnout é um assunto que urge abordar com maior frequência e, muito importante, comunicar em vez de resguardar.
A medicina veterinária, seja ela praticada em contexto clínico ou não, é uma das profissões mais exigentes. Contudo, e como referi num artigo anterior, é ainda pouco valorizada. Do ponto de vista da exigência emocional, se acrescentarmos o facto de que a morte de pacientes é algo que é inerente à profissão e que, com alguma frequência, a responsabilização por parte dos tutores é (incorretamente) imputada aos profissionais, acaba por se tornar compreensível o enorme desgaste que muitos veterinários sentem diariamente. Estes e muitos outros fatores são decisivos para o elevado risco de Burnout que a profissão acarreta.
Identificar esta síndrome é uma tarefa complexa, sendo que não me irei alongar sobre este tema. O que me compete realçar neste artigo é o apoio e a visibilidade que esta temática merece. E, também, o que pode ser feito em comunicação, ajudando todos os profissionais desta área. Segundo os dados mais recentes, a medicina veterinária é, inequivocamente, uma das classes mais afetadas, pelo que se torna necessário ir mais além do apoio e identificação de todos os que se encontram nesta situação. A prevenção, como em qualquer medicina, é a chave.
Um ponto extremamente favorável a assinalar é a crescente tomada de consciência acerca desta doença que alastra entre a classe. De igual modo, é evidente a necessidade do sentimento de união como estímulo fundamental para combater esta adversidade. O movimento Not One More Vet faz jus a isso mesmo, alertando não só os profissionais desta área para a dimensão da questão, mas também a comunidade em geral.
Comunicação
Apesar disso, deparamo-nos com algumas questões que clamam por respostas. Será que a classe, no seu todo, se sente suficientemente apoiada e protegida? Como podem ser preparadas e resguardadas as futuras gerações de veterinários?
A comunicação, uma vez mais, constitui um aliado de peso. Algo que considero essencial para a desmistificação e maior abertura acerca deste assunto é a partilha de experiências entre todos. É necessária e fundamental a implementação de iniciativas que promovam o bem-estar e a saúde mental dos profissionais através de eventos, físicos ou digitais, ou até sobre outras formas, como poderia ser o caso da criação de um podcast com o Burnout como tema central.
Avançando em direção ao epicentro do Burnout na veterinária, os CAMV poderão levar a cabo um conjunto de ações que visem avaliar e melhorar a saúde dos seus colaboradores. A realização de inquéritos semestrais desenvolvidos pelos próprios CAMV, que ajudem a identificar esse tipo de situações será determinante para a deteção precoce de casos. Outro ponto a considerar seria a formulação ou reformulação de um plano específico de saúde oferecido aos profissionais que trabalhem nos CAMV, e cuja incidência no suporte à saúde mental seja substancialmente maior. E porque muitas vezes o diagnóstico desta doença é facilmente confundível com outras afeções, é vital que os CAMV informem e tenham materiais de comunicação in loco que facilitem a autoperceção por parte dos colaboradores.
Mas a verdade é que o Burnout não se limita apenas aos CAMV – tal como não se cinge apenas a veterinários, mas igualmente a outros profissionais de saúde animal -, estendendo-se também a outros ramos da prática veterinária. Assumindo esta transversalidade, a criação de um gabinete de apoio ao médico-veterinário – constituído por profissionais de saúde mental e em conjunto com determinados veterinários que melhor conhecem a complexidade da profissão – poderá representar a catálise para a identificação atempada deste problema.
Por outro lado, existem já alternativas que, possivelmente por motivos de insuficiente divulgação, são ainda relativamente pouco conhecidas. É o caso da Vets in Mind, uma organização cujo objetivo é fornecer informação credível sobre este tema aos veterinários. Através de uma app própria, possui diversas ferramentas de grande utilidade, como testemunhos de superação de vários veterinários, case studies e um redirecionamento de suporte através da divulgação das linhas de apoio existentes em diferentes países (Portugal incluído).
Também a formação, cuja importância é incomensurável, poderá desempenhar um papel determinante. Existem já cursos sobre este tema que, além de dotarem de conhecimentos básicos que possibilitam uma gestão mais equilibrada do dia a dia profissional, serão sem dúvida um trunfo para identificar situações de outros colegas, auxiliando-os neste tipo de situação. É o caso do Instituto CRIAP, que apresenta no seu leque de ofertas formativas o Curso Avançado de Burnout na Medicina Veterinária.
Não restam dúvidas quanto à necessidade de um maior apoio, interno e externo, a todos os profissionais de saúde animal. Ao mesmo tempo, é também importante que haja uma maior exteriorização por parte destes, de forma a garantir o foco em algo indissociável da nossa saúde: a autopreservação.
Acredito seriamente que uma correta utilização dos benefícios que a comunicação providencia contribuirá para aumentar a probabilidade de, pouco a pouco, converter este cabo das tormentas num cabo da boa saúde.
*Bernardo Soares – UPPartner DVM / Animal Health Advisor bernardo.soares@uppartner.pt
*Artigo de opinião publicado originalmente na edição n.º 161 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de junho de 2022.