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A clínica onde a descoberta faz parte da prática clínica

A clínica onde a descoberta faz parte da prática clínica

São dias pouco rotineiros e até surpreendentes, os vividos na Exoclinic. Com doze anos de existência, trabalhar no desconhecido é uma das características da equipa dedicada a uma área tão exigente quanto diversificada. E nem a pandemia de covid-19 tem afastado os clientes e impedido o crescimento sustentado. 

À chegada à Exoclinic – Clínica Veterinária de Aves e Exóticos, em Miraflores, concelho de Oeiras, os tutores aguardam na parte exterior. A chuva decide aparecer e o frio não tem dado tréguas, mas a pandemia de covid-19 exige, entre outras medidas, o distanciamento físico, o que implica a uma nova forma de receber os clientes. As pessoas percebem. A segurança está em primeiro lugar. Nesta clínica, encontramos espécies exóticas ou como dita a terminologia mais recente, novos animais de companhia e animais domésticos não convencionais.

 

Entramos, desinfetamos os sapatos, colocamos álcool gel nas mãos e medem-nos a temperatura. Tudo dentro da normalidade, temos permissão para entrar e descobrir o espaço. Não sem antes sermos brindados com vários assobios da catatua Baby, a mascote da clínica com pouco mais de dez anos e oferecida por um criador e cliente. Esta também é uma das características dos animais exóticos: a sua beleza e originalidade. A crista da catatua que tão bem recebe os clientes não deixa a equipa de reportagem indiferente. “É muito mimada e tem uma personalidade forte”, diz-nos a diretora clínica Cristina Almeida enquanto nos explica que esta espécie pode viver até aos 70 anos e que, ao contrário do que as pessoas pensam, “dá muito trabalho”.

Cristina Almeida – diretora clínica da Exoclinic
@Rodrigo Cabrita

Os tutores dos animais exóticos, não raras vezes, deixam-se cativar pela beleza dos mesmos. “Na nossa área, há sempre o fator de paixão à primeira vista e muitos animais são comprados porque são bonitos”, explica a médica veterinária e dá um exemplo concreto: o camaleão. “As pessoas não têm ideia, mas este animal é extremamente cativante e muito difícil de manter em cativeiro. É uma espécie sensível ao stress e exige que os tutores tenham conhecimentos sobre a temperatura, a humidade, a alimentação… Mas eu compreendo que as pessoas os escolham pela sua beleza”, acrescenta. Por isso, nunca é demais sensibilizar as pessoas para a compra ou a adoção responsável. Há que conhecer minimamente a espécie para não serem surpreendidos no futuro.

 

Na manhã de reportagem da VETERINÁRIA ATUAL, foram várias as espécies em consulta. Como explica Cristina, o dia a dia de um veterinário de exóticos é tudo menos rotineiro.

“Nós trabalhamos muito no desconhecido. As pessoas vêm porque o animal está estranho, está triste, deixou de comer e comporta-se de uma forma diferente… Nunca chegam com sintomas muito concretos, o que nos obriga e ir à procura.” Não há qualquer monotonia, garante. “No mundo dos animais exóticos, existe muita diversidade e se não tivermos uma curiosidade proativa, não sei se podemos vingar nesta área. Esta manhã, já tivemos um réptil, um coelho, uma ave… Por isso, é preciso querer sempre saber mais tendo também a consciência das limitações porque é impossível conhecer todas as espécies.” A paixão que a diretora clínica denota nos tutores também é transversal aos profissionais que se dedicam aos exóticos, na sua opinião.

 

Nós trabalhamos muito no desconhecido. As pessoas vêm porque o animal está estranho, está triste, deixou de comer e comporta-se de uma forma diferente” – Cristina Almeida, diretora clínica

Desde pequena que o gosto por estas espécies foi crescendo. Teve todo o tipo de animais de companhia. “Os meus pais avisaram-me, desde cedo, que eu poderia escolher qualquer animal menos o cão e o gato porque o cão não se adequava à vida de apartamento e o meu irmão era alérgico ao pelo do gato”, conta. A partir daí, a par do passatempo favorito de ir a lojas de animais ao fim-de-semana, Cristina teve aves, tartarugas, um coelho anão, um pato, entre outros animais. “Quando comecei a crescer, percebi que tinha muito interesse cirúrgico e que gostaria de desenvolver um trabalho manual. Dentro dessas áreas, gostava muito de oftalmologia e como estive sempre perto de cavalos e da equitação, quando chegou a altura de ir para a faculdade, entrei em medicina veterinária e gostei logo.”

 

O senhor do talho perto da casa onde cresceu e viveu com os pais e o irmão ainda a conhece. A explicação é curiosa. “Eu fazia muitas brincadeiras em casa porque o meu pai deu-me um kit de sutura quando eu entrei para a faculdade e eu realizava algumas experiências com pernas de frango. Lembro-me de encomendar cabeças de porco para treinar a cirurgia da pálpebra”, partilha, entre risos. Os pais, ambos médicos, perceberam o seu interesse desde cedo e estimulavam a curiosidade inata e que Cristina considera tão essencial na sua prática clínica atual.

Da curiosidade ao ensino superior

Terminou o curso de Medicina Veterinária em 2007 na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-ULisboa). Entretanto, foi-lhe dada a oportunidade de ficar a trabalhar no Serviço de Radiologia do hospital da faculdade, mas nunca abandonou a ideia de apostar numa clínica de animais exóticos, o que acabou por acontecer em setembro de 2008. “Como tudo o que são pequenos negócios, comecei com uma dimensão mais pequena e, durante três anos, trabalhei em simultâneo na faculdade e fui desenvolvendo a atividade da clínica”, afirma. Quando sentiu que o negócio era autossustentável e já tinha mais colegas a trabalhar, acabou por deixar o trabalho na FMV e passou a estar em full-time na Exoclinic. O espaço começou por ser mais pequeno e conforme as coisas iam correndo bem, foi sendo ampliado.

O facto de os primeiros anos do curso superior serem muito teóricos levou a que Cristina Almeida começasse, desde cedo, a fazer cursos paralelos e a ajudar em clínicas ao fim de semana ainda que na área do cão e do gato. “A minha grande viragem foi durante a realização de Erasmus, no ano letivo de 2003 / 2004. A rua onde eu vivia tinha uma clínica só de animais exóticos e como na faculdade onde eu estive [Universidad Complutense de Madrid] havia consultas de espécies exóticas, comecei a assistir e a ajudar. Quando terminei o ano letivo, pedi aos meus pais para ficar um mês naquela clínica e verifiquei que era mesmo aquilo que eu gostava de fazer.”

Confessa que a maior dificuldade da aventura de criar um negócio próprio foi mesmo a falta de formação em áreas, como a contabilidade, os recursos humanos, o marketing, a gestão, entre outros. “Como esta é uma estrutura pequena, tudo está um pouco assente nos meus ombros e tenho de tentar conciliar a prática clínica com a gestão. Cometi erros sobretudo por inexperiência relacionados com algumas decisões tomadas, mas tem sido uma aprendizagem”, conta, revelando como tem encarado o caminho percorrido.

Da esquerda para a direita Carolina Lopes, Filipa Fernandes, Cristina Almeida, Susana Mendes, Daniel Castro
@Rodrigo Cabrita

A equipa sólida, composta por cinco médicas veterinárias, três delas a tempo inteiro e, duas, em horário parcial (e a colaborar noutras clínicas veterinárias), conta ainda com a colaboração da rececionista e auxiliar de veterinária, Filipa Fernandes, “exímia tosquiadora de coelhos”, elogia a diretora clínica.  O serviço, garante, é diferenciador e praticamente inexistente em Lisboa. E, se em 2010, quando a Exoclinic abriu, o número de tosquias de coelhos ia até quatro por ano, atualmente, o difícil é ter um dia em que Filipa esteja livre porque é necessária noutras funções. Este passou a ser um dos serviços mais procurados nesta clínica. “A Filipa realiza tosquias todos os dias da semana exceto à quarta-feira por motivos de organização de agenda porque faz falta noutro posto.” E este não é um trabalho sazonal. “Fazemos tosquias a coelhos com historial de problemas por ingestão de pelo e muitos deles acabavam por ser operados ao estômago, não só por esse motivo, mas também por desenvolverem fenómenos como a automutilidade).” Não se trata de uma preocupação estética, mas sim de saúde. Para os coelhos que já foram operados ao estômago, a rotina da tosquia acontece quase todos os meses até como forma de prevenção da acumulação de pelo no estômago. E os tutores sabem-no e procuram o serviço recorrentemente.

A endoscopia é mandatória nesta clínica e especialmente relevante em aves e répteis. “Assim que investimos na clínica, comprámos um endoscópio. Como os animais são muito pequeninos, as imagens que retiramos da endoscopia dão uma melhor ideia do problema do animal, quer à equipa, quer aos tutores.” A clínica dedica-se à medicina veterinária em geral, à cirurgia, realiza Raio-X digital, ecografia, análises sanguíneas, dando ainda resposta sempre que é necessário realizar uma TAC em regime de referenciação. “Quando precisamos de realizar este exame complementar de diagnóstico, referenciamos para o Hospital Veterinário do Restelo (HVR) por uma questão de proximidade, desde que os tutores concordem com a nossa sugestão.”

A clínica conta com a colaboração de colegas de ecografia e da ecocardiografia desde o início de atividade. “Embora tenhamos um ecógrafo é diferente contar com um colega que só trabalha nessa área sobretudo para avaliar a patologia adrenal dos furões que pode exigir o recurso a sondas próprias. A nossa única limitação é quando nos surgem animais com menos de 150 gramas.” Na área de oftalmologia, a médica Ana Marta Amorim dá consultas uma vez por semana e também colabora com a Exoclinic em regime de prestação de serviços.

As experiências que foi desenvolvendo ao longo da vida permitiram-na perceber que nada se faz isoladamente. “Tive uma experiência positiva na faculdade em termos de espírito de equipa e de camaradagem durante os três anos em que lá trabalhei e era uma estrutura maior do que esta clínica. Percebi que uma pessoa sozinha não tem conquistas e que somos o resultado de vários fatores humanos”, defende. É por isso que o ambiente descontraído e alegre vivido na Exoclinic nos transporta para um local acolhedor e confortável que não deixa transparecer o quão difícil é este trabalho. Desligar da profissão é um desafio. “Existe uma preocupação em relação aos pacientes que é verdadeira e as pessoas notam que estamos mesmo envolvidos. Os tutores percebem o entusiasmo e agradecem”, refere Cristina.

Apesar de ter veterinários jovens na equipa e de a clínica ter alguma rotatividade devido ao facto de alguns profissionais mudarem de área ou irem para fora do País, a diretora clínica sente que este é um trabalho conjunto. “Temos reuniões internas, protocolos e parte do nosso sucesso e da estabilidade da estrutura está relacionada com este esforço coletivo. Eu encaro esta clínica com muito otimismo”, partilha, sem esconder o entusiasmo.

A redescoberta do animal de companhia

Com a pandemia de covid-19, Cristina Almeida foi surpreendida com um crescimento exponencial da Exoclinic. A explicação parece-lhe clara: os tutores aproveitaram o facto de estarem em confinamento para realizarem as rotinas dos seus animais de companhia. “O que notámos no confinamento foi a redescoberta do animal que a pessoa tem em casa.  Com o teletrabalho, os tutores passaram a dar mais atenção aos seus animais de companhia. O aumento dos acidentes domésticos foi um fenómeno que assistimos no mês de abril, como por exemplo, traumatismo de bico, queimaduras, pisadelas e encontrões, quedas, entre outros.” A diretora clínica relata ainda que nesse mesmo mês, a clínica bateu o recorde de reconstruções de carapaça. “Isto está mesmo relacionado com o redescobrir do animal e com o facto de os animais que estavam mais confinados às gaiolas ou ao terrário passarem a ter mais interação com os tutores, podendo resultar em acidentes.”

“O que notámos no confinamento foi a redescoberta do animal que a pessoa tem em casa.  Com o teletrabalho, os tutores passaram a dar mais atenção aos seus animais de companhia”, defende Cristina Almeida.

Também foi durante o período de confinamento que as novas aquisições e “a realização de um sonho” se manifestaram. “Pessoas que já tinham na ideia adquirir um animal, fizeram-no agora por terem mais tempo para estudar a espécie.” Cristina nota que as pessoas se informam mais, fazem uma escolha responsável e não se deixam levar tanto pela compra impulsiva.

Relativamente à adaptação do CAMV às normas da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), a equipa não notou grande problema. A clínica nunca fechou. “Nós já tínhamos rotinas muito rigorosas porque um exótico, até prova em contrário, é um animal potencialmente contagioso para nós e para os outros.” Eu já usava viseira para operar, já utilizávamos produtos limpeza de superfícies e até os tínhamos em stock.” Não foi uma mudança assim tão grande até porque o tema da higiene e segurança já estava a um nível muito alto na Exoclinic. O que foi mais alterado diz respeito à nova sinalética no espaço.

@Rodrigo Cabrita

O horário também se manteve inalterado estando a clínica aberta de segunda-feira a sábado: às segundas e sextas, das 10h00 às 20h00; às 3ªs, 4ªs e 5ªs até às 19h00 e sábados das 9h00 às 14h00. Existe ainda um número de telefone para urgências 24 horas e consultas ao domicílio que estão um pouco mais comprometidas agora devido à pandemia de covid-19. “Temos estadias de dia e quando os animais necessitam de vigilância noturna e/ou de medicação, temos reencaminhado para o HVR com sucesso. O hospital aceita receber os nossos animais inclusive aos domingos e feriados desde que acompanhados de uma carta da nossa referenciação, com exames já feitos e uma guia de tratamento.” Por outro lado, os tutores têm um papel ativo e acabam por fazer parte da equipa. “Um tutor de répteis é uma pessoa muito hábil e se lhe dermos orientações para administrar injeções em casa, podemos realizar as primeiras aqui na clínica e o processo ser continuado em casa pois estamos a falar de tratamentos que podem durar três a quatro meses.” “Tenho plena noção que damos as ferramentas, mas que o sucesso resulta do trabalho que é feito em casa”, sublinha Cristina Almeida.

Os tutores acabam por fazer parte da equipa nos cuidados aos seus animais exóticos sobretudo em tratamentos que se prolongam por meses. “Tenho plena noção que damos as ferramentas, mas que o sucesso resulta do trabalho que é feito em casa”, defende a diretora clínica.

O acompanhamento à distância através de e-mail com envio de fotografias também tem sido bem aceite pelos clientes. “O e-mail é uma ferramenta muito útil e ativa para nós e permite-nos ainda partilhar os casos entre colegas da equipa. Os clientes enviam-nos alguns reports semanais e nós fazemos os ajustes necessários em processos de evolução bastante lenta, como por exemplo, as queimaduras. Se vemos que essa avaliação feita em casa é fiável, conseguimos estabelecer alguma relação com estas ferramentas.” Em paralelo, é definido um protocolo que resulta de um esquema de visitas de acompanhamento na clínica.

Formações regulares

Apesar de não existir uma dinâmica muito formal de presença nas redes sociais, as páginas de Facebook e de Instagram são uma porta de entrada para as pessoas chegarem até à clínica. “Notamos que as redes sociais nos dão visibilidade e traduzem-se também em pedidos de alunos que queiram realizar estágios connosco ou participar nas ações formativas sazonais que realizamos, como a Summer School. Recebemos vários alunos do estrangeiro”, explica Cristina Almeida. Nos posts que são publicados com imagens de animais exóticos, são partilhadas notas explicativas dos cuidados a ter com determinada espécie, o que acaba por motivar pedidos de informação e de esclarecimento por e-mail. “Também enviamos uma folha com a explicação dos cuidados básicos a ter no final da primeira visita à clínica. É um apanhado de principais doenças que inclui tópicos relacionados com prevenção e alimentação. Por exemplo, algumas espécies exigem uma dieta muito específica. Os tutores gostam de fazer parte da discussão.”

Metade dos casos que a Exoclinic recebe chegam por iniciativa própria e a outra metade vem por recomendação de outros colegas. “A nossa consistência e qualidade do serviço acabam por fidelizar os clientes”, defende Cristina Almeida. Mas essas características não surgem do acaso. “Quem quer trabalhar nessa área tem de se atualizar. Não é possível trabalhar hoje como trabalhava há dois anos.” A aposta na formação é crucial e regular.

A diretora clínica está neste momento na fase de redação da sua tese de mestrado sobre pavões e ainda se aventurou numa formação durante o ano passado. “Fiz uma pós-graduação muito interessante intitulada ‘Animais e sociedade’ promovida pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa. Éramos vários colegas de várias áreas, desde psicólogos, a veterinários, a antropólogos, a sociólogos, entre outros, e também de outros países, como o Brasil, e foi uma formação que mudou um pouco a minha forma de viver a clínica. Apesar de as aulas terem sido à noite e de ter sido um grande esforço, vinha sempre para a clínica de manhã com muito contentamento.” Tem noção que as escolhas acabam por condicionar a forma como o médico veterinário se conecta com as preocupações de tutores e passa a estar mais informada sobre determinada espécie do que se não apostasse nestas formações complementares.

Cristina continua também a dar aulas na FMV, como oradora convidada, em comportamento animal na área de exóticos e em patologia de animais silvestres, esta última, opcional. A estadia que tinha agendada para março de 2020 nos Estados Unidos da América foi adiada e, em substituição, a diretora clínica resolveu realizar um curso básico de falcoaria através da Associação Portuguesa de Falcoaria que inclui aulas e seminários online. Alguns estágios na clínica com alunos estrangeiros também foram adiados, mas já recomeçaram em outubro último no âmbito dos acordos com Erasmus +.

A clínica promoveu alguns webinars em português, com vários temas, de maio a novembro de 2020, e “a adesão dos alunos de veterinária foi muito positiva”.

Casuística variada

“Nós trabalhamos com os extremos: até aos 70 e 100 anos, no caso das tartarugas, alguns répteis e as aves até animais de vida mais curta, como o hamster, o porquinho da índia ou o coelho, em que as pessoas, se tiveram uma experiência positiva, compram um novo e vêm ter connosco novamente”, explica Cristina Almeida.

@Rodrigo Cabrita

Reportando aos dois últimos anos, os mamíferos, sobretudo os coelhos, são os animais que totalizam 50% da casuística da clínica. “Na outra metade, 35% das consultas são compostas por aves e o restante por répteis. No caso destes últimos, existe sazonalidade.” Cristina Almeida denota ainda algum distanciamento do público em relação aos veterinários ou porque os tutores são autodidatas ou por desconhecimento. Um dos desafios na área dos animais exóticos, aquela que a diretora clínica considera como “a mais exigente” de todas as que incluem os animais de companhia, prende-se com os sinais muito ténues da doença. “Acredito que os tutores vão ao veterinário já muito tarde ou nem chegam a ir porque têm dificuldades em perceber que o animal está doente. Enquanto que no mamífero há uma rotina diária, existem répteis que comem uma vez por semana, o que pode arrastar uma situação.” É um processo mais lento e há menos proximidade em termos culturais de levar uma tartaruga ao veterinário por rotina e alguns tutores acabam por procurar ajuda apenas quando os animais estão doentes. “Às vezes, quando chegam, já é tarde. Recebemos animais em muito mau estado”

As rotinas dependem das especificidades de cada espécie e existem esquemas de vacinação, desparasitação e, outros, de acordo com as necessidades e o estado de desenvolvimento. “Um juvenil precisa de um determinado esquema de desparasitação e de uma alimentação específica diferente de um adulto ou de um geriátrico. Atualmente, se eu comparar com a realidade de há sete anos, há muitas consultas de rotina, de desparasitação de aves e também de répteis. Isto também é muito motivado pela proximidade ao ser humano.” A maior interação com os tutores levanta mais questões sobre a saúde global e os tutores, sobretudo os que têm filhos, se determinado animal é potencialmente perigoso.

Por vezes, um dos entraves para levar o animal ao médico veterinário prende-se com questões relacionadas com o transporte. Como vivem sempre no seu habitat, pode surgir mais relutância na deslocação a uma consulta. Pode dar-se também o caso de os médicos veterinários se deslocarem ao domicílio, serviço que está mais condicionado em tempos de pandemia. “Por exemplo, em famílias compostas por sete periquitos, fará mais sentido uma ida da nossa equipa até à casa dos tutores. Fazemos isso habitualmente, mas agora com o período de covid-19, estamos mais restritos a situações de urgência em que vamos buscar o animal para realizar os exames na clínica.”

Com o tempo, as pessoas também começam a perceber que não é assim tão complicado levar os seus animais exóticos a uma consulta. “A grande vantagem é que eles são muito portáteis. Ensinamos os tutores a vir à consulta com bolsas térmicas numa pequena transportadora ou numa caixa de cartão e como trabalhamos por marcação, as pessoas já sabem que vêm à hora agendada e caso haja um tempo de espera, o animal fica numa incubadora até chegar a sua vez.”

A adoção destes animais também já é uma realidade e os clientes podem fazê-lo através de algumas associações e grupos de animais exóticos. No entanto, Cristina Almeida costuma sugerir que este passo seja dado por uma pessoa que já tenha alguma experiência com estas espécies. “Um tutor novato pode ficar desapontado, a adoção não corresponder às expetativas e dar-se um segundo abandono”, sublinha a médica veterinária. Normalmente, a prioridade é dada a quem já teve contacto com a espécie em questão. “Entre clientes, estagiários e as divulgações nas redes sociais, conseguimos agilizar a adoção de mamíferos muito rapidamente. No caso das aves, depende. Os répteis demoram mais tempo a ser adotados.”

E se há uns anos, a escolha destes animais poderia recair por uma questão de modas sempre que saía um filme sugestivo para uma potencial aquisição, como por exemplo, “Um Porquinho chamado Babe”; “Alvin e os Esquilos” ou “O Peter Rabbit”, a tendência atual passa por escolher animais que se adaptem mais ao estilo de vida dos tutores. Se Cristina Almeida tivesse de enunciar as trends dos últimos dois anos em veterinária de exóticos, destacaria as cirurgias a micromamíferos (hamster, ouriço e gerbo) e a escolha da ratazana, quer como animal de companhia, quer no que respeita a cuidados prestados à espécie. “Não é um animal menor ou repugnante. É dócil, interativo e inteligente.”

@Rodrigo Cabrita

A médica veterinária relata que a novidade do último ano da Exoclinic é o laboratório interno. “Era um laboratório normal que realizava rotinas veterinárias, como o hemograma e as análises bioquímicas, mas atualmente, devido ao trabalho que está a ser feito pela nossa colega Susana Mendes e através de algumas ligações que temos, conseguimos estudar – a baixo custo – e encontrar situações que há cinco anos tinham passado um pouco ao lado. Depois, temos de perceber se o que encontrámos é importante para o estado geral do animal ou se detetámos algo tão precocemente que o animal pode ser tratado mesmo sem sintomas.” Também é assim a medicina veterinária de exóticos podendo resultar de acasos que melhoram a qualidade de vida dos animais.

A visão da diretora clínica para o futuro é positiva. “Fico satisfeita por haver mais colegas dedicados a esta área, mas muitos acabam por não exercer porque é um caminho que exige dedicação, entrega, conhecimento teórico, conhecimento prático e também cultura geral sobre estes animais. Em relação à cooperação que temos, quer a partir das referenciações, quer a partir de parcerias, tem sido muito enriquecedor para todos.”  Não consegue fazer previsões a médio e longo prazo. “Não consigo sequer projetar o ano de 2021 porque o aumento de volume de trabalho do ano passado foi totalmente inesperado”, conclui.

Os dias difíceis em clínica

Na Exoclinic é utilizada uma escala de qualidade de vida que também é aplicada a cães e gatos com doença terminal e que foi adaptada aos pacientes da clínica. Consiste num questionário que é realizado quando se percebe que o animal está a caminhar para uma fase de fim de vida, que é repetido algumas vezes e que inclui uma pontuação relacionada com o conforto, a autonomia, a alimentação, a dependência de medicação, entre outros aspetos. “Acaba por ser uma preparação para o fim. Depois, falamos das opções de morte natural e morte assistida e explicamos o processo. A morte programada é uma consciencialização”, defende Cristina Almeida. Assume o quanto é difícil o dia de despedida com animais que passaram várias gerações com uma família, com quem se desenvolveu uma grande ligação entre todos os elementos e que falam ou imitam vozes de pessoas da casa, como é o caso dos papagaios. “Faço questão de estar presente naquele dia e de acompanhar os tutores que estabeleceram uma relação de confiança connosco”, diz.

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