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Animais de Companhia

Ansiedade em animais de companhia: O trabalho de equipa e o desafio de não desistir

Vet Atual ansiedade separação cao

É um processo demorado e que exige a responsabilidade e investimento da parte dos tutores. Tratar a ansiedade implica treino, tempo, persistência, gastos monetários e uma enorme resiliência. No final, os casos bem-sucedidos compensam e renovam a motivação para continuar. Da parte da classe, são precisos mais profissionais e uma maior valorização da área do comportamento.

A idade da cadela Ollie andará entre os quatro, cinco anos. Liliana Lage, a sua tutora, não sabe precisar porque a resgatou da rua. Já há algum tempo que gostava de ter um cão mas achava que não tinha as condições para dar esse passo. Afinal, a vida viria a provar-lhe que não só as tinha, como também viria a transformar-se numa cuidadora responsável e resiliente.

 

É uma história desafiante, a sua, que começa num dia em que foi de férias para Rio Torto, uma aldeia localizada em Trás-Os-Montes, a terra da sua avó, pai e tios, e que foi alertada para o facto de haver um cão (não se sabia ainda que se tratava de uma cadela) no cemitério da zona. “A minha mãe insistiu para que o fosse conhecer quando lá chegasse. Mal cheguei, fomos ao cemitério e o cão veio logo ter connosco. Começámos a suspeitar que tivesse morrido o tutor e que o cão andasse por ali por esse motivo. Até hoje não sabemos se esta ideia teria razão de ser”, explica. Seguiram-se alguns episódios curiosos que Liliana não consegue até hoje descodificar, mas que a levam a pensar que a Ollie acabaria por escolhê-la para sua tutora.

Foi num dia de chuva torrencial, a 21 de setembro de 2019, que Liliana e o namorado resolveram voltar à terra para resgatar o animal por decisão de ambos. “Eu tinha consciência de que já tinha passado um mês desde que a tinha visto e podia ter acontecido muita coisa.” Confessa que tinha alguma esperança, mas “expectativas moderadas”. Não foi fácil reencontrar o cão, mas insistiram e eis que o avistaram numa colina de uma zona mais recôndita em que estavam vários cães juntos. Quando estavam prestes a desistir, Liliana viu aquele cão preto no horizonte a correr na sua direção. “Foi um episódio típico de um filme. Após o resgate decidimos ir a um veterinário da zona que informou o casal de que o cão afinal era uma cadela, que não estaria grávida nem tinha chip.” Optaram então por dar um lar a este animal que vivia abandonado.

 

“É importante ressalvar que nos problemas comportamentais nem sempre se alcança uma resolução total do problema e que o empenho do tutor será o mais importante no alcance dos resultados” – Joana Leonardo

 

“No caminho para Lisboa marquei um banho e tosquia porque a Ollie tinha muito pelo. Decidimos também fazer um check-up para perceber se estaria tudo bem com a sua saúde.” Era muito magra – pesava apenas 15 quilos e hoje pesa 25 – e os primeiros tempos foram exigentes porque a Ollie não comia e passou por alguns problemas de saúde. Os primeiros três meses foram de adaptação da Ollie aos novos tutores e vice-versa até que certa noite, durante uma ida ao teatro, quando chegaram a casa, a porta da cozinha estava totalmente destruída. “Tinha também estragado tudo o que estivesse por perto e este foi o primeiro sinal de alerta que tivemos.”

Depois deste primeiro episódio, o casal começou a sair e a gravar o que a Ollie fazia em casa durante as ausências pois já tinham recebido algumas queixas de vizinhos. “A nossa cadela passava todo o tempo a uivar e percebemos que seria bom colocá-la numa creche pois não a podíamos deixar sozinha. Seria um bom local para socializar com outros animais e fomentar a aprendizagem.” Em simultâneo, tentaram uma primeira abordagem com uma treinadora mas que não correu bem e foi preciso pedir uma segunda opinião. “Decidi trocar de veterinário, gostávamos imenso da maneira como tratava a Ollie e comecei a contar alguns comportamentos que a cadela tinha.”

 

Outra situação que o casal estranhou foi a reação agressiva da Ollie a uma pessoa que se deslocou a casa de ambos. “Não lhe mordeu, mas ladrava e investia em pessoas desconhecidas. É um cão grande, preto, as pessoas assustavam-se e ela ainda se assustava mais. Como a nossa médica veterinária tinha alguma formação em comportamento animal, ajudou-me com alguns exercícios que permitiam saber se ela estava ou não ansiosa e alguns exercícios práticos com treinos para problemas de ansiedade de separação.” Durante alguns meses, a situação não melhorou.

A história de Liliana e Ollie ainda nem a meio vai. Mas os contornos, o investimento e as necessidades regulares levaram esta tutora a momentos de desespero. “Nunca pensei em ter um animal com estes problemas e com a chegada da Ollie à minha vida aprendi a ter dois mundos: o bom e o mau.” Ao mesmo tempo em que ganhou uma companhia diária também teve de aprender a ler sinais de alerta, a ser resiliente e a encarar todos os desafios que a Ollie lhe tem vindo a colocar.

Diagnóstico diferencial

A ansiedade em animais de companhia é multifatorial. “Pode estar relacionada com questões genéticas, com aprendizagem em idade precoce da vida, com experiências ao longo da vida, com o tipo de ambiente em que o animal está inserido… São vários os fatores que podem influenciar as respostas comportamentais”, explica Gonçalo da Graça Pereira, médico veterinário especialista europeu em Medicina Comportamental e diplomado em Bem-Estar, Ética e Lei, docente na Egas Moniz School of Health and Science. De igual modo, os sinais de alerta podem ser diversos e muito particulares de animal para animal. “Um animal pode urinar fora do sítio e outro pode arrancar o pelo. Em termos gerais de manifestações de ansiedade, temos animais que passam a lamber-se demais e outros que deixam de fazer grooming. Temos animais que têm uma atividade exagerada e outros que ficam mais hipoativos e apáticos. E alguns têm respostas de agressividade e são mais destruidores do que outros.” Estes são apenas alguns exemplos.

Estamos perante uma urgência comportamental quando um cão ou um gato ataca um tutor. Mas, perante sinais suspeitos, é necessário fazer diagnósticos diferenciais. “A maioria dos casos é referenciada para consultas de comportamento. Na fase de diagnosticar temos os dois lados da medalha: há situações que parecem comportamento, mas que não são, pois, o comportamento está alterado devido a uma doença física e também situações que parecem de origem física e têm por detrás uma componente comportamental”, explica Gonçalo da Graça Pereira. O trabalho tem de ser realizado em conjunto com o médico veterinário generalista que referenciou o caso ou de outra especialidade (ortopedia, neurologia, etc.). “Alerto sempre para que nos nossos diferenciais seja colocada como uma das hipóteses uma doença de comportamento porque, muitas vezes, temos várias situações a ocorrer em simultâneo com efeito cumulativo de doenças físicas e de comportamento”, acrescenta.

Os vídeos dos animais que surgem na consulta e que são filmados pelos tutores são essenciais pois permitem ao médico veterinário da área de comportamento avaliar as respostas comportamentais, a linguagem corporal do animal e tudo aquilo que vai ajudar a avaliar o estado emocional num determinado momento. “Mas também precisamos do historial clínico aprofundado do animal e é por esse motivo que uma primeira consulta de comportamento demora de duas a três horas pois precisamos de tempo para recolher muitos detalhes.”

Perante um diagnóstico de ansiedade é instituída uma terapêutica médica [psicofármacos, ansiolíticos, etc.], ao mesmo tempo em que se trabalha a modificação comportamental instituída em conjunto com o terapeuta que vai fazer o acompanhamento com treino. “Por vezes, aparecem-nos casos de animais com problemas de comportamento há dez anos e estes vão demorar muito mais a tratar”, explica o médico veterinário. Este é um dos grandes desafios no tratamento de doenças comportamentais pois quanto mais tarde é o diagnóstico, mais tarde é iniciado o tratamento e pior o prognóstico.

“Por vezes, aparecem-nos casos de animais com problemas de comportamento há dez anos e estes vão demorar mais a tratar” – Gonçalo da Graça Pereira

Antes de se tornar médica veterinária, o comportamento animal era a área que mais a fascinava. Joana Leonardo chegou a ponderar ingressar em biologia para se dedicar à investigação nessa área. Mas a medicina veterinária acabou por ganhar. “Na tentativa de oferecer um serviço diferenciador aos meus pacientes encontrei na medicina comportamental uma área com imensa casuística e de grande interesse clínico”, explica a médica veterinária da Clínica Veterinária Vilavet, em Vila Real de Santo António, no Algarve, pós-graduada em medicina veterinária comportamental, bem-estar animal e em intervenção na doença comportamental. Uma vez que a doença comportamental “nem sempre é percecionada pelos tutores, mas é evidente para os profissionais durante as consultas”, considera que “durante a prática de clínica geral, o médico veterinário assistente tem “a dupla missão de identificar o problema e conseguir com que o tutor reconheça a necessidade de intervenção”.

Os casos mais frequentes que chegam à Vilavet são a ansiedade generalizada e por separação e a agressividade, isto no caso dos cães. No caso dos gatos, são os problemas de eliminação, a agressividade e o conflito social. “No entanto, falamos apenas das manifestações mais evidentes aos olhos dos tutores porque, na maioria dos casos, existem vários problemas indissociáveis uns dos outros”, explica Joana Leonardo.

Os colegas da região e a equipa da Vilavet estão sensibilizados para a especificidade desta área clínica, garante Joana Leonardo. “Temos casos de clientes habituais e casos referenciados de todo o Algarve. A intervenção na doença comportamental implica um protocolo de modificação de conduta e, muitas vezes, a introdução de psicofármacos.” Para que este protocolo seja bem-sucedido, implica que os tutores estejam “mais disponíveis e motivados”. Em muitas situações, é fundamental uma articulação eficaz entre veterinário, treinador e tutor. “É importante ressalvar que nos problemas comportamentais nem sempre se alcança uma resolução total do problema e que o empenho do tutor será o mais importante no alcance dos resultados.”

Na Clínica LPDA (Liga Portuguesa dos Direitos do Animal), em Carcavelos, no concelho de Cascais, existem consultas de comportamento referenciadas. “No entanto, as mesmas nunca acontecem em simultâneo com a rotina normal da clínica. São devidamente marcadas no domicílio dos tutores ou na própria clínica, mas com uma separação marcada entre as consultas generalistas e as consultas de referência”, explica a diretora clínica Célia Palma. De igual modo, a equipa desta clínica também referencia para a mesma consulta.

Na LPDA existem alguns requisitos “pré consulta” porque os animais têm de passar sempre por uma consulta física e generalista, fazer exames complementares de diagnóstico e só depois de tudo o resto ser descartado é que se conclui que eventualmente se pode estar perante um problema de comportamento. “Pela nossa prática clínica, em algumas consultas, podemos desconfiar que determinado animal tem um problema de comportamento, mas, por vezes, também somos surpreendidos quando vamos investigar um pouco. Por vezes, percebemos na própria consulta, por sinais que o animal dá, que pode tratar-se de uma doença comportamental”, refere a médica veterinária. E este é “o fim da linha e que surge quando tudo o resto já foi descartado”, sublinha.

Uma vez que a ansiedade se reflete de variadas formas na própria consulta, Joana Leonardo considera essencial a realização de um questionário muito extenso ao tutor para chegar ao diagnóstico, tanto no cão como no gato, embora as questões a colocar sejam “muito distintas em ambas as espécies assim como as manifestações do problema”. Nos animais exóticos, por exemplo, “são mais discretas e mais percetíveis”. A médica veterinária diz que “podemos ter um animal com manifestações de ansiedade durante a consulta por falta de sensibilização às vindas ao veterinário, mas que no seu dia-a-dia tem uma conduta equilibrada e, por outro lado, podemos ter na consulta um animal aparentemente calmo mas que está em grande ansiedade e simplesmente adotou a postura de ‘freeze’”.

“Os tutores são importantíssimos e sem eles nada se consegue. Eu vejo o cão uma vez por semana, de quinze em quinze dias, ou ainda de forma mais espaçada. Os tutores estão todos os dias com eles. Somos uma equipa” – Maria Batista

Tratamento prolongado no tempo

Um dos maiores desafios surge devido ao facto de os tutores demorarem a perceber os sinais. “Muitas vezes, procuram ajuda quando há um problema mais direto ou quando os sinais os incomodam diretamente”, explica Célia Palma, partilhando alguns exemplos práticos: “Quando os gatos fazem marcação com urina ou os cães começam a morder a pessoas desconhecidas ou às pessoas de casa.” A aposta na prevenção pode ajudar a dar orientações para que determinado problema não se agrave. “Temos de aproveitar essa oportunidade e envolver os colegas que ainda estão muito formatados para a doença física pois existe muito a fazer quando os animais ainda são jovens.”

Da experiência na prática clínica de Gonçalo da Graça Pereira, as pessoas que chegam a uma consulta de comportamento já estão mais predispostas a aceitar os conselhos e tratamento adequados. “Por vezes, recebemos tutores que foram pedir várias opiniões, mas nem sempre são as mais eficazes. E, depois, passam-se anos neste processo.” Nestes casos, sublinha o médico veterinário, o limiar de tolerância dos tutores já é muito baixo e o cansaço é grande. “Erradamente, muitas pessoas pensam que há um tratamento rápido ou comprimidos milagrosos”, defende. Nada mais contrário. Este tratamento pode implicar mudanças no ambiente, em casa e no seio familiar, o que implica uma grande dedicação. “Muitas pessoas não conseguem corresponder e acabam por desistir. Mais do que mudar o comportamento animal, é difícil mudar os tutores.”

Depois de dois anos com o mesmo treinador e sem melhorias do ponto de vista comportamental apesar dos benefícios “em termos de regras e de aprendizagem” com treinos baseados em reforço positivo, Ollie continuava com o seu problema por resolver. “Entretanto, eu e o meu namorado separámo-nos, o que foi uma situação desafiante para ambas. Cheguei ao ponto em que não podia sair para a Ollie não ficar sozinha, mas também não podia receber visitas porque ela reagia e ladrava muito.” A vida desta tutora começou a ficar cada vez mais condicionada e a família demonstrava uma grande preocupação com tudo o que se estava a passar.

Durante o tempo em que esteve em teletrabalho, Liliana manteve a rotina de a Ollie ir à creche e realizava treinos no exterior. “Foi muito duro e difícil. Voltei a pedir uma segunda opinião a outro médico veterinário amigo do meu pai que sugeriu uma consulta com o Dr. Gonçalo da Graça Pereira e esta seria a última hipótese no plano para ajudar a Ollie. Já não sabia o que podia tentar mais”, explica. Apesar do cansaço nunca pensou em “descartar” a sua cadela depois de todo o esforço e de a ter resgatado a mais de 400 quilómetros de casa.

“Cada caso bem-sucedido dá-nos vontade de continuar por mais exigente que seja” – Célia Palma

Com esta nova opinião, a Ollie passou a ter uma nova medicação química que veio substituir um tratamento natural que fazia anteriormente e sessões com uma nova treinadora. “O treinador anterior também fez sucessivas tentativas, foi incansável, eu já estava absolutamente de rastos e em franco desespero.” Liliana emociona-se durante a entrevista e é um dos casos que representam uma minoria que consegue dedicar tempo, dinheiro e ser persistente para encontrar uma solução. “Além do treino, da creche e da medicação, há outro tipo de investimento que temos de fazer ao nível da compra de alimentação e material para apoio ao treino”, explica.

Os novos treinos são muito diferentes, começaram por ser semanais com a treinadora e Liliana tinha a responsabilidade de realizar exercícios diários com a Ollie para que ela pudesse ficar mais tranquila e aprender. “Foi difícil gerir e articular a vida pessoal, profissional e este desafio na sua rotina. Estava muito cansada.” Os treinos foram adaptados ao longo do tempo e até que Liliana conseguisse sair e deixar a cadela em casa passaram alguns meses. “Saía para trabalhar enquanto ela ficava na creche, deixei de ter vida social, estive mais de um ano sem fazer a minha vida normal”, desabafa. Aos poucos, foi testando as saídas e aumentando o tempo em que ficava fora de casa. Acontecia gradualmente. Começou por dez minutos, quinze, 20 e por aí adiante. Atualmente, já consegue estar quatro horas ausente e monitoriza a Ollie através de câmaras de videovigilância que a ajudam a perceber que fica sossegada.

A importância do treino

Os casos chegam a Maria Batista, psicóloga e consultora de comportamento em animais de companhia, através de referenciação de médicos veterinários dedicados à área do comportamento ou de pessoas que recomendam o seu trabalho. “O plano de treino tem de ser ajustado aos problemas do cão, começando pelo que é mais grave ou mais problemático para os tutores”, afirma. Depois tem de ser ajustado passo a passo. “Por exemplo, no caso de um cão com problemas relacionados com a separação que tem medo de ficar sozinho, o que o acalma, normalmente não é o mesmo que funciona com outro com o mesmo problema. Muitas vezes, o que ajuda um, prejudica outro.”

É um processo de contínuo ajuste à medida que o cão ganha segurança e consegue ir evoluindo. Maria Batista costuma escrever sessões para cada dia da semana, de segunda a sexta-feira para os tutores fazerem com o cão e, uma vez por semana, fazem uma sessão online para que a treinadora possa observar. Consoante o comportamento que o cão apresenta, escreve as sessões seguintes. “A forma como evoluem difere muito. Mas é sempre difícil. Muitos tutores desistem porque dá muito trabalho e os resultados demoram. Uns demoram mais do que outros. O comportamento não se muda de um dia para o outro.” As mudanças são lentas e há mesmo cães que “nunca vão ser completamente descontraídos. O que tentamos é obter a melhor versão que cada um pode ser. Proporcionar-lhes, o mais possível, bem-estar durante a vida”, sublinha.

Inicialmente, é necessário ensinar o cão a relaxar e a focar-se no tutor. “Isto em simultâneo com otimização ambiental e garantir que o cão tem as necessidades básicas suprimidas”, refere Maria Batista que, além de ter concluído um doutoramento em Psicologia Social, está atualmente a fazer outro em Ciências Veterinárias. Os exercícios variam consoante o problema. “Se o cão faz guarda de recurso a objetos, os exercícios são uns, se é reativo a outros cães, os exercícios são outros e por aí fora.”

“A ligação que criei com a Ollie e o amor que sinto por ela é o que me faz não desistir” – Liliana Lage

Durante todo o processo, existe uma articulação com o tutor, com o médico veterinário dedicado ao comportamento e o médico veterinário generalista. “Falamos de tempos a tempos. Por vezes, a dosagem não é suficiente e é necessário aumentar pois o nível de ansiedade é tão elevado que o animal pode não conseguir aprender. Tem de estar suficientemente tranquilo na situação que lhes causa ansiedade para conseguir aprender que, pelo menos, daquela maneira, não é perigoso.” E é assim que o processo vai andando para a frente. “Os tutores são importantíssimos e sem eles nada se consegue. Eu vejo o cão uma vez por semana, de quinze em quinze dias, ou ainda de forma mais espaçada. Os tutores estão todos os dias com eles. Somos uma equipa.” Os gatos também são treinados e os benefícios são visíveis, mas, até ao dia de hoje, Maria Batista só treinou dois felinos.

Gonçalo da Graça Pereira defende que todos os médicos veterinários devem ter um ou dois treinadores em quem confiam e com quem trabalham diretamente e demonstra inquietação com algumas consultas disponibilizadas atualmente. “O que me preocupa é que não temos ainda médicos veterinários suficientes a trabalhar na área de comportamento para colmatar todas as necessidades, o que leva a que alguns CAMV ofereçam um serviço que não é assegurado por um médico veterinário e que deveria ter outro nome que não consulta de medicina de comportamento.”

Em termos de profissionais na área do treino, a zona do Algarve tem bastante oferta de serviços, destaca Joana Leonardo. “No entanto, os problemas comportamentais são na maioria das vezes indissociáveis de problemas orgânicos. Nesta medida, as consultas de medicina comportamental na Vilavet fazem uma abordagem global à situação, o que aumenta as probabilidades de sucesso.”

A realidade relatada por Célia Palma é ligeiramente diferente. “Vamos fazendo uma triagem contínua até chegar ao ponto em que só sobram meia dúzia de casos bem-sucedidos porque nem todos os tutores conseguem levar o tratamento até ao fim – que implica tempo, disponibilidade e investimento – e aguentar a pressão.” Mas, quando se chega a um caso de sucesso, “vale muito a pena, pois esta é uma área muito difícil de manipular. Cada caso bem-sucedido dá-nos vontade de continuar por mais exigente que seja.”

Nem todos os animais chegam ao fim do protocolo perante um problema de comportamento pois alguns tutores desistem. “Mas, quando chegam, é um orgulho para todos, uma grande satisfação. E, para o cão, a vida passa a ser com mais qualidade em vez de viver com medo e ansiedade.” Liliana Lage não desiste ainda que a sua vida tenha ficado muito limitada. Ainda não consegue ter uma rotina normal, mas, aos poucos, dá passos sustentados e a sua cadela já está mais habituada a estranhos e a ficar mais tempo sozinha. “A ligação que criei com a Ollie e o amor que sinto por ela é o que me faz não desistir”, remata.

Faltam profissionais e a valorização por parte de colegas

Joana Leonardo considera que a área do comportamento está em “franca expansão. “A convivência íntima entre seres humanos e animais de companhia por um lado leva a um maior impacto dos problemas de comportamento na vida das pessoas, por outro, esta convivência nem sempre é saudável e muitas das situações são causadas precisamente porque os tutores não respeitam a natureza individual do animal”, defende. Na perspetiva clínica, considera essencial a sensibilidade e o diagnóstico pelo veterinário assistente pois, “muitas vezes, o tutor pode não ter a perceção da existência de um problema se o mesmo não impactar o seu quotidiano, mas ele pode existir e pôr em causa o bem-estar animal”.

Apesar da evolução na área faltam veterinários e enfermeiros veterinários dedicados ao comportamento, defende Gonçalo da Graça Pereira. “Cada vez há mais pessoas a sentirem necessidade de ter mais informação porque surgem mais casos nas suas clínicas e ainda não se aprende o suficiente sobre comportamento nos nossos cursos. Falta haver mais valorização dentro da própria classe e este é um caminho a percorrer.”

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