A evolução na área da dermatologia tem sido notória, destacando-se melhores formas de diagnóstico, novidades terapêuticas, novas gamas de dietas que ajudam a controlar as alergias de diferentes tipos de causas e maior educação para um adequado compliance dos tutores.
Portugal não fica atrás de outros países europeus no que respeita a métodos de diagnóstico e de tratamento de alergias. “Conseguimos oferecer bons cuidados médicos em clínica geral e de referência dermatológica”, explica Ana Oliveira, docente na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e dermatologista diplomada pelo Colégio Europeu de Dermatologia Veterinária (CEDV).
A opinião é partilhada por Diana Ferreira, veterinária dermatologista no OneVet Group e Animal Health Trust e também diplomada pelo CEDV, que considera que o nosso País tem acesso às terapêuticas mais recentes e às moléculas atualmente disponíveis. “No plano do diagnóstico, Portugal também nos oferece uma série de laboratórios com qualidade na análise das amostras. Creio que o mais importante é estar a par da informação mais recente e dos avanços na investigação para que possamos trabalhar com mais e melhor evidência científica”, defende.
Haver “mais referenciação de casos”, quer na fase de diagnóstico, quer de tratamento, como afirma Carla Pedroso, responsável pela área de dermatologia no Hospital Veterinário Vasco da Gama (HVVG), no Parque das Nações, em Lisboa, e diretora clínica da Vet24, em Cascais, também tem ajudado ao incremento da especialidade. Na sua opinião, o desafio atual para profissionais nacionais e estrangeiros passa pelo “bom compliance por parte do tutor, pois, sem isso, os diagnósticos são em vão”.
As alterações climatéricas são outro fator importante, já “que afetam muito a pele de animais alérgicos”. Além disso, os médicos veterinários podem ter de lidar com a frustração dos tutores, que gostariam de ver uma resolução rápida da alergia, o que nem sempre é possível. “O maior desafio para os médicos generalistas é descobrir a etiologia do problema. O caso deve ser referenciado para um veterinário dedicado à dermatologia assim que, após uma primeira reavaliação, o animal não apresente melhorias clínicas”, defende.
A especialista em dermatologia, Ana Oliveira, considera que, embora sejam necessários mais estudos clínicos, a imunoterapia, “em alguns casos, pode levar à remissão da doença a longo prazo”
Na prática clínica, surgem regularmente alergias de pele mais frequentes no cão e que podem manifestar-se por diferentes causas, desde logo, “alérgenos ambientais, alimentares e à picada da pulga”, comenta Ana Oliveira, acrescentando que outros tipos de alergia são mais raros. “Em animais protegidos contra as pulgas, a alergia mais prevalente é a dermatite atópica em relação aos aeroalérgenos, nomeadamente, aos ácaros do pó da casa e pólenes. Devido ao clima e ao tipo de vegetação existente em Portugal, existem inúmeros cães alérgicos aos pólenes. As reações adversas ao alimento também são diagnosticadas frequentemente na prática clínica em cães e gatos”, acrescenta.
Nos gatos, a distinção entre raças não é tão marcada, mas os persas e siameses surgem habitualmente em consulta com problemas alérgicos.
Os casos severos de alergias podem ser bastante desafiantes para os médicos veterinários, nomeadamente no tratamento e compliance do tutor. “A dermatite atópica predispõe para o desenvolvimento frequente de infeções bacterianas e por malassezia na pele e ouvidos, o que contribui para o agravamento do quadro clínico”, salienta Ana Oliveira, também representante nacional da European Board of Veterinary Specialization.
Alergias mais frequentes
A dermatite atópica (DA) é a doença que compreende a maioria das dermatites alérgicas que aparecem recorrentemente na prática clínica, tanto em cães, como em gatos, sendo que nestes últimos, o termo mais correto é “síndrome atópico felino”, explica Diana Ferreira. Além de crónica, deve estar bem controlada para evitar as consequências das complicações que dela advêm, como por exemplo, “infeções secundárias recorrentes, otites externas crónicas, mas, sobretudo, por ser uma condição que tira qualidade de vida ao animal e ao tutor”.
Ana Oliveira destaca a evolução que se tem vindo a realizar no diagnóstico da DA. “Os estudos científicos dos últimos anos permitem caracterizar o quadro clínico da dermatite atópica e fornecem guidelines bastante intuitivas para o clínico geral. O International Committee on Allergic Disease in Animals (ICADA) disponibiliza guidelines mundiais que orientam o clínico no diagnóstico e tratamento das doenças alérgicas.”
Em segundo plano, surgem situações de reação adversa cutânea a alimentos ou alergia alimentar. Na opinião de Diana Ferreira, também presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia Veterinária (SPDEV), esta é menos frequentemente identificada e prevalente, mas não menos importante. Como a sintomatologia é difícil de distinguir da DA, o diagnóstico pode ser muito desafiante. “Outra dermatite alérgica de grande importância é a dermatite alérgica à picada de pulga (DAPP). Há atualmente uma maior informação por parte dos donos, que compreendem a importância dos tratamentos antiparasitários profiláticos e realizam-nos com maior assiduidade, no entanto, a DAPP continua a ser um motivo de consulta bastante frequente.”
Diagnósticos de exclusão
Nas dificuldades que se colocam ao diagnóstico, referenciar o mais cedo possível no curso da doença “pode conduzir a um controlo mais eficaz e rápida da condição”, sugere a presidente da SPDEV. Quando um médico generalista o faz, contribui para “evitar também o desenvolvimento de complicações e a consequente exposição do animal a terapêuticas que podem ser desnecessárias”.
“Creio que o mais importante é estar a par da informação mais recente e dos avanços na investigação para que possamos trabalhar com mais e melhor evidência científica” – Diana Ferreira
As médicas entrevistadas para este artigo não têm dúvidas: em dermatologia, diagnostica-se hoje mais e melhor. “O médico veterinário generalista tem ao seu dispor ferramentas que permitem chegar mais facilmente ao diagnóstico. Por exemplo, no caso de suspeita de reações adversas ao alimento, temos à disposição um novo tipo de dieta completamente hidrolisada e que facilita o diagnóstico”, explica Ana Oliveira. Também Carla Pedroso dá destaque a estas dietas como fundamentais para o despiste de reações adversas ao alimento, bem como aos screenings ambientais para a DA. “Contudo, nunca deve ser esquecido que, muitas vezes, trata-se de diagnósticos de exclusão e é fundamental começar pelo básico, como despiste de ectoparasitas, causas bacterianas e/ou fúngicas, que se fazem com métodos tão simples como raspagens de pele, tricogramas e citologias, entre outros.”
A médica veterinária do HVVG chama ainda a atenção para o facto de alguns problemas alérgicos serem crónicos e, por isso, não terem cura. “Mas penso que estamos no caminho certo para se diagnosticar mais e melhor, e consequentemente, tratar de uma forma mais eficaz.” Diana Ferreira também sublinha o diagnóstico clínico e de exclusão da dermatite atópica canina (DAC). “Os testes disponíveis para determinação de IgEs específicas para os diferentes alergénios continuam a ter a mesma indicação, não sendo adequados para o diagnóstico, mas apenas para a formulação de vacinas de dessensibilização. Nas reações adversas cutâneas a alimentos, as tecnologias dos testes têm vindo a melhorar, fruto de extensa investigação, no entanto, a sua utilidade não parece ser diferente”, sublinha. A todo o momento, é importante “ter em mente os diagnósticos diferenciais e excluir corretamente as patologias parasitárias, infeciosas e alérgicas que podem resultar numa sintomatologia semelhante”.
Abrir portas ao desenvolvimento de novas moléculas
Dada a importância da expressão da DA na prática clínica, a indústria farmacêutica tem apostado no desenvolvimento de fármacos de controlo da patologia. “Atualmente, o médico veterinário tem ao seu dispor moléculas bastante eficazes e seguras como, por exemplo, o lokivetmab, que permite um controlo da doença de modo específico com o conforto de uma administração mensal. O oclacitinib é outra molécula recente e que confirma os avanços científicos verificados na dermatologia veterinária”, destaca Ana Oliveira.
Diana Ferreira acrescenta ainda outras inovações: “Os avanços de grande importância na investigação da patogénese desta patologia, especialmente nos mecanismos de desenvolvimento do prurido, que é o sinal clínico por excelência da DAC. O conhecimento destes mecanismos, ou seja, dos mediadores inflamatórios e vias sensitivas envolvidas no desencadear deste sinal, abrem portas ao desenvolvimento de novas moléculas ou técnicas para o bloqueio do prurido.” Falamos de mais investigação, maior e mais rápido desenvolvimento de novas moléculas para o tratamento do prurido em cães com a doença.
Salientando a variedade de opções terapêuticas existentes para um bom maneio das patologias alérgicas, a presidente da SPDEV considera que “a abordagem terapêutica deve ser sempre individualizada e adaptada ao paciente”.
Carla Pedroso consubstancia a opinião das colegas. “A indústria farmacêutica investe anualmente em novos produtos para controlo de ectoparasitas e, neste momento, temos produtos bastante eficazes. No que respeita à DA, o investimento, infelizmente, continua a fazer-se mais para o cão do que para o gato, em termos farmacológicos.” A diretora clínica da Vet 24 destaca também “o maior leque de suplementos nutricionais para a pele de animais com DA, que permite – em muito – minimizar o uso de fármacos”.
A imunoterapia com alérgenos continua a ser uma opção terapêutica “adequada”, na opinião de Ana Oliveira. A médica veterinária afirma que prescreve esta alternativa nas suas consultas de dermatologia por considerar que é uma terapia “bastante segura”. E sublinha que: “Embora sejam necessários mais estudos clínicos sobre este tipo de tratamento, em alguns casos, pode levar à remissão da doença a longo prazo. No entanto, na escolha deste tipo de tratamento, deve ter-se sempre em consideração o caso clínico e o compliance do tutor.”
Investigações em curso
A investigação também é muito fomentada no ensino superior. No Serviço de Dermatologia do Hospital Escolar da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa (FMV-ULisboa), existe a preocupação de tentar personalizar cada vez mais os tratamentos consoante as necessidades dos pacientes. “Apostamos em projetos de investigação focados na melhor caracterização das doenças, em novas ferramentas de diagnóstico, em tratamentos na vanguarda da investigação clínica e no bem-estar do paciente e do tutor”, salienta Ana Mafalda Lourenço, docente responsável pelo ensino e Serviço de Dermatologia e Imunoalergologia na FMV-ULisboa.
“O maior desafio para os médicos generalistas é descobrir a etiologia do problema. O caso deve ser referenciado para um veterinário dedicado à dermatologia assim que, após uma primeira reavaliação, o animal não apresente melhorias clínicas” – Carla Pedroso
Neste momento, são vários os projetos de investigação em curso. “Podemos referir, por exemplo: o estudo sobre as alterações existentes da ‘molécula da felicidade’ (serotonina) na DA, procurando melhorar a qualidade de vida dos pacientes; o projeto que visa personalizar a abordagem à DA; e ainda um outro, focado nas novas ferramentas de informação digital para os tutores.”
No que respeita a este último, vários estudos de medicina humana concluíram que quando se educam os pacientes acerca de determinada doença, o compliance melhora significativamente. “Acreditamos que é relevante investigar a eficácia de ferramentas de educação o que, no caso do nosso projeto em específico, consiste em avaliar as competências adquiridas pelo tutor quando sujeito a um vídeo animado sobre a doença. As grandes vantagens deste tipo de ferramenta são a sua conveniência e acessibilidade – o tutor pode aceder sem nenhum custo, a qualquer momento, em qualquer lado e assistir a quantidade de vezes que precisar -, a sua atratividade – que cativa a atenção dos donos – e a facilidade de divulgação para a comunidade, o que aumenta exponencialmente o alcance de conhecimento fidedigno quando comparado com outros métodos mais tradicionais”, conclui a docente.
Raças caninas mais predispostas às alergias
– Labrador retriever
– Golden retriever
– Bulldog francês e inglês
– West Highland White terrier
– Jack Russell terrier
– Yorkshire terrier
– Boxer
– Pastor alemão
– Sharpei
– Pug
*Texto publicado originalmente na VETERINÁRIA ATUAL n.º 133.