Maria Manuel Silva
Médica veterinária no Rase Veterinary Centre, em Lincolnshire, no Reino Unido.
Qual é a sua área de especialidade (ou de interesse) e porque é que escolheu essa área?
Atualmente, trabalho numa clínica de primeira opinião, sendo a minha área de interesse principal a medicina felina. Após trabalhar com várias espécies de animais, prefiro os gatos, visto que são bastante peculiares e é necessário ter paciência e uma aptidão especial, uma vez que os sinais clínicos são menos óbvios.
Passou por vários estágios, curriculares e profissionais, antes de terminar o seu mestrado em medicina veterinária. Porque é que procurou desde cedo essa vertente prática?
O curso universitário, nos primeiros anos, é maioritariamente teórico, portanto achei importante desde cedo ter contacto com a realidade prática. Foi também para ter uma noção de como era o dia a dia de um veterinário e de como seria o meu futuro. Acho também que é uma ótima maneira de conhecer profissionais da área para futuras oportunidades profissionais e enriquece bastante o currículo.
Como e quando é que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?
Esta oportunidade surgiu através de uma colega de faculdade, enquanto ainda estava a acabar o estágio profissional. Esta colega já estava na empresa há uns meses e, através das redes sociais, fiquei a saber desta oferta de trabalho para veterinários recentemente graduados.
Como é que é um dia de trabalho normal para si? O que faz?
Um dia normal passa por consultas de primeira opinião, seguidas de operações de rotina e por vezes exames diagnósticos de imagiologia, como radiografia e ecografia. Quando estou a trabalhar no hospital central tenho também de cuidar dos pacientes internados. É bastante comum também termos de ligar aos tutores para dar conselhos ou informá-los acerca de resultados de exames ou análises feitas anteriormente.
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
A grande diferença entre trabalhar em Portugal ou aqui no Reino Unido é o volume e intensidade de trabalho. A maioria das consultas duram cerca de 10 a 20 minutos, por isso, num turno de 10 horas, vemos dezenas de animais. No entanto, trabalhamos apenas quatro dias por semana e, na maioria das clínicas, apenas um fim de semana por mês. Temos por isso mais tempo livre.
Além de tudo isto, o poder económico é bastante superior e os tutores confiam e respeitam bastante a nossa opinião profissional; aqui sinto que somos realmente vistos como médicos.
Quais os seus planos para o futuro?
Gostaria bastante de fazer um internato e, posteriormente, residência. Uma vez que a maioria dos locais pedem alguns anos de experiência, estou a aproveitar este tempo para aprender o mais possível e ganhar experiência cirúrgica e médica.
Como é que está a situação de pandemia de covid-19 neste momento no Reino Unido e como é que isso afeta a sua prática?
No início, estávamos apenas a fazer consultas de emergência. Neste momento, voltámos a fazer consultas e operações de rotina, sendo que a grande diferença é que os donos não entram dentro da clínica e temos de usar EPI [equipamento de proteção individual].
Em termos económicos, infelizmente, a maioria das pessoas têm menos possibilidades económicas e, no início da pandemia, houve um aumento enorme de eutanásias de animais idosos por impossibilidade de pagar medicações crónicas ou exames de diagnósticos mais caros, o que colocou imensa pressão emocional em todos os profissionais.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho em Portugal?
O mercado de trabalho em Portugal para recém-licenciados é bastante precário, funcionando à base de estágios profissionais, cujo valor é na sua maioria subsidiado pelo Estado; os salários oferecidos são baixos, o que diminui bastante o valor de um recém-licenciado no mercado de trabalho e desvaloriza anos de estudos e de conhecimento.
A três horas de distância, no Reino Unido, é possível arranjar trabalho para recém-licenciados, bem pagos, que valorizam o conhecimento e dão oportunidades de crescimento profissional. Pela minha experiência, quando saímos da faculdade é a melhor altura para arriscar ir para outro país.
No entanto, ser emigrante tem imensos desafios e é preciso estar preparado para fazer sacrifícios pessoais, como estar longe da família e amigos. O ponto positivo é que a qualquer momento é possível comprar um bilhete de volta a Portugal, pois nenhuma decisão é permanente.
Como é que avalia o estado atual da medicina veterinária?
A medicina veterinária está cada vez mais desenvolvida; no Reino Unido há uma grande quantidade de animais com seguro, o que permite referenciar os animais para exames de diagnóstico cada vez mais avançados e, posteriormente, tratamentos médicos ou cirúrgicos complexos.
A criação de especialidades e certificados permite-nos, enquanto médicos veterinários, assegurar cada vez mais cuidados veterinários de excelência.
Infelizmente, depende sempre do poder económico dos tutores, sendo essencial generalizar a obtenção de seguros para os nossos animais para cada vez mais conseguirmos melhorar os cuidados veterinários.
*Artigo publicado originalmente na edição 142, de outubro de 2020, da VETERINÁRIA ATUAL.