Responsáveis da área do bem-estar animal dos animais de investigação asseguram que a maioria das instituições nacionais está a cumprir o Acordo de Transparência, celebrado em junho de 2018, disponibilizando informação nos seus sites, considerando assim que o alerta da Associação Europeia de Investigação Animal (EARA) em junho do ano passado “foi precipitado”.
“Falta de informação não é falta de transparência”, defende Nuno Franco, coordenador da Rede Nacional de Órgãos Responsáveis pelo Bem-Estar dos Animais (RedeORBEA), um dos responsáveis que a VETERINÁRIA ATUAL contactou para avaliar as conclusões de um estudo da Associação Europeia de Investigação Animal (EARA) aos websites de algumas organizações de investigação biomédica em Portugal, divulgado em junho. Nas conclusões, a EARA considerou que o setor ainda precisa de trabalhar para obter maior “abertura e transparência” na investigação animal e na utilização de animais para fins científicos.
A EARA avaliou sites institucionais de entidades públicas e privadas, entre universidades e empresas farmacêuticas, e revelou que apenas 26% das instituições que realizam estudos com animais possuem uma declaração oficial nos seus portais que explique a utilização de animais nas suas investigações e ainda as normas de bem-estar utilizadas. Ainda assim, cerca de 62% dos sites analisados cumpriam já os critérios para providenciar “mais informações”, nomeadamente ao referir o tipo de animais usados nos estudos científicos.
Ricardo Afonso, presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências em Animais de Laboratório (SPCAL), considera que este alerta da EARA “foi precipitado, tendo por base uma exigência muito britânica”. O também professor de Fisiologia na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa disse que a EARA pretendia que a informação sobre o uso de animais para fins científicos estivesse “logo à cabeça nos sites e, de facto, não está, mas isso é reflexo da nossa cultura, não é sinal de opacidade ou de se querer esconder”.
Investigação tem pouca visibilidade
Ricardo Afonso salienta que “a informação é disponibilizada, mas com discrição, sem grande realce, porque é preciso não esquecer que os animais são um meio para atingir um determinado fim e esse é que as instituições publicitam, isso é que é a ‘notícia’”. Apesar disso, frisa: “Quando se vai ler sobre cada projeto, o uso de animais não é escondido.”
O presidente da SPCAL sublinha ainda que, “no nosso País, mesmo a investigação tem tão pouca visibilidade que as instituições tentam dar destaque à descoberta”.
Opinião partilhada por Ana Isabel Santos, presidente da Federação Europeia de Associações de Ciências de Animais de Laboratório (FELASA): “Estamos a fazer um caminho, começámos mais tarde do que muitos países da União Europeia (UE), mas estamos a dar passos bons e seguros.”
Além disso, a presidente salienta que algumas instituições não têm ORBEA e, nas que têm, “nem sempre a responsabilidade de tornar pública a declaração ficou com os ORBEA”.
Nuno Franco refere que o site da RedeORBEA está uma lista (não exaustiva) de instituições que utilizam animais para fins científicos e da informação que disponibilizam.
Resumos dos projetos são públicos
O também investigador do i3S, da Universidade do Porto, de Ciência de Animais de Laboratório, refere que “a legislação impõe que sejam publicados os resumos não técnicos de cada projeto aprovado” e adianta: “A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) publicou recentemente resumos de vários anos e esperamos que ainda vá publicar os mais recentes.”
Nuno Franco sublinha que “o objetivo de todas as instituições que utilizam animais para fins científicos é promover os três “R”: replace, reduce, refine (substituir, reduzir, refinar); por isso os investigadores procuram, primordialmente, alternativas – como organoides, estruturas tecidulares, etc. – e só quando elas não estão disponíveis se recorre a animais”.
O especialista em bem-estar de animais de laboratório destaca que “em Portugal a transparência é algo que nos é intrínseco, porque nunca tivemos de impor a opacidade, como aconteceu em muitos países no norte da Europa onde a investigação com animais foi atacada de forma violenta e até terrorista”, referindo o exemplo do presidente da Novartis, a quem incendiaram a casa.
“Há cada vez mais alternativas disponíveis – órgãos isolados, tecidos e até modelos matemáticos – e os investigadores utilizam-nas sempre que possível”, explica Ricardo Afonso. “Muitas vezes começamos por usar modelos matemáticos tecidulares ou celulares, mas precisamos depois de testar a segurança num organismo mais complexo antes de partirmos para testes em humanos.”
SPCAL e ORBEA apostam na formação
O presidente da SPCAL assegura que “um dos papéis que a Sociedade tem assumido, ao longo dos últimos anos, é na formação aos investigadores e colaboradores de biotérios para evitar más práticas, sempre no sentido de minimizar a utilização de animais e o seu sofrimento, quando não há alternativa”.
Ana Isabel Santos acrescenta que “a formação tem mudado muito a cultura de quem lida e investiga com animais, principalmente nos últimos 15 a 20 anos”, mas, lembra: “Na UE é uma prática que já vem de há 50, 70 anos.”
A criação dos ORBEA – que devem aconselhar, acompanhar e avaliar projetos que envolvam o uso de animais e promover os três “R” da experimentação animal – também veio ajudar.
“A RedeORBEA tem por objetivo reunir profissionais que integram ORBEA em Portugal, para facilitar a partilhas de conhecimentos, questões e experiências. O seu fim é a contínua evolução, atualização e valorização dos ORBEA, elevando padrões de competência e funcionalidade que se reflitam na qualidade dos estudos com animais em biomedicina e no bem-estar animal”, pode ler-se no site da Rede.
Acordo de Transparência foi grande passo
Mostrando a sua boa vontade, em junho do ano passado, 16 universidades e centros de investigação nacionais que utilizam animais em investigação fundamental e biomédica, no âmbito do IV Congresso da SPCAL, numa iniciativa proposta pela EARA e apoiada pela SPCAL, assinaram um Acordo de Transparência sobre a Investigação Animal em Portugal.
Este acordo tem como objetivo melhorar a compreensão e a aceitação da investigação animal por parte da sociedade portuguesa, promovendo a abertura e transparência em relação à experimentação animal. Os signatários comprometeram-se, deste modo, a partilhar de forma consistente mais informações sobre a utilização de animais na investigação e as suas justificações científicas, éticas e morais. Esta abordagem baseou-se no Acordo de Transparência Espanhol, lançado em 2016, tendo a EARA cooperado com a Federação das Sociedades Científicas Espanholas e a Concordata sobre Transparência em Investigação Animal no Reino Unido.
*Artigo publicado originalmente na VETERINÁRIA ATUAL de dezembro de 2019.