As aulas práticas do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (FMV-ULHT) dispõem de modelos de simulação real que, além de preparem melhor os alunos, garantem o bem-estar animal. O investimento na ferramenta pedagógica é recente e chegou quase a um milhão de euros.
A VETERINÁRIA ATUAL acompanhou uma aula prática de clinical skills do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (FMV-ULHT), que, desde o segundo semestre do ano passado, recorre a modelos de simulação real para a aprendizagem de procedimentos práticos clínicos.
“Estamos a falar de uma ferramenta pedagógica no âmbito de bem-estar animal, que permite ao professor ensinar com tranquilidade e ao aluno aprender com calma, sem situações de stresse e, acima de tudo, sem causar dor ao animal, visto que se trata de procedimentos invasivos”, começa por contar a diretora da FMV-ULHT, Laurentina Pedrosa. Com este recurso, os alunos deixam de estar condicionados por toda a dinâmica que envolve a técnica e, nos anos posteriores, conseguem aplicá-la na sua prática clínica.
“Estamos a falar de uma ferramenta pedagógica no âmbito de bem-estar animal, que permite ao professor ensinar com tranquilidade e ao aluno aprender com calma, sem situações de stresse e, acima de tudo, sem causar dor ao animal” – Laurentina Pedrosa, diretora da FMV-ULHT
O bem-estar animal é uma das principais premissas desta técnica de aprendizagem − que motivou o investimento por parte da FMV-ULHT − e da qual a diretora muito se orgulha. “Com estes equipamentos mantemos a nossa tradição, fomos sempre inovadores no bem-estar animal. Os nossos alunos nunca realizaram procedimentos em animais vivos, ou qualquer outro tipo que processo que não trouxesse benefício para o animal”. Laurentina Pedroso salienta ainda o facto de a sociedade estar cada vez mais atenta às questões do bem-estar animal, assim como as associações europeias, que sensíveis ao tema, preconizam normas para evitar o abate de animais para as aulas de anatomia”.
O curso de Medicina Veterinária rege-se pelos valores do bem-estar animal desde a sua génese. “Trabalhamos assim há 17 anos. Mesmo no início do curso, os alunos aprendiam as técnicas sempre em cadáveres, resultantes de morte ética − situações que sabemos que são de natureza não infeciosa −, vindos de canis e gatis municipais, de Centros de Recolha de Animais ou de clínicas”.
  “Com estes equipamentos mantemos a nossa tradição, fomos sempre inovadores no bem-estar animal. Os nossos alunos nunca realizaram procedimentos em animais vivos, ou qualquer outro tipo que processo que não trouxesse benefício para o animal” – Laurentina Pedrosa, diretora da FMV-ULHT
De acordo com a diretora da FMV-ULHT, esta é a primeira instituição de ensino em Portugal a recorrer aos referidos modelos de simulação real. “E não há assim tantos no mundo. À data pensamos que estejam registados cerca de cinquenta e cinco laboratórios que utilizam este tipo de equipamentos”, revela.
Simulador de distócias
Este modelo permite simular diferentes distócias, colocando um feto com peso real dentro da vaca. Este feto é colocado num invólucro a simular o útero, em posição fisiológica de um parto. De acordo com a professora Joana Simões, o objetivo é que, “através da palpação, os alunos identifiquem a apresentação do feto e, posteriormente, consigam fazer as manobras necessárias para assegurar o parto”. O modelo disponibiliza ainda uma cisterna onde pode ser colocado leite em diferentes tetos, realizar a colheita e fazer o teste californiano das mastites.
Experiência técnica equivalente a uma situação real
O projeto da aquisição dos modelos iniciou-se há três anos, mas a pandemia da covid-19 veio atrasar a sua concretização. Oriundos, na sua maioria, do Canadá e da China, sofreram alguns problemas logísticos, devido aos atrasos no transporte. No segundo semestre do ano passado começaram a ser utilizados e “atualmente já estão disponíveis na sua plenitude”, explica Laurentina Pedrosa, adiantando que “foi um investimento de quase um milhão de euros em infraestruturas”.
Os equipamentos referidos simulam a estrutura do ser vivo, em vida, e a diretora da Faculdade de Medicina Veterinária da ULHT destaca os modelos de grande porte: “o bovino, para a resolução de partos, e o cavalo, para a resolução de cólicas e outros procedimentos tanto mais evoluídos no ponto de vista clínico”.
No curso de Medicina Veterinária, os alunos começam a ter contacto com estes modelos logo no primeiro ano, ainda que comecem a ser utilizados com maior frequência no terceiro ano. A partir daí, nos anos mais avançados, começam a recorrer aos equipamentos mais complexos, “que incluem a área da odontologia, das urgências respiratórias e urgências cardíacas − o modelo de cólicas para cavalo é exemplo disso”, explica. Nas aulas do curso de Enfermagem Veterinária do Instituto Politécnico da Lusófona (IPLUSO) também são utilizados estes modelos. A avaliação do docente ao desempenho dos alunos nas aulas de clinical skills, recorrendo aos modelos de simulação real, irá ditar se estes estão ou não aptos para a realização dos procedimentos no animal vivo.
O uso ético dos animais no ensino foi sempre uma preocupação para os dirigentes do curso de Medicina Veterinária da FMV-ULHT, que, desde o primeiro ano, dispunham de um modelo para injeções e administrações. Mas que avanço traz este novo investimento?” Laurentina Pedrosa esclarece. “Possibilitou-nos ter outras espécies animais, que permitem pôr em prática diversas técnicas, desde o primeiro ao quinto ano do curso, começando com procedimentos base até aos cirúrgicos e de diagnóstico avançado. Essa é a grande vantagem.”
Simulador de cólicas
Neste caso, o modelo permite realizar palpação retal para diagnósticos que possam gerar dor abdominal. Por outro lado, existe também a possibilidade de adicionar aos cornos uterinos diferentes ovários com folículos, “de modo a ajudar a identificar o ciclo éstrico”, explica Joana Simões. Permite a colheita de líquido peritonial, para aprendam a fazer abdminocentese e, no pescoço, é possível ainda realizar administração intramuscular e endovenosa nas jugulares. Por último, pode ser treinado o raio x nas patas.
Salto gigante na preparação dos alunos
A aula que a VETERINÁRIA ATUAL teve oportunidade de assistir estava a ser dirigida – entre outros docentes – pelo professor de animais de companhia, Lénio Ribeiro, que recorda o tempo em que era estudante − altura em que ainda não existia a possibilidade de experienciar todos os cenários disponibilizados por estes equipamentos. O contacto com determinadas situações clínicas só ocorreu ao longo do seu percurso profissional, enquanto médico veterinário. “Neste momento, conseguimos garantir que todos os alunos tenham acesso à maior informação possível e que os sons disponibilizados pelo equipamento [no caso do simulador de sons cardíacos e respiratórios] permitam o contacto com todas as doenças congénitas. Isto corresponde a um salto gigante e a uma revolução no ensino!”, atira.
“Conseguimos garantir que todos os alunos tenham acesso à maior informação possível e que os sons disponibilizados pelo equipamento [no caso do simulador de sons cardíacos e respiratórios] permitam o contacto com todas as doenças congénitas. Isto corresponde a um salto gigante e uma revolução no ensino!” – Lénio Ribeiro, docente de animais de companhia na FMV-ULHT
A também professora de animais de companhia, Ana Rocha, revela que o facto de não ter sido confrontada com estes cenários na altura em que frequentava o curso, levou-a ter muitas dúvidas, por exemplo, no grau dos sopros − se se tratava de um sopro de grau 2 ou 3− tendo recorrido diversas vezes a colegas para a esclarecer.
Lénio Ribeiro refere que na anestesia, por exemplo, a probabilidade de um aluno assistir a um evento grave é muito reduzida, mas, no exercício da sua profissão, “se acontecer este tem de lá estar” e saber responder naquela situação. Neste caso, refere o docente, “só é possível replicar com simuladores de software ou em modelos”. “É isto que amplifica o conhecimento sem deixar muitas pontas soltas. Esta é a grande revolução no ensino e que na humana já acontece há muito tempo”, sublinha.
Lénio Ribeiro termina citando a seguinte frase “a aprendizagem é roubada aos doentes”, que consta no livro A mão que nos opera, de Atul Gawande, um interno que relata a sua formação. Esta referência leva-o a descrever o caminho que a Universidade Lusófona almeja para os seus alunos e que passa pela excelência profissional. “Algum dia o médico vai executar pela primeira vez determinado procedimento e o objetivo é que esse percurso seja o mais perfeito possível, desde a técnica, à teoria, ao modelo, à tutorização e ao vivo. Este é um salto gigante na abordagem ao ensino e ao bem-estar animal”, conclui.
Simulador de sons cardíacos e respiratórios
O modelo permite realizar auscultação cardíaca e pulmonar, recorrendo a duas cassetes de sons − cada um dos números corresponde a uma patologia. Através dos sons emitidos pelo equipamento, o aluno consegue, por exemplo, diferenciar os tipos de sopro consoante o grau a que correspondem. A professora de animais de companhia, Ana Rocha, sublinha as vantagens do equipamento que, ao permitir simular todos os cenários possíveis dentro da auscultação cardíaca e pulmonar – nem sempre possível com a prática clínica−, irá preparar melhor os alunos para os diferentes cenários que encontrar. “Saem com o ouvido treinado”, revela.
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 156 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de janeiro de 2021.